21/03/2025 10:38:43

Geral
20/02/2025 19:15:00

Como cidades brasileiras estão transformando lixo em energia

Fortaleza (CE) e Seropédica (RJ) estão apostando na conversão de resíduos orgânicos em biogás, reduzindo emissões poluentes e promovendo soluções sustentáveis. No entanto, a ampliação dessa iniciativa enfrenta desafios estruturais e regulatórios.

Como cidades brasileiras estão transformando lixo em energia

Transformando resíduos em energia limpa

Com o descarte de lixo sendo um problema persistente no Brasil, alguns estados estão adotando estratégias inovadoras para minimizar seus impactos. Desde 2018, o Ceará vem liderando essa transformação ao converter lixo em gás.

O biogás, gerado pela decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos domiciliares, é uma alternativa energética sustentável. Enquanto o chorume demanda tratamento especializado, o biogás pode ser usado diretamente para produzir eletricidade ou passar por um processo de purificação, tornando-se biometano. Esse combustível renovável pode substituir o gás natural em indústrias, estabelecimentos comerciais e até em veículos, sem necessidade de adaptações.

Em Fortaleza e Caucaia, essa iniciativa já opera em larga escala. "Diariamente, seis mil toneladas de resíduos coletados nessas cidades são processadas na usina GNR, que captura e trata o biogás gerado no Aterro Municipal Oeste de Caucaia", explica Hugo Nery, diretor-presidente da Marquise Ambiental e conselheiro da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

O modelo cearense não está sozinho. No Rio de Janeiro, a cidade de Seropédica também converte rejeitos em biogás, por meio da empresa Gás Verde. Essa companhia trata os resíduos do maior aterro sanitário da América do Sul, transformando lixo em energia renovável.

Biogás: um aliado contra as mudanças climáticas

A produção de biogás é uma solução estratégica no combate ao aquecimento global, pois reduz significativamente as emissões de metano – um gás 27 vezes mais poluente que o CO?.

Mona Lisa Moura, professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e membro da Rede de Energias Renováveis e Inovação do Estado do Ceará, destaca que o Brasil tem um enorme potencial para ampliar essa produção devido à sua vasta atividade agropecuária. "A utilização de resíduos como esterco, palha de cana-de-açúcar e matéria orgânica não só gera energia, mas também reduz impactos ambientais", afirma.

O processo de conversão do lixo em energia inicia-se nos aterros sanitários, onde a decomposição bacteriana da matéria orgânica, em ambiente anaeróbico, libera biogás. Esse gás pode ser queimado para acionar turbinas de geração elétrica ou purificado para produzir biometano.

A infraestrutura necessária para essa conversão inclui redes de dutos nos aterros, responsáveis por captar e direcionar o gás até as usinas. O biometano pode então ser distribuído pela rede de gás natural ou utilizado como combustível veicular.

"O Brasil tem uma oportunidade valiosa nesse setor, já que ainda há muitos lixões a céu aberto que poderiam ser convertidos em aterros sanitários produtivos", destaca Marcel Jorand, CEO da Gás Verde. Atualmente, a empresa opera dois aterros sanitários no Sudeste – um em Seropédica (RJ) e outro em São Paulo (SP). Apenas a unidade de Seropédica processa cerca de 10 mil toneladas de resíduos diariamente.

No Ceará, uma parceria entre o governo estadual, empresas privadas e a distribuidora de gás local viabilizou um modelo de sucesso. "Hoje, 15% do gás consumido no Ceará provém do aterro sanitário", informa Nery, da Marquise Ambiental.

A produção cearense de biometano já alcança 100 mil metros cúbicos diários e se destaca por oferecer uma alternativa energética com preços mais estáveis, menos suscetíveis às flutuações do petróleo e do dólar. Além de reduzir emissões de gases de efeito estufa, esse combustível renovável contribui para a diversificação da matriz energética brasileira.

Expansão e desafios do setor

Embora promissor, o crescimento do setor enfrenta barreiras estruturais e regulatórias. A Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás) estima que o Brasil poderia produzir mais de 120 milhões de metros cúbicos de biometano por dia, o suficiente para atender até 70% da demanda nacional de diesel.

Contudo, a viabilidade dessa tecnologia depende de fatores como coleta eficiente e separação dos resíduos, disponibilidade de matéria orgânica em larga escala e infraestrutura para escoamento do gás. "O biometano exige grandes volumes de resíduos para garantir produção em escala", ressalta Nery.

Outro desafio é a logística. Como os gasodutos estão concentrados no litoral, a instalação de usinas em cidades menores e no interior do país se torna mais difícil. "Municípios pequenos precisam se conectar a aterros regionais já existentes ou em construção, pois a implementação de soluções isoladas seria economicamente inviável", explica Pedro Maranhão, da Abrema.

O mercado ainda está em fase inicial no Brasil, mas segue uma tendência de crescimento. Em países como a Alemanha, 99% dos aterros capturam metano para geração de energia, enquanto nos Estados Unidos muitos aterros produzem eletricidade e biometano para abastecer caminhões e redes de gás.

A realidade do lixo no Brasil

Apesar de os aterros sanitários serem considerados a solução mais adequada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), apenas 58,5% dos resíduos urbanos no Brasil são destinados corretamente, segundo a Abrema. O restante acaba em lixões ou locais inadequados, agravando os impactos ambientais.

Especialistas apontam que a falta de comprometimento municipal com a destinação correta do lixo, aliada à ausência de financiamento para infraestrutura, dificulta avanços na gestão de resíduos.

A cobrança pelo serviço de coleta e tratamento de resíduos ainda não é uma realidade em muitas cidades. Enquanto contas de água, luz e telefone são pagas pelos consumidores, a gestão do lixo carece de um modelo sustentável de financiamento, limitando investimentos no setor. "Sem essa cobrança, muitas prefeituras não conseguem cobrir os custos operacionais", afirma Maranhão.

Além disso, mais de 95% do lixo coletado no Brasil ainda é descartado sem qualquer reaproveitamento. "Temos quase dois mil lixões em operação, um reflexo da falta de planejamento municipal", destaca Carlos Silva Filho, presidente honorário da International Solid Waste Association (ISWA).

A reciclagem, que poderia aliviar a sobrecarga nos aterros, enfrenta desafios financeiros, pois a matéria-prima reciclada é mais cara do que a virgem. A bitributação sobre materiais recicláveis também desestimula o setor. "Produtos reciclados pagam imposto duas vezes: primeiro quando são fabricados e depois ao retornarem ao mercado como material reciclado", explica Maranhão.

Especialistas afirmam que reverter esse cenário exige planejamento e investimentos. Um estudo do Instituto Brasileiro de Resíduos Sólidos estima que seriam necessários R$ 60 bilhões para cumprir as metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que previa o fim dos lixões até 2024 e a recuperação de 20% dos recicláveis secos até 2040. No entanto, ainda não há uma fonte de financiamento definida para viabilizar essa estrutura.

Silva Filho reforça o potencial do setor de resíduos sólidos na mitigação das emissões globais. Além de reduzir sua própria pegada de carbono, ele pode contribuir para outros setores ao substituir combustíveis fósseis e matérias-primas virgens. "Fechar os lixões e melhorar a gestão dos resíduos são passos fundamentais para combater o aquecimento global", conclui.



Enquete
Você acreedita que Bolsonaro armou um golpe de estado?
Total de votos: 80
Google News