A nimesulida, conhecida por tratar dor, febre e inflamação, se destaca como um dos anti-inflamatórios mais populares no Brasil. Mas, em outros países, sua história é bem diferente: enquanto aqui o medicamento ocupa a terceira posição entre os mais vendidos, atrás apenas de losartana e metformina, nos Estados Unidos e em parte da Europa, ele foi retirado do mercado devido ao risco de sérios efeitos colaterais.
A popularidade do medicamento, que faturou mais de R$ 891 milhões em 2024, contrasta com a proibição em lugares como Estados Unidos, Canadá, Japão, Espanha e Irlanda. Mas, afinal, por que a nimesulida é tão bem aceita em alguns países e proibida em outros?
Segundo a farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, a nimesulida pertence ao grupo dos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), que reduzem a produção de substâncias responsáveis por inflamação, dor e febre. O medicamento age bloqueando a enzima ciclooxigenase (COX), o que inibe a formação de prostaglandinas, compostos que contribuem para a inflamação.
Graças a essa ação tripla — anti-inflamatória, analgésica e antipirética — a nimesulida é indicada para uma ampla gama de condições no Brasil. No entanto, em outros países onde ainda é aprovada, seu uso é mais restrito e direcionado a casos específicos de dor aguda e cólica menstrual, e apenas quando outros tratamentos não funcionam.
Embora seja eficaz no alívio de sintomas, especialistas alertam que o uso prolongado ou excessivo da nimesulida pode trazer riscos para o fígado, estômago, rins e coração.
O hepatologista Raymundo Paraná ressalta que há um exagero no uso de anti-inflamatórios no Brasil. "Muitos pacientes os utilizam de forma contínua, mesmo quando outros analgésicos mais simples e seguros poderiam resolver o problema", explica.
A prostaglandina, inibida pelos anti-inflamatórios, tem uma função protetora no organismo, especialmente no estômago. Sem ela, aumenta o risco de gastrite, úlceras e até hemorragias. Além disso, o uso prolongado pode causar danos no fígado, especialmente após 15 dias de tratamento, com alguns casos de complicações hepáticas surgindo já nos primeiros dias de uso.
Paraná faz parte de um grupo de pesquisadores que analisa lesões hepáticas induzidas por medicamentos na América Latina. Em uma análise de casos registrados na última década, a nimesulida foi apontada como uma das substâncias que mais causam complicações no fígado.
Entre os efeitos colaterais mais comuns (ocorrendo em mais de 10% dos casos) estão diarreia, náusea e vômito. Já as reações menos frequentes incluem gastrite, tontura, coceira e aumento da pressão arterial. Em casos raros, o uso pode levar a problemas mais graves, como anemia, hemorragia e dermatite.
A decisão de retirar a nimesulida de circulação em países como Irlanda foi motivada por casos de insuficiência hepática grave. Entre 1995 e 2007, o Conselho Irlandês de Medicamentos registrou 53 episódios de lesões hepáticas relacionadas ao uso do medicamento, o que levou à suspensão imediata da venda.
Após essa decisão, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) realizou uma investigação mais ampla e concluiu que os benefícios da nimesulida superam os riscos — mas restringiu seu uso a situações específicas. Hoje, na União Europeia, o remédio só é indicado para dor aguda e dismenorreia, como segunda opção terapêutica.
A farmacêutica Laura Marise explica que fatores genéticos podem influenciar a resposta ao medicamento. "Algumas pessoas têm um perfil genético que favorece a toxicidade, enquanto outras respondem melhor ao tratamento", observa. Isso pode justificar por que a nimesulida é mais segura em alguns contextos populacionais.
Mesmo assim, especialistas como Raymundo Paraná defendem uma revisão das regras de prescrição e venda desse medicamento no Brasil. "É necessário limitar a venda a caixas menores e exigir receita médica para evitar o uso indiscriminado", sugere o médico, acrescentando a importância de programas de educação para médicos e pacientes.
A recomendação dos especialistas é clara: a nimesulida deve ser usada apenas sob orientação médica e pelo menor tempo possível. O uso prolongado ou repetido aumenta o risco de complicações graves.
Se você precisa tomar um anti-inflamatório, converse com seu médico para avaliar as opções mais seguras e nunca combine medicamentos sem orientação. Além disso, evite consumir álcool durante o uso da nimesulida para não sobrecarregar ainda mais o fígado.
O alerta final é o de sempre observar o próprio corpo. "Se a dor for recorrente ou persistente, vale investigar a causa em vez de apenas aliviar os sintomas com medicação", conclui Marise.