O governo brasileiro tem deixado claro aos Estados Unidos que não pretende enquadrar facções criminosas nacionais como organizações terroristas. A justificativa é que a legislação vigente não sustenta esse tipo de classificação e que já existem instrumentos jurídicos mais adequados para enfrentar grupos como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).
A proposta de mudança foi apresentada por representantes da Casa Branca em reunião no Ministério da Justiça, em Brasília, no início de maio. O presidente americano, Donald Trump, tem intensificado o combate a gangues latino-americanas, como a Tren de Aragua e a MS-13, em sua política de endurecimento contra a imigração ilegal. Apesar da pressão, autoridades brasileiras foram enfáticas ao recusar a ideia.
Segundo o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, as facções atuam como “empresas criminosas” com o objetivo de gerar lucro, sem motivação política, religiosa ou étnica, o que as distancia do conceito jurídico de terrorismo. Para ele, esses grupos se aproximam mais do modelo de máfia, e o governo prepara um projeto de Lei Antimáfia, que deve ser encaminhado ao Congresso para fortalecer o enfrentamento ao crime organizado.
No plano internacional, a definição de terrorismo segue em aberto. A ONU já condenou atos terroristas como ataques que provocam medo generalizado com fins políticos, mas cada país mantém liberdade para adotar sua própria conceituação. No Brasil, a Lei Antiterrorismo de 2016 estabelece que atos de terrorismo são aqueles cometidos por razões de xenofobia, racismo, preconceito religioso ou étnico. É justamente essa condicionante que impede o enquadramento das facções criminosas como terroristas.
Nos Estados Unidos, a pressão para reconhecer cartéis e facções como organizações terroristas cresceu nos últimos anos. Em 2024, o Departamento do Tesouro sancionou um integrante do PCC por operar uma rede de alcance continental. Já em 2025, com Trump de volta à Casa Branca, cartéis do narcotráfico foram formalmente classificados como terroristas. No Brasil, parte da classe política apoia a ideia. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, chegou a apresentar em Nova York um dossiê defendendo que o CV seja tratado como organização terrorista.
Especialistas alertam para riscos. O cientista político Thiago Moreira, da Universidade Federal Fluminense, explica que equiparar crime organizado a terrorismo pode abrir brechas para abusos. Como a lei amplia o poder de repressão estatal, movimentos sociais poderiam ser enquadrados como terroristas, dependendo do contexto político.
Já o professor de Direito Penal Gerson Faustino Rosa, da UniCuritiba e da Escola Superior da Polícia Civil do Paraná, avalia que a Lei Antiterrorismo foi mal formulada ao exigir comprovação de preconceitos como elemento fundamental. Para ele, o terrorismo deveria ser definido como um ato de violência extrema com o propósito de explorar a fragilidade do Estado. Ele defende que o Brasil crie um tipo penal específico que permita ampliar penas quando houver intenção clara de provocar terror social para fins políticos.
Assim, a posição brasileira segue firme: facções criminosas são combatidas como organizações mafiosas, mas não como terroristas.