com gazetaweb // janaína ribeiro
04h30 da manhã. O dia mal amanhece e seu José Cícero dos Santos, 45 anos, já precisa sair de casa para começar uma longa jornada de trabalho. De casa, até a pedreira onde ele passa 10 horas cortando pedras, são três quilômetros a pé, por uma estrada esquisita e de barro. Mas essa caminhada não é a tarefa mais difícil do dia. Cansativo e fruto da exploração de mão-de-obra barata, é mesmo o trabalho dele dentro da pedreira, local que, todos os dias, seu José Cícero se machuca e acumula mais um calo nas mãos que já ganharam aspereza há mais de 20 anos.
E a rotina diária de seu Cícero dos Santos se confunde com a de dezenas de outros cortadores de pedra do povoado Mata verde, na cidade de Maribondo, que fica a quase 90 quilômetros da capital Maceió. Sob um sol escaldante e sem usar qualquer tipo de equipamento de proteção individual, o trabalhador lamenta a falta de qualificação profissional e confessa que leva uma vida difícil. “Chego aqui às 05 da manhã todos os dias, trabalho até ás 11h, descanso umas duas horas e volto a trabalhar até às 17h. Tem dias que nos faltam força, mas fazer o quê, né? Temos que trabalhar, senão, a gente não ganha a ‘bóia’ do dia. Infelizmente aqui nós não tivemos estudo e temos que nos contentar com esse trabalho. Se não fosse isso aqui, talvez eu já tivesse morrido de fome”, conta ele.
Trabalho desde os 8 anos de idade
Maurício Alves da Silva, 28 anos, há 20 está nessa mesma atividade. Ainda quando criança, ajudava o pai nas pedreiras para complementar a renda da família. Sem ter tido a oportunidade de estudar – sempre precisou trabalhar -, nunca mais fez outra coisa, a não ser cortar pedras.
Suas mãos cheias de calos comprovam a falta de equipamentos de proteção individual. Nunca teve condições de comprar um par de luvas e, o que ganha, mal dá para alimentar os três filhos e a esposa, que já está a espera do próximo bebê. “A gente trabalha mais de dez horas por dia para poder ganhar entre R$ 80,00 e R$ 100,00 por semana. A depender do tamanho e do corte da pedra, a unidade é paga a R$ 0,14. É preciso trabalhar muito para dá o valor de R$ 100,00. E, mesmo assim, ainda é pouco. O que a gente ganha não dá para nada. Nunca arrumei onde cair morto e, quando um dos meninos adoece, a gente deixa de comer para comprar o remédio. Às vezes eu reclamo da vida que levo, mas se for esquentar a cabeça, é pior. O jeito é se conformar e passar o dia todo aqui para poder garantir a comida”, disse ele.
Acidentes de trabalho são constantes
José Cícero Bento da Silva, 31 anos, também trabalha cortando pedras. Há 15 anos, esse é o seu ofício diário e é dessa atividade que ele mantém a esposa e os dois filhos pequenos.
Já acostumado com os cortes que leva quase que diariamente, ele contou o último acidente em que se envolveu e precisou ser levado às pressas para o hospital. “A minha sorte é que o corte não atingiu o pulso, senão, eu não estaria aqui para contar a história. Eu estava tentando explodir uma pedra grande e a pólvora não estourou. Quando eu me aproximei dela, só ouvi o barulho. Cai por cima de outras pedras e uma delas cortou o meu braço. Foram 11 pontos e mais de um mês parado”, recordou.
José Cícero, dessa vez emocionado, lembrou do acidente do qual foi vítima o seu irmão mais velho. “Há 10 anos ele perdeu a mão por causa de uma explosão. Trabalhávamos todos no mesmo lugar e foi um desespero. Era sangue para todo lado, não gosto nem de lembrar. Passado o susto e depois da amputação da mão esquerda, ele precisou voltar a trabalhar e corta as pedras com um ponteiro pequeno, feito sob medida para ele. Sinceramente, isso não é vida de ninguém”, lamentou o trabalhador.
Riscos de explosão
Os relatos dos trabalhadores mostram o quanto é insalubre e perigoso o trabalho nas pedreiras, que visam o produto final: paralelepípedos e meio-fio. Os cortadores de pedras trabalham sem qualquer equipamento de proteção individual e, diariamente, correm o risco de se acidentar nas explosões e no próprio corte da pedra.
De acordo com o capitão Felipe Barros, do Exército e especializado em explosivos, o trabalho nas pedreiras é delicado e pode significar risco de morte caso o manuseio dos explosivos não seja correto.
“Normalmente o material utilizado para explodir os blocos de pedras são pólvora negra e nitrato de amônia, que tem alto poder de destruição. Por isso, é necessário seguir algumas regras, que vão desde a estocagem desses produtos, passando pela distância que deve ser mantida após o processo de explosão, até o tempo mínimo que deve ser dado após a fragmentação da rocha. Além da risco iminente de mutilação e até mesmo de morte, esses material é químico e altamente tóxico, podendo causar envenenamento com o tempo. Esses trabalhadores precisam ser treinados com urgência”, alertou o oficial.
MPT quer cooperativa para os cortadores de pedra
As pedreiras, em sua maioria, funcionam dentro de fazendas e propriedades rurais que vivem de outra atividade econômica. “É como se elas fossem um negócio extra. Por isso a ausência das relações de trabalho entre os cortadores de pedra e os patrões. Muitas vezes, inclusive, os fazendeiros deixam um grupo de pessoas explorar as rochas sem tirar qualquer tipo de lucro. Mas, na maioria dos casos, os patrões pagam por semana e estabelecem o pagamento do serviço prestado de acordo com a produção, sem levar em conta os perigos pelos quais essas pessoas passam. E o pior é que, quando nós os convocamos para que esse tratamento seja melhorado, eles alegam que não têm como bancar equipamentos e salários fixos porque não sobrevivem desse tipo de atividade e ameaçam fechar as pedreiras e aí, vem o nosso dilema. Fechar e desempregar esse pessoal ou buscar alguma alternativa? Por isso, a partir de agora, o Ministério Público do Trabalho quer que esses trabalhadores formem uma cooperativa, que deverá ser contratada pelas pedreiras. Eles terão seus direitos trabalhistas respeitados e poderão ter clientes certos, garantidos”, explicou o procurador-chefe do MPT, Rodrigo Alencar.
E essa idéia foi proposta por Rodrigo Alencar na última sexta-feira (24), numa reunião que aconteceu entre o Ministério Público do Trabalho, dezenas de cortadores de pedras, auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), representantes do Município de Maribondo, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), do SENAI e do Instituto do Meio Ambiente, na sede do PETI do povoado de Mata Verde.
Qualquer atividade econômica pode virar cooperativa. O Sescoop está pronto para ajudar esses trabalhadores, treiná-los, ensiná-los como se administra uma cooperativa e mostrá-los como chegar até os clientes. Tudo se tornará mais fácil e garantido para eles. Quanto aos donos das pedreiras, é importante conscientizá-los sobre as penalidades de se manter um trabalho que é quase escravo e fazer com que eles percebam que, o funcionário que trabalha satisfeito e com proteção, tende a produzir mais”, detalhou Antônio Carlos, coordenador do Sescoop.
Uma nova reunião entre o MPT, as entidades envolvidas nesse processo e os cortadores de pedra acontecerá no próximo dia 07 de agosto. “Eu me comprometi de falar com a presidência da AMA (Associação dos Municípios Alagoanos), para que, caso a cooperativa seja formada, as cidades da região só adquiram paralelepípedos e pedras para meio-fio vindas da entidade. Se a AMA aceitar a nossa proposta, já será um grande incentivo para os trabalhadores”, disse Rodrigo Alencar.