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gabriela flores
O momento da descoberta de uma gravidez para a maioria das mulheres é mágico. Significa a realização de um sonho. Mas, para algumas delas essa felicidade se dilui quando em meio aos exames de rotina vem o diagnóstico positivo para o HIV, o Vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Daí por diante a vida dessa gestante nunca mais será a mesma. Em Alagoas, dados revelam que em média 0,2% das mulheres gestantes são mensalmente diagnosticadas com HIV.
O período de infecção pelo vírus do HIV pode levar cerca 11 anos até que sejam
apresentados os sintomas . No teste para soropositividade é quando se detecta a presença dos anticorpos, mas isso não quer dizer que a pessoas esteja com Aids.
A Aids é provocada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Esse vírus ataca o sistema nervoso e provoca a infecção das células do sistema imunológico, que são as que fazem a defesa do corpo.
Uma vez identificada a doença é preciso iniciar imediatamente o tratamento. Segundo o ginecologista-obstetra, especializado em atendimento a gestantes com doenças infecto-contagiosas Édson Ataíde, “a gestante deve tomar uma medicação específica durante o pré-natal. Os remédios são necessários para reduzir a carga viral. O tratamento é simples, é um coquetel de drogas milagrosas que consegue reduzir para menos de 1% a transmissão do vírus da mãe para o bebe”.
“Seguramente a gravidez não é o melhor momento para o diagnóstico de soropositivo. Esse diagnóstico surpreende e amedronta todas as pessoas. No pré –natal essa também não é uma boa notícia. Mas muitas vezes a própria gravidez as ajuda a superar o momento”, pontuou o obstetra.
O pré-natal de uma gestante soropositva é igual ao de qualquer outra grávida. A única diferença é que elas devem fazer uso de medicamentos específicos. Isso na parte clínica, mas para dar um suporte emocional, as unidades de saúde pública, como a Maternidade Escola Santa Mônica, o Hospital Universitário e a Maternidade Nossa Senhora da Guia, possuem equipes multiprofissionais com assistentes sociais e psicólogos.
Uma das preocupações das gestantes com HIV é a hora do parto. Segundo o obstetra “o parto natural é muito imprevisível. Qualquer mudança na movimentação do feto pode gerar uma cesariana de emergência e isso não é recomendado porque às vezes a bolsa se rompe e o feto fica muito exposto às secreções maternas. A opção pelo parto cesariana é recomendada para evitar surpresas”, falou Édson Ataíde.
Após o parto, quando a mãe é soropositiva, a criança já começa a tomar o AZT ou antiretroviral. O medicamento em forma de xarope deve ser tomado durante 45 dias. Outra recomendação é para que as mães com HIV não amamentem uma vez que comprovadamente o leite materno possui uma alta carga viral do vírus do HIV e por isso deve ser evitado uma vez que é grande o risco de contaminação do bebê. Para minimizar o mal estar as gestantes já na maternidade recebem um medicamento para inibir a lactação, evitar o desconforto na mama, a formação de abscessos e outras intercorrências.
Se a futura mãe não fizer nenhum tratamento a possibilidade de transmissão para o feto é de 26%. Quando ela faz o pré natal e toma os medicamentos, faz cesareana eletiva e o bebê toma os medicamentos após o parto essas chances de transmissão caem para menos de 1%.
“Esses cuidados são milagrosos e tem estimulado a fazer esse trabalho e nos emociona ver quando as mães vêm e trazem seus filhos saudáveis livres de HIV”, destacou Édson.
Após o nascimento, o bebê passa a tomar o medicamento uma vez que ele é exposto às secreções da mãe. Três meses após o nascimento o pediatra avalia a carga viral para ver se ele é portador do vírus do HIV. Esse diagnóstico é emitido com segurança após 1 ano e meio.
“Inicialmente o poder público teve uma grande responsabilidade quando divulgou e encontrou os melhores médicos para efetuar o tratamento. Acho que essa informação está diluída também junto à família e à escola. Todo o contexto é responsável. Quanto mais informação tivermos sobre qualquer doença muito melhor será para todos nós. A família e a sociedade devem sim estar inseridas nesse processo”, disse Édson Ataíde.
Dados apontam que vem aumentando o número de mulheres e jovens infectados com Aids em Maceió. Segundo a coordenadora do programa DST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria de Saúde de Maceió, Sandra Cristina Gomes ,“numa série histórica, de 1986 a junho de 2013, Maceió registrou até agora 2.800 casos de Aids”.
O teste de HIV pode ser feito gratuitamente em todas as unidades de saúde do município de Maceió. “As unidades que já iniciaram com a metodologia do teste rápido são a João Paulo II; Frei Damião; Canaã; Fernão Velho; Pam Bebedouro, Aliomar Lins e Bloco I do Pam Salgadinho”, informou a coordenadora do programa DST/Aids e Hepatites Virais.
Caso haja a confirmação para o teste de HIV, o resultado é entregue durante o aconselhamento pós-teste. A equipe do Serviço de Ambulatório Especializado (SAE) do Pam Salgadinho conta com uma equipe composta por médicos, infectologistas, ginecologistas, obstetras, dermatologistas, pediatra, psicólogos, assistentes sociais, nutricionista, enfermeiras, odontólogos, auxiliares e técnicos de enfermagem, todos capacitados para tratar as pacientes soroposithivas destacou Sandra Gomes.
A médica infectologista Mardjane Lemos, do Hospital Escola Helvio Auto (HEHA), comentou que é grande a frequência de grávidas infectadas pelo vírus HIV. Dados colhidos na unidade hospitalar revelam que em 2013 foram identificadas 15 gestantes diagnosticadas com a doença, sendo nove da capital e seis do interior.
Entre as mães que fazem o uso da medicação durante a gravidez, “houve uma alta redução de número de bebês contaminados”, apontou a infectologista. Porém, mesmo com a redução de índices de contaminação entre as crianças com idade até 13 anos, de 2007 até 2013 foram identificados 66 novos casos, sendo 50% de pacientes da capital e 50% dos pacientes oriundos do interior do estado”, revelou a médica.
Mardejane pontuou ainda que “é muito difícil tratar as crianças. Os adolescentes por sua vez, devido à sexualidade e à mudança hormonal relutam bastante em ter relações com preservativos e também em tomar remédios para toda a vida”.
O tratamento tanto para jovens como adultos segue um protocolo ministerial que vai de acordo com a faixa etária e com a carga viral de cada paciente. As medicações para o controle do HIV são fornecidas pelo Ministério da Saúde, no caso dos anti-retrovirais. A Secretaria Estadual de Saúde fornece a medicação para as infecções oportunistas e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Essas medicações se fazem necessárias uma vez que “várias são as doenças oportunistas num paciente com Aids, a exemplo de tuberculose, pneumonia, toxoplasmose”, reforça Sandra Gomes.
Quanto às ações educativas feitas pelo poder público a enfermeira e a médica do HEHA foram enfáticas em destacar que as campanhas atuais com mutirões de testagens não são educativas. “Precisa ser melhorada é a rede de atenção. Fazer testagem não garante atendimento e é isso o que está faltando”, falaram as profissionais.
Apesar do aumento de casos de pessoas infectadas a coordenadora do Programa de DST/Aids lembra que “as ações de prevenção são divulgadas e executadas rotineiramente em todas as unidades de saúde, escolas, Ong/Ais e empresas parceiras. O apoio da mídia espontânea nos meios de comunicação também muito nos auxilia”, destacou.
Saudável e prazeroso o sexo seguro é a garantia da saúde e da qualidade de vida. Por isso, a recomendação é que se faça o uso constante de preservativos. Todas as unidades de saúde dispõem e distribuem gratuitamente preservativos masculinos e femininos para a população em geral.
Usuários de drogas injetáveis não devem compartilhar seringas e mães soroposithivas ou com Aids não devem amamentar. Esses cuidados básicos podem sim salvar muitas vidas.
Medo, revolta e vontade de desaparecer. Esse foi o pensamento inicial que passou pela cabeça da coordenadora do movimento Cidadãs Posithivas, Maria das Dores da Silva, após receber o resultado do exame que confirmava que ela era portadora do HIV . “Quando descobri que era soropositiva, em 2004, fiquei um ano em casa. Não sei com quem me infectei. Só sei que foi em uma relação sexual sem uso de preservativo. Com medo eu queria me esconder de todos e principalmente da minha família”, desabafou.
No auge do desespero Maria revelou que tentou até tirar a própria vida. “Eu achava que era a única pessoa que tinha a doença e que ia morrer em seis meses. Coloquei na cabeça que não ia ver meus filhos crescer ou minha família. Chorei muito e me guardei pois achei que ninguém me entenderia”, disse emocionada.
Depois de muito pensar Maria das Dores se tomou de coragem e resolveu contar à família que era soropositiva. Daquele dia ela recorda que “o momento foi muito doloroso, mas também encontrei muito apoio. Todos precisaram entender que eu ia viver apesar de ter HIV”.
Fortalecida com o apoio familiar, Maria decidiu sim continuar com o tratamento. Quando estava realizando consultas de rotina foi convidada a participar do grupo Cidadãs Posithivas. “Pensei muito e decidi que não ia deixar de participar de nada. Tinha chegado a hora de conhecer outras pessoas com o mesmo problema que eu. Eu achava que era a única em Maceió e ao me deparar com a primeira reunião encontrei outras 40 pessoas que estavam passando pelo mesmo processo”, lembrou Maria.
Com o passar dos anos e os avanços da Medicina, o tratamento para quem tem HIV está cada vez mais moderno. No início dos anos 80, quando houve o estouro da Aids no mundo as pessoas detectadas com o vírus tomavam uma média de 10 a 15 comprimidos diariamente. Hoje Maria das Dores comenta que toma três medicamentos, mas que já tomou muito mais.
Os efeitos colaterais variam em cada indivíduo. Maria comenta que no início os pacientes tem crises de vomito, diarréia e muitas dores. Mas destaca otimista que “com o tempo esses sintomas passam. Tudo se supera”.
Um fantasma que todos os pacientes portadores de HIV enfrentam é a lipodistrofia. Como os remédios são carregados de uma alta dosagem de drogas as reações aparecem no corpo. A massa muscular do braço e das nádegas desaparece e os seios e a barriga crescem demasiadamente.
“Estou ficando com os braços finos e sentindo umas mudanças no meu corpo que não me agradam”, revelou Maria.
Otimista e com um brilho único no olhar Maria das Dores diz que fora a medicação e os exames periódicos nada mudou. “O que mudou foi a bendita camisinha. Na hora de ter uma relação sexual homem nenhum quer usar. Quando você pede para usar eles logo perguntam o que é que você tem? Fora isso nada mudou. Acredito sim que a sociedade tem que se policiar e ver que somos normais. Não deixamos de trabalhar, namorar e viver. Temos uma qualidade de vida um pouco diferente mas fazemos tudo igual aos outros”, disparou Maria.
“Viver com HIV não é difícil. Não admito ninguém me chamar de coitadinha da Aids ou do HIV. Não quero a pena de ninguém. Não tenho medo de morrer. Quando chegar a minha hora tudo bem”, pontuou Maria das Dores.
Ainda um pouco assustada com a nova realidade, a dona de casa L. descobriu na gestação que estava com HIV. Ela diz que contraiu o vírus em uma relação sexual. “Não sei se eu o infectei o meu marido ou se ele me infectou”, destacou a dona de casa que prefere não se identificar.
No primeiro momento quando veio a constatação do laudo positivo “chorei muito pensando que meu filho poderia ter a doença também. “Mas depois de um ano e meio de exames constantes e medicação ele não tem nada”.
L. e seu esposo enfrentam essa situação silenciosamente. Ela disse que não pode contar à família porque sabe que haverá muito preconceito da parte deles. Já alguns parentes do marido sabem que os dois são soropositivos. Mas tudo é muito escondido.
O casal já faz o uso de medicamentos. Ela sente muitos efeitos colaterais e o esposo, que depois de se recusar a aceitar que era portador do vírus do HIV, começou a se medicar esta semana e está passando muito mal. “Ele não conseguiu ir ao trabalho e isso é preocupante também”, declarou a dona de casa.
Mãe de dois filhos, um de 9 anos e outro de apenas um ano e meio, a dona de casa fez questão de lembrar que “as pessoas precisam se informar. Se chegar na casa de alguém que tem HIV você não vai pegar o vírus no ar. Há muito preconceito mas é preciso que haja mais respeito e conhecimento sobre a doença. Fora isso meu sonho é viver muito para ver meus filhos crescer”.
As reuniões das Cidadãs Posithivas acontecem quinzenalmente. Psicólogos e técnicos das Secretarias de Saúde estadual e municipal também participam dos encontros. Atualmente no cadastro há 25 mulheres. As integrantes sabem que há sigilo total e todas ficam cientes de uma carta de princípios para não se falar publicamente sobre o que acontece na reunião. Maria das Dores destaca que isso “é para nosso bem estar. É para não viver com medo. A vida é muito boa e muito bela”. O Movimento Cidadãs Posithivas se reúne na rua Albino Magalhães Nº 162. No bairro do Farol.
Como a maioria das mulheres que participa do grupo é de famílias carentes e devido aos efeitos do tratamento e até ao preconceito muitas delas não podem manter seus empregos, o Movimento está aberto à doação de cestas básicas. Os interessados em ajudar os alimentos podem deixar no local das reuniões.
A enfermeira do HEHA, Lygia Antas, revelou também que a maioria dos pacientes atendidos no Hospital é de origem humilde e muitos deles passam necessidades. “Recebemos doações de cestas básicas. Por isso solicitamos às pessoas que queiram ajudar o envio de alimentos”, pediu a enfermeira.
O Hospital Helvio Auto fica situado na Rua Cônego Fernando Lyra, S/N, no Trapiche da Barra.