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jessica vasconcelos
Você já pensou em processar sua vizinha por que ela a chamou de
fofoqueira? Brigar na justiça por uma divida de R$ 30? Já imaginou pedir o
divórcio e exigir o CD do cantor Michael Jackson? Esses são alguns dos 35 mil
processos que até outubro tramitaram na Justiça e emperraram o Poder Judiciário
com pequenas causas que poderiam ser resolvidas na base da conciliação, mas que
acabam movimentando todo o sistema.
Segundo o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), dos 35 mil
processos, 28 mil são da área cível enquanto 7 mil, da criminal.
No Município de Presidente Figueiredo (a 107 quilômetros de
Manaus), a atividade de prestamista (vendedor de utensílios casa a casa) ainda
é muito praticada. Nessa atividade, o vendedor anda pelas ruas oferecendo seus
produtos. O peculiar nesse profissão é o prazo dado para pagamento que, em
alguns casos, é parcelado por vários meses. Em uma dessas vendas, um
prestamista local não recebeu o valor de R$ 30 de um cliente e entrou na
Justiça para recuperar o dinheiro.
Em outro processo, numa briga entre vizinhas foi dado entrada num
processo de pedido de indenização porque uma das partes chamou a outra de
fofoqueira. O caso foi parar nos tribunais. Enquanto isso, as vizinhas pararam
de conversar entre elas.
Durante uma separação litigiosa do casal, uma mulher exigiu na
partilha de bens o CD do já falecido astro Michael Jackson. A briga pelo CD foi
tanta que o processo de separação foi conflituoso. E, por enquanto, o CD ainda
está sem dono.
As pequenas confusões que atrapalham o Judiciário são tantas que o
juiz da 10º Vara de Família, Manoel Amaro de Lima, foi convidado para o
casamento de um casal quando realizava a audiência de conciliação no processo
de divórcio.
De acordo com o juiz, um casal que chegou muito preocupado para a
audiência ficaram ainda mais ansiosos quando encontraram o juiz. Quando os
debates iniciaram, a tensão foi aumentando. Logo depois de conversar, as partes
perceberam que não era nada do que eles pensavam. Aí, começaram as
brincadeiras.
Todos mais tranquilos, resolveram transformar o litígio em
consensual, pois estavam casados há mais de 20 anos. “Durante a conversa eles
disseram que estavam pensando em namorar e quem sabe até casar novamente, e
que, se isso acontecesse, não iriam esquecer de nos convidar”, lembrou o juiz.
O desembargador Yedo Simões, corregedor do TJ-AM, ressalta que
ações como essa são movidas principalmente no momento de raiva e que por isso a
conciliação é o melhor caminho para resolver essas questões que entulham o
poder judiciário.
Judiciário vê solução em conciliação
A 8º Semana Nacional de Conciliação que inicia amanhã e vai até o
dia 6 de dezembro contará com a participação de 1,2 mil funcionários, entre
juízes, servidores e estagiários da Justiça Estadual dos tribunais de todo o
País, que já realizam conciliações antecipadas.
A meta é ultrapassar o número de acordos homologados de 2012 que
foi de 16.727 processos.
Segundo o Tribunal de Justiça do Amazonas, a cada ano são
registrados 20 milhões de novos processos no Brasil e é impossível o judiciário
julgar tudo isso. Por isso que a conciliação é o meio mais rápido para reduzir
esse número. “Temos hoje no Amazonas uma redução considerável devido aos mutirões
que o TJ-AM realiza”, afirmou juiz Luís Cláudio Chaves.
De acordo com o TJ, o fortalecimento da cultura da conciliação é
uma das saídas para a redução de processos no Judiciário brasileiro. Cerca de
65% das ações judiciais cíveis no País discutem valores que não chegam a R$ 1
mil, mas cada processo custa, em média, R$ 1,3 mil aos cofres públicos.
‘Prefeitura transfere papel à Justiça’
Corregedor de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas,
desembargador Yedo Simões disse que as maiores demandas são provenientes do
poder público.
Apesar dos casos curiosos ajudarem a aumentar a lista dos
processos na Justiça, o maior problema não são eles, mas os gerados pelo
próprio poder público, disse o corregedor-geral do Tribunal de Justiça do
Amazonas, o desembargador Iedo Simões, o magistrado do TJ-AM que coordena, os
mutirões de conciliação, criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Nesta
entrevista, ele fala disse e das medidas que Poder Judiciário tem tomado para
evitar que os processos se acumulem. Confira a seguir a entrevista que o
magistrado concedeu para A CRÍTICA.
Qual o maior gargalo do Poder Judiciário hoje?
São as cobranças feitas pelo Município e Estado das divida ativas.
No Município, as pessoas não pagam o IPTU, por exemplo, e isso fica acumulado nas
prefeituras e, antes que se prescreva em 5 anos, o município pega todos os
impostos não pagos e joga para o Poder Judiciário, ou seja, transfere para o
Judiciário o papel de cobrador. Esse processo, quando chegar no Judiciário
passa por toda a norma processual. É preciso chamar as partes, oferecer direito
de defesa por conta disso em alguns casos os processos permanecem no sistema 5,
6 anos, as vezes até mais sem solução.
O que está sendo feito para que esses processos não se acumulem?
Yedo Simões - A Corregedoria do Tribunal baixou provimento no
sentido que dívida ativa não mais ingresse no Poder Judiciário e vá para os
cartórios de protesto porque muitas vezes as pessoas não pagam porque não sabem
que devem. A partir de agora, o que as prefeituras e o Estado estão fazendo é
enviar para os cartórios o protesto e então fica a cargo do cartório informar
as pessoas que têm aquela divida para pagar.
Quanto custa para o Judiciário um processo?
O custo de processo é muito difícil dizer, mas é muito caro, pois
movimenta todo o Judiciário já que é preciso enviar intimação, notificar as
pessoas com prazo suficiente para eles comparecerem em juízo, isso sem falar
quando o oficial não encontra o endereço. Além, disso, existe o custo social
porque a pessoa se desloca para nossa unidade judiciária. Em alguns casos sem
condições de pagar nem a passagem de ônibus e não consegue resolver sua
situação por conta da burocracia. Um documento chamado R digital, que é a
intimação enviada pelo correio custa R$ 9. Se o judiciário for intimar cada
pessoa dos 200 mil processos de divida ativa por R-digital, isso vai custar R$
1,8 milhão.