Uma pesquisa do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz) revelou a existência de profundas desigualdades no acesso ao parto hospitalar no Brasil. O estudo mapeou 6,9 milhões de partos realizados em dois períodos distintos: 2010-2011 e 2018-2019, destacando o aumento das distâncias e do tempo de viagem que as gestantes precisam enfrentar para dar à luz em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS).
No biênio 2018-2019, uma em cada quatro mulheres (27,3%) precisou se deslocar para outro município a fim de realizar o parto, um aumento em relação ao período de 2010-2011, quando o percentual era de 23,6%. A distância média percorrida subiu de 54 km para 70,8 km, enquanto o tempo médio de viagem aumentou de 63,1 minutos para 84,3 minutos.
O estudo mostrou que as desigualdades são mais acentuadas em algumas regiões do país. As gestantes do Norte enfrentam as maiores dificuldades, com deslocamentos de até 133,4 km e viagens que duram, em média, 355 minutos. Em seguida, vêm as regiões Centro-Oeste (104,4 km e 95 minutos), Nordeste (68,6 km e 65 minutos), Sudeste (55,9 km e 52 minutos) e Sul (54,8 km e 52 minutos).
Bruna Fonseca, coordenadora do estudo, destacou os desafios para garantir acesso adequado a uma rede obstétrica regionalizada. Segundo ela, embora algumas políticas tentem reduzir a distância de viagem, não existem referências claras sobre o que seria uma distância ou tempo aceitável para o deslocamento das gestantes.
O estudo também revelou uma relação preocupante entre maiores distâncias percorridas e desfechos adversos, como óbito materno e/ou neonatal. Mulheres que tiveram complicações no parto viajaram, em média, 94 km e demoraram 100,9 minutos para chegar ao hospital, enquanto aquelas que tiveram resultados normais percorreram 74,9 km em 85 minutos.
Bruna Fonseca ressaltou que, embora a distância e o tempo de viagem sejam fatores de risco, outras variáveis, como o estado de saúde da gestante, a infraestrutura hospitalar e o acesso ao pré-natal, também precisam ser analisadas. "Estudos futuros devem usar técnicas multivariadas para entender como esses fatores combinados afetam os resultados maternos e neonatais", afirmou.
O estudo apontou que a regulamentação atual estabelece uma proporção de 0,28 leito obstétrico para cada mil habitantes dependentes do SUS, mas essa distribuição não considera as diferenças regionais em taxas de fecundidade e práticas de parto hospitalar ou domiciliar. Os pesquisadores recomendam que as políticas públicas levem em conta essas diferenças para oferecer um atendimento mais equitativo e acessível.
A pesquisa, realizada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), reforça a importância de criar estratégias que reduzam as desigualdades regionais e garantam maior segurança para mães e bebês em todo o país.