Agência Brasil
Segundo André Lázaro, responsável pelas políticas públicas na Fundação Santillana, a redução das diferenças no desempenho escolar de crianças e adolescentes no Brasil depende de enfrentar uma estrutura que, há anos, aceita como natural a existência de desigualdades.
Para o especialista, é fundamental compreender os fatores que levam a resultados insatisfatórios no aprendizado nas instituições de ensino.
“O problema brasileiro reside na aceitação das disparidades. Joaquim Nabuco já alertava, no século XIX, que um país que conviveu por três séculos com a escravidão teria dificuldades em promover a igualdade. Hoje, ainda estamos na fase de afirmar que todos são iguais perante a lei”, explica.
“Infelizmente, a educação ainda é considerada uma herança de classe, embora deva ser um direito de todos”, reforça.
Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2025, elaborado pela organização Todos Pela Educação, Fundação Santillana e Editora Moderna, divulgado recentemente, revelam que, em 2023, apenas 2,4% dos estudantes do 3º ano do ensino médio entre os 20% mais pobres atingiram níveis adequados de aprendizagem em matemática e português. Em contraste, esse índice chega a 16,3% entre os 20% mais privilegiados economicamente.
“Ao analisar as diferenças entre áreas urbanas e rurais, bem como entre os diferentes níveis de renda, fica evidente que as disparidades podem ultrapassar 20 pontos percentuais em várias regiões do país”, observa Lázaro, que atuou como professor na educação básica.
Ele destaca que o problema de rendimento não se limita às escolas públicas, sendo comum também em instituições privadas. “Tanto as escolas públicas quanto as privadas enfrentam dificuldades na formação de conhecimentos essenciais; mesmo os estudantes das classes mais altas ao final do ensino médio apresentam resultados insatisfatórios”, afirma.
O especialista também ressalta a importância de políticas afirmativas, como as cotas no ensino superior, que proporcionaram oportunidades para jovens negros, estudantes de escolas públicas e de baixa renda ingressarem na universidade pública. “Essas ações fomentaram o debate público e deram voz a intelectuais beneficiados por elas, fortalecendo a inclusão e a diversidade”, comenta.
De acordo com o relatório, apenas 4,5% dos estudantes de escolas públicas no 3º ano do ensino médio obtiveram desempenho adequado em matemática e português, enquanto nas escolas particulares essa proporção sobe para 28%.
Lázaro afirma que o desafio de ensino não é exclusivo da rede pública; é uma questão que permeia todo o sistema educacional nacional, incluindo as instituições privadas. “Mesmo as escolas mais ricas apresentam resultados insatisfatórios, quando comparados aos parâmetros internacionais do Pisa e às metas estabelecidas pela organização Todos pela Educação”, explica.
Apesar dos obstáculos, o especialista reconhece avanços históricos, como o aumento na matrícula de crianças na pré-escola e a ampliação do acesso à educação básica. Hoje, 95% das crianças ingressam na pré-escola, tanto na rede pública quanto na privada, e o total de matrículas atingiu 47 milhões, tornando o Brasil mais populoso que a Argentina nesse segmento.
“Temos um potencial enorme: o país conta com uma estrutura sólida, com distribuição de livros de qualidade, transporte escolar e merenda para os estudantes”, destaca Lázaro. Em 2024, a taxa de matrícula nos anos finais do ensino fundamental atingiu 97,6%, um avanço de 11,3 pontos percentuais em relação a 2014, enquanto a frequência em anos iniciais ficou em 93,3%, o menor índice da série histórica.
Além disso, a taxa de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio cresceu para 82,8%, indicando um aumento de quase 10 pontos em relação a 2014, quando era de 72,9%.
O professor também aponta que questões estruturais, como o financiamento da educação, o reconhecimento da diversidade cultural e a valorização dos professores, ainda precisam ser enfrentadas para que o sistema se desenvolva de forma mais equitativa.
“Problemas ligados à desvalorização da carreira docente e à baixa estabilidade contratual prejudicam o funcionamento das escolas. Hoje, quase metade dos professores nas redes estaduais trabalha com contratos temporários”, revela Lázaro, que questiona como se constrói uma unidade pedagógica nesse cenário de rotatividade.
Ele reforça que a política educacional deve valorizar as diferenças regionais, permitindo que a diversidade seja encarada como um ativo para o ambiente escolar, e não como um obstáculo à padronização.
“A busca por igualdade precisa reconhecer as particularidades de cada região, ao invés de impor uma uniformidade, como tentam fazer as diretrizes da BNCC”, conclui.