“Por que me colocaram neste mundo? Quero ir embora”, diz o indiano Daivi Ksharma, de 3 anos, revoltado em ter de fazer a lição de casa. O vídeo da reação do menino (veja acima) fez sucesso nas redes sociais nesta semana e levantou uma discussão nos comentários dos posts: afinal de contas, essas tarefas enviadas pelas escolas são benéficas para as crianças?
Ao g1, a mãe de Daivi diz que seu filho estava apenas com vontade de voltar a brincar. Ela até defende que os colégios passem deveres para os alunos, mas em pequenas doses. “Não pode ser um fardo, ainda mais na infância”, afirma.
Nesta reportagem, pedagogos e pesquisadores explicam que atividades escolares feitas em casa podem estimular a aprendizagem e ajudar no ganho de autonomia, desde que:
Adam Maltese, professor de ciências da educação na Universidade de Indiana, nos EUA, é autor de uma pesquisa sobre os efeitos das lições de casa em alunos do ensino fundamental. Há 10 anos, desde que analisou o desempenho de 18 mil estudantes, ele defende que o importante é a qualidade das tarefas (não o tempo de dedicação a elas).
“A quantidade de lição não interferiu nas notas das turmas. Precisamos pensar, então, no que os alunos vão fazer em casa. Trabalhos repetitivos não importam. Temos de ensiná-los a serem bons pensadores”, diz Maltese ao g1.
Abaixo, veja os aspectos que devem ser considerados para que a criança se beneficie das lições de casa.
“Quem não se comportar vai ter mais lição!”, “Se fizerem bagunça, vou passar mais atividade para casa!”. Frases assim, se ditas por professores, podem levar a criança a entender que as tarefas são punições.
“A lição de casa jamais pode ser associada a um castigo. Ela vai fortalecer saberes”, diz Roberta Panico, diretora da Comunidade Educativa Cedac, órgão que promove a melhoria de atividades pedagógicas na rede pública.
“Se as tarefas não seguirem um modelo desgastado, só com repetições exaustivas de um mesmo exercício, vão trazer uma contribuição muito grande para o processo de ensino-aprendizagem”, completa.
Luis Aguilar, doutor em Educação e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta mais um benefício de lições de casa bem elaboradas: o desenvolvimento da autonomia na infância.
“A criança deve aprender a se organizar. As tarefas escolares são uma atividade importante no dia dela, assim como comer, dormir e cuidar da higiene pessoal.”
As tarefas escolares são uma atividade importante no dia da criança — Foto: Divulgação
Há pais que acham que, quanto mais lição a escola passar, melhor é a qualidade do ensino.
É uma noção ilusória que deve ser desmentida nas reuniões com os professores, explicam os especialistas ouvidos pelo g1.
“Bombardear a criança de conteúdo não favorece a aprendizagem, só traz estresse", diz Érica Catalani, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
“Precisamos considerar a faixa etária. No ensino fundamental I, a lição pode ser pesquisar sobre uma brincadeira, por exemplo. A ideia não é sobrecarregar o aluno.”
Daniela Arai, coordenadora de Gestão Pedagógica do Instituto Unibanco, reforça que o tipo de lição que exige apenas repetições de exercícios não contribui com a aprendizagem dos alunos.
“A criança precisa ver sentido no que está fazendo. A tarefa de casa é bem-vinda se estimula, por exemplo, que o aluno investigue algo de sua comunidade ou entenda questões culturais e históricas”, afirma.
Maltese, dos EUA, concorda: “Não sou a favor de cancelar os deveres de casa, mas de adaptá-los para que estimulem a leitura ou a investigação científica.”
Desenho sem tirar o lápis do papel — Foto: tempojunto.com.br
Veja sugestões de atividades:
O colégio deve pensar na realidade de seus alunos: eles têm responsabilidades domésticas? Os pais costumam passar algum tempo em casa ou trabalham o dia inteiro fora? Há um espaço adequado para que a criança faça os exercícios?
“É preciso conhecer sua comunidade para saber o que é possível de ser pedido”, afirma Roberta Panico.
Érica, coordenadora no Cenpec, acrescenta que a escola deve se preocupar em não acirrar as desigualdades sociais.
“Se peço para a criança levar um jornal para a escola, ela precisará da ajuda de um adulto. Alguém tem como comprar para ela? Precisamos ter este cuidado.”
São essas diferenças sociais que fazem com que alguns pais, menos escolarizados, preocupem-se de não conseguir ajudar as crianças. Mas o importante, garantem os especialistas, é o apoio emocional. A expectativa dos professores não é de que todas as respostas estejam certas.
“Os adultos não precisam saber matemática ou português. O que realmente vale é a postura deles. A família deve dar valor à lição, cobrar que a criança se dedique e falar da importância da escola”, diz Daniela.
g1