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Acidente
16/09/2025 20:00:00

Compreendendo o Crime de Extermínio em Conflitos Armados

Análise das legislações mundial e brasileira acerca do conceito de genocídio

Compreendendo o Crime de Extermínio em Conflitos Armados

O termo genocídio, originalmente cunhado durante o horror do Holocausto na Segunda Guerra Mundial, refere-se à intenção de erradicar um grupo específico de pessoas. Sua primeira utilização ocorreu em 1943, quando o advogado polonês Raphael Lemkin, cuja família foi totalmente destruída pelo regime nazista, elaborou o conceito em resposta às ações sistemáticas de assassinato em massa de judeus promovidas por Adolf Hitler. Lemkin dedicou seus esforços para que o crime fosse reconhecido internacionalmente, culminando com a aprovação da Convenção das Nações Unidas em 1948, que entrou em vigor em 1951.

Esta convenção define, no artigo 2°, que o genocídio consiste em ações realizadas com a intenção de destruir, total ou parcialmente, grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos. De acordo com a ONU, tais ações compreendem homicídios de membros de um grupo, causar danos físicos ou psicológicos severos, estabelecer condições que ameacem a vida dos integrantes do grupo, impedir nascimentos dentro dele e forçar a transferência de crianças para outros grupos. A responsabilização por genocídio é universal, abrangendo qualquer indivíduo, inclusive líderes políticos eleitos.

O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, atua na investigação e julgamento de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio, podendo processar quem ordenar, auxiliar ou incitar a prática do delito. Além do TPI, a Corte Internacional de Justiça também, em Haia, julga disputas entre países, podendo responsabilizar Estados por ações genocidas.

No Brasil, o crime de genocídio foi formalmente tipificado pela lei 2.889, de 1956, sancionada por Juscelino Kubitschek, quatro anos após a entrada em vigor da convenção internacional no país. Essa legislação prevê punições específicas para ações que visem destruir, total ou parcialmente, grupos raciais, étnicos, nacionais ou religiosos, conforme definido pela legislação internacional. Recentemente, em janeiro, a Polícia Federal iniciou uma investigação, a pedido do ministro da Justiça, Flávio Dino, para apurar possíveis crimes de genocídio e omissão na assistência às comunidades indígenas yanomami.

Além disso, a legislação brasileira também estipula penalidades para quem incitar publicamente a prática de genocídio, com penas agravadas quando o crime é cometido por funcionários públicos ou governantes. Desde 1984, o Código Penal brasileiro também criminaliza o genocídio, incluindo casos praticados no exterior por cidadãos ou residentes no Brasil. Houve uma única condenação relacionada ao crime, em 1993, no episódio conhecido como Massacre de Haximu, que resultou na morte de ao menos 16 indígenas yanomami em Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela.

Apesar do peso da legislação, a prova do intento genocida é considerada complexa pelos especialistas. Valérie Gabard, especialista em direito internacional, explica que, embora a expressão seja frequentemente usada no cotidiano para rotular diversas atrocidades, a definição legal é bastante restrita. Para que haja condenação, é imprescindível demonstrar a intenção clara de exterminar um grupo. Como essa intenção muitas vezes não deixa provas diretas, a responsabilização recai sobre a inferência feita por meio das condutas e evidências circunstanciais. William Schabas, professor de Direito Internacional, aponta que esse processo demanda tempo devido à complexidade dos crimes, que geralmente envolvem muitas vítimas.

Os tribunais precisam investigar minuciosamente para comprovar não apenas os atos, mas também a intenção por trás deles. Nos últimos anos, o termo genocídio passou a ser utilizado também por líderes políticos para caracterizar ações percebidas como ataques sistemáticos contra minorias ou populações específicas em diferentes partes do mundo.

Joe Biden, por exemplo, em 2022, qualificou como genocídio as atrocidades atribuídas às forças russas na Ucrânia. Movimentos como Fridays for Future acusaram Israel de cometer genocídio na Gaza, enquanto na Alemanha, deputados reconheceram o Holodomor como genocídio, além de condenar crimes do Estado Islâmico contra os yazidis no Iraque e ações da China contra os uigures em Xinjiang. O reconhecimento internacional de genocídios inclui também episódios históricos como o genocídio de Ruanda em 1994, que resultou na morte de aproximadamente 800 mil pessoas; o massacre de Srebrenica em 1995, definido como genocídio pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia; e as ações do regime Khmer Vermelho no Camboja na década de 1970, que matou entre 100 mil e 500 mil membros da minoria cham, de um total de 700 mil vítimas.

Discrepâncias ainda existem quanto à classificação de muitos episódios como genocídio, especialmente no caso do regime Khmer Vermelho, onde há debates sobre se as mortes decorrem de uma tentativa de extermínio por motivos políticos ou sociais, ou se caberia enquadrá-las em outras categorias criminais da ONU.

Em 2010, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra o então presidente do Sudão, Omar al-Bashir, por genocídio na campanha contra os civis de Darfur. Schabas reforça que, embora a definição de genocídio seja clara perante o direito internacional, há tentativas de rotular episódios que não atendem aos critérios legais, como a guerra na Ucrânia ou a situação dos uigures, usando esse conceito de maneira imprecisa. Assim, é fundamental distinguir entre o uso político e o reconhecimento jurídico do genocídio.