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03/05/2009 00:00:00

Política


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ojornal-al

O esquema de notas fiscais frias em prefeituras de Alagoas da Zona da Mata, Sertão e Agreste, descoberto na semana passada pelo Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc) do Ministério Público Estadual, não é exatamente uma novidade nos arquivos da Controladoria Geral da União (CGU) em Alagoas. Mas, ao se falar em corrupção no Estado, o assunto nunca se esgota. Pelos dados da CGU, por ano, Alagoas recebe cerca de R$ 6,5 bilhões, dinheiro para Educação, Saúde e outras áreas menos conhecidas. R$ 2,6 bilhões, ou seja, 40% são desviados, quase sempre, para os bolsos dos prefeitos. “A média nacional é 20%”, diz o chefe da controladoria, Arnaldo Gomes Flores.

O “xerife” da CGU no Estado foi transferido para o Mato Grosso na última quinta-feira, quando ele recebeu O JORNAL, com exclusividade, em seu gabinete, no 9º andar do edifício Walmap, centro de Maceió, um dos dois andares da CGU alagoana. Antes de arrumar as malas e as gavetas para viajar na próxima quarta-feira, o homem que conhece tudo sobre os cofres das prefeituras concedeu esta entrevista reveladora. Para ele, na política alagoana, os prefeitos querem é desviar dinheiro.

"Agora, mesmo assim, eles continuam cometendo estas mesmas irregularidades. Desde que cheguei aqui fiz palestras em vários eventos e colocamos que nós detemos todas estas informações. O que parece é que eles apostam no longo processo judicial, em uma presumível impunidade por conta do processo judicial. Eles continuam fazendo, a prova disso é essa operação do Gecoc."

- O senhor ficou na chefia da CGU em Alagoas por um ano e dez meses no cargo. O que chamou mais a sua atenção na fiscalização das prefeituras?
- Cheguei a Alagoas em julho de 2007 e estava em andamento a Operação Carranca, trabalho em conjunto com a Polícia Federal e Ministério Público Federal. A operação foi deflagrada em novembro de 2007, em doze municípios com irregularidades em obras públicas. Estou na CGU há dez anos. Conheço a realidade do Amazonas, onde eu trabalhava, e aqui. Aqui, por ser um Estado onde o poder público tem um peso muito grande, o nível de corrupção se torna um pouco mais visível porque os recursos públicos são fundamentais na economia do Estado. Ou você se torna empresário ou vai para o poder público. E, no poder público, o que a gente vê aqui, infelizmente, é que o dinheiro, em grande parte, mal versado.

- Alagoas tem muita gente com distorção entre salários e bens patrimoniais? Gente rica de forma duvidosa?
- Não diria rica, mas o tráfico de influência e a corrupção estão fechados em poucas famílias. Agora, estas famílias ostentam um grau de riqueza que contradiz o restante da situação de penúria da população. As pessoas que detêm o poder, ao invés de trabalharem pelo bem estar coletivo, entram na política, para mim, com dois objetivos: o primeiro, juntar dinheiro para a próxima campanha, caixa de campanha com dinheiro público. O segundo é aumentar o patrimônio pessoal, desviando recursos públicos.

- O Gecoc, na semana passada, revelou um esquema de notas fiscais frias em prefeituras alagoanas. Mais de vinte são investigadas, com 30 prefeitos e ex-prefeitos na malha fina da corrupção. Notas fiscais frias não são exatamente uma novidade nas investigações da CGU, não é mesmo?
- O trabalho do Gecoc foi bom e rápido porque detínhamos informações que a Polícia Federal nos repassou. Só que trabalhamos de forma mais isolada: a CGU de um lado e o Gecoc, do outro, com o mesmo objetivo. Nossa própria sistemática é mais demorada. Vamos ao município, fazemos fiscalização, porém, quando ela é finalizada, já traz um produto. No caso da Operação Carranca, quando foi feita a prisão dos possíveis envolvidos, havia um produto a oferecer à Justiça. Agora, nesta questão das notas fiscais não se restringe ao Sertão. Temos informações, inclusive estamos trabalhando, que existem em outros municípios no litoral Sul e no Agreste. Notas fiscais frias e clonadas.

- O que é uma nota fiscal clonada?
- Aquela que existe efetivamente, está no talonário da empresa. Alguém reproduziu aquelas informações e fez uma mesma nota. Não conseguimos identificar as empreiteiras responsáveis por isso, ainda não estamos nesta fase. Estamos levantando informações. Das 102 prefeituras, temos, com certeza, dois municípios que têm problemas com notas fiscais. Um fica no litoral sul; outro, no Agreste.
- Nas averiguações que vocês fazem, entre documentos e notas fiscais, algo se destaca mais nos tipos de gastos?
- Há todo tipo de gasto: programa de governo, convênios, as notas fiscais muitas vezes não são de valor elevado: R$ 4 mil, R$ 5 mil, R$ 6 mil, só que o somatório leva a mais de cem mil reais. Isso em cada cidade. Não temos ainda informações sobre o total desviado em notas fiscais. Deve estar na casa dos milhões. Estes maus gestores não se contentam com R$ 100 mil ou R$ 200 mil. Mas, esse é um trabalho que precisa ser aprofundado. Claro que estas informações são sigilosas.

- Há mais informações de irregularidades?
- Dependem do programa. Merenda escolar: licitações viciadas, ausência de licitação, sobrepreço da licitação, ausência de merenda. Saúde: ausência de medicamentos. Educação: problemas com transporte escolar. São dois problemas sérios no transporte escolar: os veículos não oferecem condições de segurança. A prefeitura faz licitação do transporte e quem ganha é conhecido e o veículo não tem condições de trafegabilidade. O segundo é que como o preço é cobrado por quilômetro, na planilha de custos aparecem mais quilômetros do que de fato existe no percurso. O dobro ou o triplo. Em um percurso de quatro quilômetros, colocam doze, vinte quilômetros. O Fundeb é um campo fértil para irregularidades. Encontramos prestações de contas com uma quantidade enorme de gastos em postos de gasolina. Pode gastar, porque no mínimo 60% é para pagamento com gastos com professores e até 40% para outras atividades. Mas, há um exagero nestes 40% e geralmente quem está por trás do posto de gasolina é alguém muito próximo ao gestor ou parente do gestor.

- Reformas de escolas estão fora?
- É um problema sério. Colocam no papel como se houvesse licitação, a empresa fornece a nota fiscal, mas quem fez a obra foi a prefeitura com sua mão de obra e material comprado ali, no próprio município.

- Parece uma cartilha de como roubar, há uma padronização nos desvios...
- Eles conhecem toda a metodologia. O que chama a atenção é que os controles são muito maiores com a informática. Então, nós sabemos das informações dos repasses de recursos. Se queimarem papéis, pior para eles porque não vão ter como comprovar a aplicação do dinheiro, na defesa deles mesmos. Agora, mesmo assim, eles continuam cometendo estas mesmas irregularidades. Desde que cheguei aqui fiz palestras em vários eventos e colocamos que nós detemos todas estas informações. O que parece é que eles apostam no longo processo judicial, em uma presumível impunidade por conta do processo judicial. Eles continuam fazendo, a prova disso é essa operação do Gecoc. Estes municípios sabem que existe fiscalização da CGU, do Tribunal de Contas da União, do Tribunal de Contas do Estado, o próprio Ministério Público, existem os conselhos de direito, que são criados para fiscalizar...

- Mas os conselhos são manipulados por prefeitos ou pessoas ligadas ao Poder. A CGU sabe disso, não é verdade?
- Estamos fazendo um trabalho junto a estes conselhos porque de fato eles não funcionavam. Os conselhos eram um mal necessário, ou seja, eram criados no papel só para obter recursos federais. Só que a partir do ano passado fizemos um trabalho integrado com outras entidades e criamos um Fórum de Conselhos de Direito. Estamos fazendo reuniões no Estado. Fizemos a primeira reunião em Arapiraca, depois em União dos Palmares, Maceió e no dia 7 de maio será a quarta, no Litoral Norte, em São Luiz do Quitunde. Estamos trabalhando junto aos conselhos para conscientizar da necessidade de eles atuarem e estamos também treinando estes conselhos. Nestas reuniões, nós passamos a metodologia que se usa para uma fiscalização. Não é fácil, os conselhos são perseguidos pelo gestor, em municípios pequenos. Tivemos um caso em Boca da Mata, no Conselho Municipal de Saúde. A presidente, fazendo valer o trabalho dela, foi retaliada pelo conselho. O Fórum de Conselhos de Direito se reuniu, foi lá com o prefeito, conversou com ele, mostrou que o conselho é um órgão previsto em lei, independente do gestor gostar ou não. A partir daí a situação foi revertida.

- No balanço dessas irregularidades, elas são consideradas primárias, pouco complexas, fáceis de descobrir?
- São de fácil detecção. Pegamos a documentação, cruzamos com os dados bancários. Esta é a primeira fase documental. Depois, verificamos de fato a obra, o que aconteceu com ela, se atende às especificações do projeto, ou seja, se bate com o projeto executivo e básico. Observamos é que a maioria destas obras é feita fora destas especificações, exatamente para cobrar mais dinheiro. A nota fiscal sai pelo valor correto, mas a qualidade da obra é ruim e com isso sobra dinheiro, que é apropriado pelo executor.

- Nas andanças da CGU pelo Estado, o que os senhores ouvem da população? Reclamam? Há indignação?
- Poucas. A população de Alagoas é muito acomodada, principalmente em reivindicar seus direitos. Acomoda-se por conta de migalhas que os gestores dão. Temos um exemplo patente. Na Operação Carranca foi preso um ex-gestor de uma cidade às margens do Rio São Francisco. Esse gestor fez a campanha política dele de dentro da prisão e quando ele saiu, tomou posse novamente como gestor. Ou seja, a população certamente se contenta com aquelas migalhas, um botijão de gás, um transporte aqui para a capital, uma conta de luz. São migalhas, não percebem o mal que estes gestores estão cometendo para a população como um todo.

- O sr. diz, então, que a população é responsável por isso?
- Tem sua parcela de responsabilidade. Agora, isso não pode ficar só com a população. Deve ser dividida com as autoridades, inclusive com os órgãos de controle. O processo judicial é muito lento e leva a essa impunidade. Ele permite muitos recursos, e, ao final, o processo prescreve e fica a sensação de impunidade.

- O sr. deixa Alagoas e vai para o Mato Grosso. Que imagem leva daqui?
- Para ser sincero, não levo uma boa imagem. Aqui existe uma alta incidência de desvio de recursos e de corrupção. No Brasil, essa taxa é de 20%; em Alagoas, 40%. O Estado recebe cerca de R$ 6,5 bilhões por ano, 40% deste dinheiro é desviado. A corrupção é um fenômeno mundial, existe nos países desenvolvidos, ela não vai acabar, mas em Alagoas ela é muito acentuada. Sabe, trabalhei no Amazonas, existe corrupção lá, mas aqui o nível é muito maior e, por conta disso, estes índices sociais sempre são os piores: mortalidade infantil, analfabetismo, IDH, os que têm o pior IDH estão em Alagoas e são os mais corruptos. O único indicador positivo que percebi aqui são os não fumantes (risos). Alagoas é o estado com menos fumantes.

- E a solução?
- O caminho é a democracia. Para minimizar, mais atuação dos órgãos de controle, o Fórum de Combate à Corrupção (Focco), campanhas educativas e nas escolas. A CGU faz ação repressiva e o trabalho preventivo. Fazemos isso no interior nas escolas. Não é imediato o retorno. Mas ele vai existir.



 

 




















 



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