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24/01/2010 00:00:00

Meio Ambiente

Meio Ambiente

com gazetaweb // Fonte gazeta de alagoas

O Sertão vai virar mar. Um mar de pedras e areia, sem vida, deserto. Não é profecia, é fato em consumação, previsto por estudos científicos, alertado pela Organização das Nações Unidas (ONU). O clima castiga, o homem tortura, a terra definha. Nos últimos anos, o índice de desertificação do semiárido nordestino avançou légua sobre légua. O êxodo rural ainda segue a passos largos. Em Alagoas, mais de 27% do território já começou a virar deserto. São áreas críticas, quase todas na caatinga, agonizantes entre a seca e chuvas torrenciais que caem como lâminas a dilacerar o resto de chão que teima em brotar. São torrões gigantescos onde seres, como o juazeiro e o umbuzeiro, penam sob ameaça de extinção. O mandacaru amarelece, o pau-pereira engelha e a palma só nasce com adubo.

Pesquisadores tentam montar plano de combate

O açoite secular que a natureza e o povo conhecem bem é o objeto de estudo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento escalados para elaborar o Plano de Ação Estadual (PAE) de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. O trabalho baseado nos princípios da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação deve ser concluído este ano e vai propor ações concretas para amenizar a degradação do meio ambiente, orientar sobre o uso adequado do solo e estabelecer mecanismos de fixação do homem no campo.

Para mostrar um pouco do avanço das áreas desérticas no Estado, a Gazeta de Alagoas acompanhou uma expedição composta por técnicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Instituto Xingó e Movimento Minha Terra à zona rural do município de Ouro Branco, no médio Sertão alagoano, a 245 quilômetros de Maceió.

Lagoa se transforma em descampado

Ainda na cidade, os técnicos param na lagoa seca de Ouro Branco. Ao invés de água, pedregulhos imensos saltam do chão esturricado e formam um cenário desolador. Em plena zona urbana, a ex-lagoa parece um oásis ao avesso, um descampado deserto arrodeado de casas.

Para o professor da Ufal e integrante do Instituto Xingó, Paulo Lima, engenheiro civil com mestrado em Recursos Hídricos, trata-se de um exemplo claro de degradação do meio ambiente. “Se tivesse um sistema de tratamento de esgoto, a situação seria completamente diferente, isso aqui poderia ser usado como uma área de lazer ou mesmo um criatório de peixes”, sugere o engenheiro, identificando um dos problemas a ser enfrentados no combate à desertificação.

Caatinga agoniza diante da queimada

Ao deixar a cidade incrustada na rocha, a estrada de barro vermelho já sinaliza para a aridez da zona rural de Ouro Branco. A paisagem são lajeiros e capoeira braba, o pasto está verde, mas a vegetação nativa padece nua, em galhos ariscos e arbustos teimosos. Casas ficam cada vez mais distantes umas das outras, espaçadas, rareiam à medida que se adentra na caatinga inóspita e dão a impressão que um deserto se aproxima.

Menos de quinze minutos na rodagem é suficiente para o primeiro susto, no povoado Serrotinho. A excursão para diante de um monte totalmente empretecido, morto pela queimada cometida dias atrás. O estalar do fogo parece ecoar ainda, trazido pelo vento, entre os destroços de juremas, aroeiras, imburanas e angicos atacados pelo homem que comprou a terra e cismou que o lajeiro poderia virar plantio de palma e pasto para o gado.

Lavoura de algodão dá lugar a erosão

Considerada o ouro branco que deu nome ao município alagoano, a monocultura do algodão enriqueceu poucos e se reverteu em pobreza para muitos. Com a praga do bicudo, um predador que proliferou na década de 90, Ouro Branco se tornou um dos núcleos mais críticos de desertificação do Estado.

As grandes lavouras de algodão cederam espaço para o deserto e para a erosão, tema de um alerta composto por Walter Santos e Tereza Souza: “A erosão parece uma serpente/ Rachando a terra, devorando o chão/ E a riqueza que era da gente/ Vai toda embora com a erosão/ Por isso, agora estou aqui cantando/ Chamando o povo pra esse mutirão/ Vamos minha gente, salvar nossa terra/ Das rachaduras da erosão”.

No Sertão deserto, água também mata

No Sertão quase deserto, água é esperança de renascimento, mas pode terminar de matar o que a seca começou. “O problema não é pouca chuva, é a má distribuição dela ao longo do ano”, explica Jorge Izidro, do Movimento Minha Terra. Qualquer região onde o acumulado da chuva durante todo o ano não chega 800 milímetros, é definida
como semiárida.

Em Ouro Branco, este índice fica em torno de 650 milímetros. Joeci Severino explica que um milímetro de chuva equivale à precipitação de um litro de água por metro quadrado. “O problema são os temporais. Teve chuva por aqui que despejou 148 milímetros numa noite só”, informa Izidro.

Sofrimento numa terra que insiste em não querer parir

A casa de taipa com ripas rachadas tem televisão e antena parabólica. Os três filhos dão risada com o filme dos Trapalhões na TV, enquanto a mãe olha o tempo fechado na janela e chora triste. A chuva faz barulho no telhado e os trovões estrondam, mas Valdirene Pinheiro, 26 anos, tem medo de outra coisa. “Já passamo necessidade e, sexta-feira, meu marido vai pra São Paulo, pra donde tá meus irmão (sic)”.

Quando ele volta, só sabe Deus. “Talvez daqui uns seis meses”, imagina a agricultora e dona-de-casa que vai enfrentar a saudade e o ciúme com a labuta na roça para dar de comer a três bocas: Tainara, 7 anos, Henrique, 5, e Taís, 2. Coragem não falta à mulher que começou a lidar na lavoura aos 9 anos, mas a terra quase deserta não consegue mais parir. “O milho não deu bem, e o feijão, plantamos meio saco e só deu dez quilos”.

Livrou-se da morte no pau-de-arara

Haroldo mora no Pilão do Gato. A família toda partiu para São Paulo e ele ficou... No Pilão do Gato. Foi deixado bebê com os avós, era pequeno e doente. Se fosse, de certo morria no pau-de-arara, viagem de vinte dias no caminhão. Viveu e cresceu no Pilão do Gato. Hoje é vaqueiro, agricultor e ainda ganha um trocado cortando o cabelo de quem aparece. Tem 55 anos, um pai e um monte de irmãos que moram em São Paulo.

“Naquele tempo não tinha ônibus e tiveram medo d’eu morrer na estrada. Ainda bem, foi a melhor coisa, nunca saí desse Sertão, acostumei-me aqui com a família lá”, explica José Haroldo da Silva, órfão do êxodo rural. Nos anos mais difíceis, ele teve muita fome, comeu até breu e berdoégua (tipos de mato), mas nunca quis deixar o Pilão do Gato.

Família Cavalcante ainda resiste

No povoado Capelinha, a família Cavalcante é um exemplo de resistência. As secas expulsaram muitos vizinhos para a cidade grande, mas eles ficaram.

Sofreram, passaram apertado, mas não deixaram o amado Sertão. A matriarca Lindinalva Maria da Conceição lembra que chegou ao povoado, no ano de 1950, aos 12 anos, e está lá até hoje, com 73 anos, oito filhos e um punhado incontável de netos.

Lindinalva sempre trabalhou na roça e não gosta muito de falar dos piores anos da sua vida, mas o repórter da Gazeta insiste e ela resume, num falar ligeiro. “Teve uma seca medonha em 1970, faltava lavoura para comer, não tinha água e a gente achou que ia morrer”, concluiu, incomodada, num tom de voz áspero para espantar a vontade de chorar.

Sertanejo é forte e resiste à destruição ambiental

O deserto come a caatinga, mas não engole o sertanejo. O povo forte que resiste, aprende novas técnicas agropecuárias com manejo sustentável do solo e preservação ambiental. Com base nisso, o Plano de Combate à Desertificação deve investir nas pesquisas e evidenciar a multiplicação do conhecimento. Uma série de projetos e ideias que pipocam há décadas no semiárido devem ser reunidos num mesmo programa para concentrar esforços e potencializar seus efeitos.

O que não faltam são exemplos da criatividade do sertanejo para resistir às intempéries do clima. No povoado Serrotinho, uma família foi buscar no mel da abelha europa, um doce alívio para a amarga aridez da área ameaçada pela desertificação. Após participar de cursos e capacitação, a estudante Vanessa Gomes Barreto, 19 anos, aprendeu a cuidar das trinta colméias que recebeu, virou apicultora, criou uma cooperativa e planeja ampliar o negócio.

Banco de sementes vê produção cair pela metade

O sertanejo que passou sede sabe. Sem mato, a caatinga é um deserto. Cícero Cavalcante, 38 anos, é agricultor no campo, vigilante noturno na cidade, líder comunitário, sempre morou com vista para a imponente Pedra da Capelinha e observou o surgimento de clarões ao redor do monte, no que um dia foi uma mata virgem. “O pessoal desmata muito, é por isso que a nossa região corre o risco de ficar desertificada”, sentencia Cícero.

As 23 famílias do Sítio Capelinha formaram uma cooperativa e um banco de sementes, mas este ano a produção caiu quase à metade, cerca de dez sacos apenas. “Nós tínhamos uma semente boa reservada, mas só recebemos das piores sementes. Foi muita chuva, o feijão amarelou, as folhas adoeceram, queimaram tudo, o feijão saiu murcho, com as bages roídas”, lamenta Cícero.

Combate à devastação do solo sertanejo

A comitiva que acompanhou a Gazeta na incursão por Ouro Branco foi composta pelos pontos focais do Plano Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAE), que têm a missão de irradiar o conhecimento e fazer a interlocução entre as comunidades, as organizações envolvidas com a causa, o governo, os técnicos e cientistas que atuam na área.

Alagoas é pioneira ao implantar a figura do ponto focal acadêmico, representado pelo engenheiro Paulo Lima, responsável em trazer informações técnicas, elaborar projetos produtivos de monitoramento, educação e execução com sustentabilidade para reduzir os efeitos da seca. “Queremos resgatar todos os projetos ligados ao semiárido, em áreas multidisciplinares para pôr em prática de forma compartilhada”, defende Lima.

Aquecimento global provoca sumiço da vegetação

A tendência do aquecimento global aumenta os riscos da desertificação e reforça a importância de se levar a sério o plano que está sendo elaborado. Mas antes dele, é preciso conscientizar o habitante do Sertão a frear as ações degradantes. De acordo com o Programa Nacional de Combate à Desertificação (PAN), a atividade humana é a principal responsável pela formação dos novos núcleos de desertificação, tanto pela erosão como pela salinização, em áreas de agricultura de sequeiro ou irrigadas de modo inadequado.

“Nas áreas afetadas, a vegetação se apresenta de porte reduzido, algumas espécies com sintomatologia de nanismo e concentração diluída, com maior permeabilidade do que nas demais áreas”, aponta o relatório do PAN. O estudo também constata que, quando o período chuvoso volta, o esforço de recuperação nem sempre é recompensado integralmente. “Nesse balanço incerto entre recuperação e degradação, se o homem interfere negativamente, é certo que desertificação prevalecerá”, alerta o estudo.