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A expectativa da sociedade após um crime é de que ele seja julgado. Nos casos de homicídio, esse sentimento é ainda maior, já que cabe ao próprio cidadão, através do Tribunal do Júri, decidir quem é culpado ou inocente. Em Alagoas, não é em todas as cidades que essa vem sendo a regra. Um levantamento que está sendo feito pelo Tribunal de Justiça mostra dados preocupantes: há comarca no interior que está há 12 anos sem realizar julgamento de acusados de assassinato.
O levantamento relativo ao cumprimento de metas do Judiciário alagoano está sendo feito pelo desembargador Otávio Praxedes, designado para fazer o estudo para o Conselho Nacional de Justiça. Na sessão plenária da última terça-feira (11), o magistrado apresentou dados parciais da pesquisa em tom de preocupação. O problema grave, disse ele, é que há comarcas do interior que não estavam julgando processos de homicídios.
Praxedes citou como a situação mais complicada a cidade de Murici, que está há 12 anos sem realizar um júri sequer. "E não é por falta de processos. Constatamos que há 28 casos prontos para serem julgados pelo Tribunal do Júri. A Comarca de Capela está há três anos sem realizar um julgamento de homicídio. Em outras cidades, como Atalaia e Batalha, a situação também está complicada. Vamos continuar esse levantamento no Sertão, para ver se a situação lá é diferente", disse o desembargador.
Impunidade
Os números deixaram os integrantes do TJ preocupados e o presidente em exercício, Tutmés Airan, foi enfático: "É preciso que essa situação seja sanada para que a sociedade desses municípios não sinta a sensação de impunidade". Os desembargadores concordaram com a declaração de Tutmés, ressaltando que a população municipal toma conhecimento do homicídio, mas nunca vê a notícia de que o responsável está sendo julgado.
Outra situação que preocupa os desembargadores é o grande número de pedidos de desaforamento (transferência de julgamentos para outra cidade) feitos pelos juízes do interior. Os pedidos são os mais variados, desde uma possível falta de imparcialidade por parte dos jurados até a falta de um local para realizar a sessão. "Não quero acreditar que os magistrados não estejam querendo julgar homicídios, até mesmo porque todos fizeram concurso público para conduzir e julgar qualquer processo", disse o desembargador Fernando Tourinho.
Diante da discussão, o corregedor do TJ, desembargador Alcides Gusmão, ressaltou que o órgão está pronto para instaurar procedimento administrativo em qualquer caso em que ficar evidenciada a desídia por parte de magistrados.
Falta defesa
A reportagem do TNH1 tentou contato com os juízes das comarcas que estão há anos sem realizar julgamentos, mas conseguiu conversar apenas com o juiz Odilon Marques Luz, da cidade de Capela. Segundo ele, há um problema crucial que impede a realização de júris: a falta de advogados e defensores públicos no município.
“Eu já marquei júris três vezes, e eles não foram realizados por falta de advogado. Não há defensoria pública aqui. Agora, mandei processos para a Defensoria Pública de Maceió para designarem um defensor público e poder fazer o julgamento”, explicou.
O magistrado disse que assumiu a comarca há dois anos e que Capela passou cinco anos sem um juiz titular. Nesse período, seis juízes substitutos teriam passado pela cidade.
Almagis
O TNH1 também entrevistou o presidente da Associação dos Magistrados Alagoanos, Pedro Ivens Simões de França, para que falasse sobre a falta de julgamentos de crimes de homicídios no interior de Alagoas. Veja abaixo as respostas do juiz às perguntas encaminhadas para ele por e-mail:
TNH1 - Acompanhamos semanalmente as sessões do pleno do TJ e constatamos sucessivos pedidos de desaforamento feitos por magistrados de comarcas do interior e que estão sendo recusados pelo plenário, já que a maioria alega falta de estrutura para realizar o julgamento. Nas discussões, desembargadores chegam a dizer que parece que há juízes do interior que não querem fazer júris. Como a Almagis vê essa situação?
Pedro Ivens - Os pedidos de desaforamento são feitos pelos magistrados de ofício ou quando provocados e fundamentados em razão da falta de isenção do corpo de jurados da comarca, ante a uma possível pressão que possam receber em face da gravidade do crime; da influência dos réus ou de familiares tanto do réu quanto da vítima; por falta de segurança; estrutura mínima, dentre outras razões. Cabe ao Pleno do TJ, ao analisar a fundamentação, ouvido o Ministério Público, atender ou não o pedido formulado. Opiniões de que há juízes que não querem realizar júris, tem caráter eminentemente subjetivo. Não tenho dados precisos, mas posso afirmar que é mínimo o percentual de pedidos de desaforamento diante da quantidade de comarcas e varas com competência para os crimes da alçada do Tribunal do júri.
TNH1 - Na sessão da última terça, o desembargador Otávio Praxedes informou ao Pleno que está fazendo um levantamento das metas 3 e 4 do CNJ e que constatou situações alarmantes. Cidades como Murici (há 12 anos), Capela (há 3 anos) sem realizar um júri, e não é por falta de processos por crimes dolosos contra a vida. Citou ainda cidades como Atalaia e Batalha, que também estão há muito tempo sem sessões do júri. O desembargador Tutmés Airan disse que isso leva a população a sentir sensação de impunidade, já que não vê seus réus julgados pela sociedade. Como resolver essa situação?
Pedro Ivens - O desembargador Otávio Praxedes vem desenvolvendo um excelente trabalho como gestor das metas 3 e 4 do CNJ, todavia vale ressaltar que essas são duas das dezenas de metas que os magistrados têm que cumprir, e essas comarcas citadas têm competência geral, ou seja, criminal e cível e de reconhecida carência de pessoal. Não conheço precisamente os motivos que levaram a não realização de júris por um período amplo em algumas comarcas, e tal fato merece uma consulta aos magistrados titulares, pois em alguns casos há juízes que não respondem por todo o período apontado pelo Des. Praxedes. No tocante à atribuição da ausência de júris à sensação de impunidade que atinge a população, considero que os reais fatores responsáveis por esse sentimento são outros, não podendo ser atribuído aos juízes de primeiro grau. Deveriam o STF, CNJ e os Tribunais Estaduais, e mais precisamente o de Alagoas, voltar seus olhos para o primeiro grau, que é a porta de entrada do cidadão para reclamar seus direitos, dando-lhe condições plenas de prestar jurisdição.
TNH1 - Uma crítica dos desembargadores é de que os pedidos de desaforamento podem levar a um sobrecarga de trabalho ainda maior para os juízes de Maceió, para onde são desaforados os julgamentos. Como a Almagis vê essa crítica?
Pedro Ivens - Quanto à sobrecarga na capital em razão dos desaforamentos, trata-se uma questão de organização judiciária. Dotar a capital de mais varas de competência privativa do júri ou transformar as existentes em varas para exclusivamente realizar júris, criando juízos de instrução, talvez fosse a solução. O Pleno do TJ pode, também, determinar a realização do Júri em outra comarca que não seja a capital, basta que essa outra Comarca detenha a estrutura e isenção necessária à realização do júri desaforado.
TNH1 - Durante a discussão, o corregedor Alcides Gusmão disse que a Corregedoria está pronta para apurar possíveis casos de desídia funcional por parte dos juízes do interior, caso o tribunal a constate. Está havendo desídia ou desinteresse dos magistrados neste tipo de julgamento?
Pedro Ivens - Cabe à Corregedoria apurar, em havendo indícios razoáveis, as eventuais faltas funcionais de magistrados. Em razão das discussões havidas no plenário, não se pode atribuir desídia ou falta de interesse dos magistrados no cumprimento desta ou de outras metas, pois temos que levar em consideração outros fatores que possam ter contribuído com esse estado de coisas. Antes de punir, cabe ao corregedor orientar os magistrados e buscar, como órgão de fiscalização estar ao lado dos juízes, garantindo uma melhor estrutura de trabalho. A partir daí se legitima a, caso a caso, exigir a excelência da prestação jurisdicional.