dr.marcomota //
Semana passada estive participando do Congresso Brasileiro de Hipertensão na cidade de Ribeirão Preto. A cardiologia foi bastante discutida, e momentos de atualizações foram vivenciados. No entanto, o ponto alto desse evento foi a presença do escritor e teatrólogo paraibano Ariano Suassuna.
Resolvi registrar esse fato porque durante as duas maravilhosas apresentações que proferiu para o público presente fez questão de dizer que não ia morrer nunca, embora não tivesse medo da morte, desde que ela viesse como uma amante formosa e inteligente.
Ontem seu velho e longevo coração (já com 86 anos) lhe
pregou um susto e, embora toda imprensa tenha afirmado que ele está em boas
condições de saúde, um diagnóstico de enfarte a essa altura da vida pode levar
o paraibano/pernambucano a refletir sobre essa amante formosa.
Dentre suas histórias, contadas sempre com muito humor, uma delas me deliciou bastante. Contou-nos o seguinte: não gostar muito de viajar de avião porque essa maneira de viajar é sempre tediosa ou pode ser fatal, e a gente ainda reza para que seja tediosa. A essa altura da vida ele disse que o cansaço já é real e sempre que está de pé da vontade de sentar e quando senta vem logo a vontade de deitar.
Recentemente no aeroporto de Brasília, enquanto esperava uma conexão, resolveu deitar-se. Para que os passantes não imaginassem que estava doente abriu um livro e fingiu ler. Nisso, se aproximou um daqueles seguranças e o interpelou dizendo: “o senhor não pode deitar aqui nesse lugar”. Ele olhou para o indivíduo e questionou: “por que não posso me deitar aqui?”. O segurança respondeu: “não sei, mas vou procurar o meu chefe”. Ele permaneceu deitado fingindo que lia o livro. Tempos depois eis que chegam o segurança e o chefe. Ao invés de dizer o motivo da proibição, o chefe olhou com certo desdém e falou: ”deixa esse velho para lá”.
Ariano disse que pela primeira vez resolveu dar uma
“carteirada”. Levantou-se e falou para os dois: ”vocês sabem quem é esse velho?”.
Sou Ariano Suassuna, autor do Auto da
Compadecida. Ambos ficaram perplexos, e um deles falou: “ foi um dos melhores
filmes que já assisti, apenas perdeu para Tropa de Elite. Podia ter ficado no primeiro
comentário.
Depois de ouvir a notícia de que ele sofreu um enfarte
fiquei refletindo sobre o que afirmou várias vezes: tinha certeza de que não
morreria nunca. Agora, embora triste e preocupado com o acontecido, estou
totalmente convencido de sua imortalidade. Homens como Ariano Suassuna não
morrem porque as suas obras não passam pela vida como passa a nossa vida de
cidadão comum. Ariano vai vencer o enfarte com certeza, embora a amante formosa
um dia também irá se interessar por ele.
No entanto, ela vai no máximo nos privar de seu adorável convívio físico, porque
as suas histórias, a sua vida, os seus amores e a sua arte têm a imortalidade
registrada na cultura do povo brasileiro.
Marco
Mota
É
médico cardiologista
E-mail:
mota-gomes@uol.com.br