bbcbrasil //
É o equivalente a impressionantes 4,8
mortes por hora, índice parecido ou superior ao registrado em países em guerra.
"É como se ocorresse um massacre
do Carandiru por dia (quando 111 presos foram mortos no presídio paulistano em
2 de outubro de 1992)", diz à BBC Brasil o sociólogo Julio Jacobo
Waiselfisz, autor da pesquisa e coordenador de estudos da violência da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).
"E isso ocorre na calada da
noite, sem que haja mobilização ou escândalo. Há, na verdade, mobilização no
sentido contrário, de pôr mais armas na mão da população."
Em números totais, foram 42.416
pessoas mortas por armas de fogo em 2012 (dado mais atual disponível pelo
Ministério da Saúde), e a maioria das vítimas são jovens de 15 a 29 anos.
Quase 95% dessas mortes são homicídios
(o restante são acidentes com armas, suicídios ou sem causa determinada).
Na introdução, o
estudo - cujo título é Mortes Matadas por Armas de Fogo - diz que não há uma causa única por
trás dos altos índices de violência do país.
"A tradição de impunidade, a
lentidão dos processos judiciais e o despreparo do aparato de investigação
policial são fatores que se somam para sinalizar à sociedade que a violência é
tolerável em determinadas condições, de acordo com quem a pratica, contra quem,
de que forma e em que lugar", diz a pesquisa.
O estudo culpa também a "farta
disponibilidade de armas" e a "a decisão de utilizar essas armas para
resolver todos os tipos de conflitos interpessoais, na maior parte dos casos,
banais e circunstanciais".
Essas mortes por armas de fogo não
ocorrem de forma uniforme pelo país. Na região Sudeste, por exemplo, o índice
de mortes caiu quase 40% entre 2002 e 2012 - por causa de expressivos declínios
nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro -, mas subiu fortemente em todas as
demais regiões do país.
No Norte, o aumento foi de 135% no
mesmo período.
Proporcionalmente à população, o
Estado com a maior taxa de mortes por armas de fogo é Alagoas, onde foram
registrados 1.740 óbitos em 2012.
O Mapa também identificou focos de
violência que têm crescido pelo país: municípios do interior onde a economia
cresceu, mas a presença do Estado permaneceu deficiente; municípios de
fronteira, que são rota de organizações transnacionais de contrabando e tráfico
de drogas; o arco do desmatamento da Amazônia, infestado por práticas de
trabalho escravo, madeireiras ilegais, grilagem e extermínio de índios; e grotões
do país onde ainda vigora o clientelismo político.
"A violência migrou
à locais menos protegidos", diz Jacobo. "Com as mudanças no
desenvolvimento econômico do país, houve uma 'interiorização' e um espalhamento
dos homicídios."
Segundo o estudo, o
crescimento da violência armada teria sido ainda mais acentuado se não fosse o
controle de armas no país, imposto desde 2003 pelo Estatuto do Desarmamento.
O Mapa da Violência estima que 160.036 pessoas (sendo 70%
delas jovens) foram poupadas de mortes por armas de fogo entre 2004 e 2012
graças à lei, que restringe o porte de armas a quem tem mais de 25 anos, passe
por testes de aptidão e não responda a inquéritos policiais, entre outras
exigências.
O cálculo é feito a
partir de projeções de quantas mortes eram esperadas (segundo análises
estatísticas) para cada ano e quantas mortes de fato ocorreram.
O Estatuto do
Desarmamento, porém, é alvo de polêmica. A Câmara dos Deputados debate, em uma
comissão especial, um projeto de lei (3722/12) que propõe a revogação do
estatuto e facilita a aquisição de armas no país.
A justificativa é de
que, mesmo com o estatuto, "o país alcançou a maior marca de homicídios de
sua história", segundo afirmou, de acordo a Agência Câmara, o deputado
Alberto Fraga (DEM-DF), coronel de reserva da PM.
Já críticos alegam que a
mudança na lei visa beneficiar o lobby da indústria armamentista. "As
estatísticas mostram que se você arma mais a população, você vai ter mais armas
na mão da criminalidade", argumentou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
O Mapa da Violência defende que o desarmamento é
"requisito indispensável", mas insuficiente para conter a violência
no país.
"Ninguém afirmou
que o estatuto era a solução; ele foi apenas um primeiro passo", afirma
Jacobo Waiselfisz. "Os passos seguintes seriam mudanças que não se
cumpriram, como reformas do Código Penal, do sistema penitenciário e
policial."
Jacobo cobra, também,
mais campanhas de desarmamento da população, que considera
"esporádicas".
Há, no momento, uma dessas
campanhas em andamento em São Paulo, até o final do mês, organizada pelo
Instituto Sou da Paz. Quem entregar armas receberá indenizações de R$ 150 a R$
450, dependendo do armamento.
Em todo
o período analisado pelo Mapa da Violência, de 1980 a 2012, o Brasil registrou
880.386 mil mortes por armas de fogo, número superior à população de São
Bernardo do Campo (Grande SP).
"O total de mortos
por armas de fogo em 1980 foi de 8.710 pessoas, o que significa que houve um
aumento de 387% até 2012", diz o estudo. "A população brasileira,
nesse mesmo período, cresceu cerca de 61%."
E um dos fatores mais
preocupantes é que essas mortes ocorrem sobretudo entre os mais jovens. "O
jovem negro e pobre é a principal vítima", diz Jacobo. "Há estudos que
apontam que os custos de saúde, economia e pelas vidas perdidas cheguem a 5% a
10% do PIB do país."
Outro
estudo recente, o Monitor de Homicídios, do Instituto Igarapé, calcula
que uma em cada dez pessoas assassinadas anualmente no mundo seja brasileira.
E, enquanto a América
Latina abriga apenas 8% da população mundial, concentra 33% dos homicídios
registrados no planeta.