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michelle farias
A filha disse não, as três irmãs também disseram não. Após tantas negativas, Leonilda Maria dos Santos, 45, foi “morar” no Hospital Escola Portugal Ramalho, no bairro do Farol, em Maceió. Isso já faz mais de 20 anos. Antes de apresentar transtornos psicológicos, ela trabalhava como doméstica e ajudava o pai com as despesas de casa. Mesmo já tendo recebido alta, ela continua residindo no hospital porque nenhum familiar a quer por perto.
Para suportar a triste realidade de ser abandonada pela família, Albany, outra moradora do Portugal Ramalho, vive no mundo da fantasia. “Meus parentes acham que eu morri e, por isso, não vieram me buscar”, diz.
O psicólogo e coordenador do setor de ressocialização, João Neto, trabalha no hospital há mais de 25 anos e já perdeu as contas de quantos pacientes chegaram a morar no Portugal Ramalho. “Como ninguém os quer, eles acabam sendo nossos”, afirma.
Apesar da solidão, Albany não se deixa abater. Ela aprendeu a fazer tapete em oficinas oferecidas pelo próprio hospital e conhece o valor do dinheiro. Com o lucro da venda dos tapetes, ela compra cosméticos, produtos de higiene pessoal e colocou até uma prótese dentária.
“Quando ela ganha o dinheiro da venda dos tapetes, vou com ela ao comércio e ao shopping. Da última vez, fomos ver a prótese dela. Foi mágico poder participar desse momento da vida dela”, ressalta o psicólogo.
De acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde, 110 pessoas moram em clínicas psiquiátricas em Alagoas. Só no Portugal Ramalho, 29 pacientes que já receberam alta residem no hospital. Mas, segundo o psiquiatra e gestor geral do hospital, Audenis Aguiar, esse número poderia ser bem maior, se não fosse a boa vontade de duas ex-funcionárias do local, que gerenciam duas casas com 15 pacientes. Uma delas é a Dona Helena, que mantém uma casa no Fernão Velho com 10 “meninas”. A outra fica localizada no Tabuleiro e é gerenciada pela Dona Aparecida, que cuida de cinco homens.
“Às vezes tentamos que o paciente volte para a casa, mas percebemos que há uma perda no vínculo familiar. Tanto a família, quanto os pacientes não conseguem conviver e, por isso, eles precisam voltar para o hospital. Muitas vezes a família não é encontrada e não podemos deixá-los na rua”, afirma Audenis.
Muitos dos pacientes abandonados se queixam de que não recebem visitas e começam a chamar os médicos, psicólogos e enfermeiros de pai e de mãe. O psicólogo do Portugal Ramalho, João Neto, diz que a unidade de saúde chegou a procurar o Ministério Público a fim de mover uma ação de abandono de incapaz e fazer com que as famílias assumam a responsabilidade em relação aos parentes com deficiência intelectual.
O diretor geral do Portugal Ramalho ressalta que o esquecimento por parte da família atrapalha o tratamento dos pacientes. "Cerca 1/4 do tratamento desses pacientes fica prejudicado uma vez que eles não podem contar com o apoio da família que é fundamental", afirma.
Projeto “De Volta Para Casa”
Um programa do Governo
Federal, "De volta pra Casa", contempla as famílias dos pacientes psiquiátricos,
lhes dando estrutura mínima para que possam receber os familiares que têm alta
do hospital em casa.
O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania.
De acordo com o último dado do Ministério da Saúde, 3975 pacientes em todo o país já foram beneficiados pelo programa. As famílias desses pacientes recebem um salário para ajudar nas despesas, que deve ser requerido à coordenação de saúde mental do município. Mesmo que o beneficiário esteja com a família, é a Referência Técnica do Programa no município que deve ser provocada para avaliar a possibilidade do cadastro.
A técnica da gerência do Núcleo de Saúde do Estado, Laeuza Farias, diz que na gestão passada foram apresentados quatro projetos em relação à saúde mental, mas nenhum deles saiu do papel. “É responsabilidade do município a implantação desses projetos. Nós cobramos e oferecemos suporte para a execução deles. É lamentável que ainda não tenhamos avançado na saúde mental”, diz.
Entretanto, segundo a gerente do Núcleo Mental de Saúde do Município, Lúcia Santa Rita, como a equipe assumiu recentemente a Prefeitura de Maceió, ainda não é possível identificar quantas pessoas estão incluídas no programa. “Não sabemos quantas pessoas conseguiram voltar para suas famílias através do programa. É muito difícil a inclusão no meio familiar, porque eles passam muito tempo no hospital e perdem a essência”, afirma.
Em 2003, o Ministério da Saúde realizou um censo que apontava 12 mil pessoas morando em clínicas psiquiátricas.
Residência terapêutica
Além do programa De Volta Pra
Casa, existe o Serviço Residencial Terapêutico (SRT), uma moradia, na própria
comunidade, destinada àquelas pessoas que tiveram internação de longa
permanência em hospital psiquiátrico e que não possuem suporte social ou laços
familiares.
Mas, de acordo com a gerência do Núcleo de Saúde Mental do Município, Lúcia Santa Rita, não há uma unidade sequer em Maceió. Ainda segundo Lúcia, a atual gestão já está realizando todo o levantamento dos pacientes que moram nos hospitais e também entrou em contato com o Governo Federal para tentar viabilizar as verbas.
Ministério Público
De acordo com a promotora de Justiça,
Micheline Tenório, o Ministério Público cobra medidas do Estado e, sobretudo, do
município de Maceió para que esses pacientes deixem os hospitais. “Eles precisam
apresentar projetos para minimizar essa situação. O MP quer a implantação dos
Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Nós estamos cobrando e, caso eles não
apresentem, nós iremos ingressar com uma ação civil pública”, diz.
Ainda segundo a promotora, é preciso investimento dos governos municipal e estadual, porque, em muitos municípios do interior não tem o principal: médico. “Muitos pacientes acabam morando no hospital porque a família não sabe lidar com isso. Faltam médicos para um acompanhamento psiquiátrico e os pacientes que recebem alta, muitas vezes, retornam para os hospitais justamente pela falta de acompanhamento profissional”, ressalta.