revistaexame
patrícia valle
O gaúcho José Galló, presidente da Lojas Renner, tem o hábito de se
preparar para crises reais
e imaginárias. Em 2015, ele se vê de fato diante de uma crise das brabas. O
cenário, pelo que lê, é dos piores. A economia brasileira não cresceu em 2014
e, pelas últimas previsões, pode recuar até 1% em 2015.
O setor de vestuário teve queda de 1,1% em 2014 e
deve cair 3,7% em 2015, segundo a Confederação Nacional do Comércio. O dólar,
fundamental para a compra de roupas e acessórios na China, valorizou 30% nos
últimos seis meses.
O endividamento da população está em alta. Ainda
assim, Galló não altera o tom de voz para dizer que sua estratégia não vai
mudar. No ano passado, a Renner abriu 54 lojas e cresceu 19,4% em receita, para
5,2 bilhões de reais. Para este ano, a projeção é abrir 45 lojas. “Estamos
vendo oportunidades, é uma boa hora para investir”, diz.
O que lhe permite manter o ritmo em um ano
complicado é um controle rigoroso dos custos. Em anos ótimos ou péssimos,
desperdício é palavrão na Renner. Em 2014, a empresa reduziu os custos de
34,8% para 33,8% da receita líquida. Foram 46 milhões de reais de economia conquistados
no detalhe.
A empresa entrou em 2015 com 834 milhões de reais
em caixa — 34 milhões a mais do que em 2014 — e dívidas que somam apenas 0,29
vez o resultado operacional. Quando as perspectivas da economia são sombrias,
como agora, Galló tira da gaveta o discurso de quem já sofreu todo tipo de
crise nos 24 anos em que está à frente da companhia. Para ele, é preciso estar
preparado para tirar vantagem desses momentos. Galló, obviamente, não é o
único.
A combinação de consumo em
baixa com inflação em alta e câmbio imprevisível não é boa para ninguém. Mas
pode beneficiar um grupo que, como a Renner, tem a casa em ordem. Uma série de
questões subjetivas — como um bom ambiente de trabalho, o lançamento de um
produto inovador, uma campanha de marketing certeira — pode fazer a diferença
nessas horas.
Mas a análise dos balanços financeiros dá algumas
boas pistas. Com esse objetivo, EXAME encomendou ao banco Brasil Plural uma
avaliação das finanças das
50 maiores empresas de capital aberto do país.
Das dezenas de dados disponíveis, o Brasil Plural
selecionou a relação entre os dois considerados mais importantes neste momento
— a geração de caixa e a dívida. O resultado é o chamado índice de solvência,
que mostra as companhias com menos dívidas para pagar e com mais capacidade de
financiar o próprio crescimento.
O grupo das mais bem posicionadas no ranking do
Brasil Plural inclui companhias conhecidas pela forte geração de caixa, como a
cervejaria Ambev, que gerou 18,7 bilhões em 2014, e a fabricante de cigarros
Souza Cruz, com 2,3 bilhões. A lista também traz empresas com dívidas sob
controle, como a siderúrgica Gerdau; e companhias com dinheiro em caixa para
gastar, como o grupo de ensino Estácio e a locadora de veículos Localiza.
Isso não quer dizer que essas companhias vão se dar
bem em 2015 — apenas que elas estão posicionadas para aproveitar a desordem.
Elas pouparam nos períodos de fartura para passar sem sustos pelos períodos de
aperto. Mas, em alguns casos, outras questões internas jogam contra.
É o caso da siderúrgica Usiminas, que tem dívidas
sob controle, mas se vê às voltas com uma ferrenha disputa societária. Ou da
fabricante de roupas Hering, que tem dívida zero, mas perdeu 2,5 pontos de
margem operacional no ano passado.
Na ponta de baixo, entre as empresas em mais
dificuldade, estão companhias com pouca geração de caixa e dívidas nas
alturas, como o frigorífico Marfrig e a siderúrgica CSN (que devem,
respectivamente, 8,4 bilhões e 12,5 bilhões de reais — o equivalente a cinco,
seis vezes seu resultado operacional). Mais uma vez, não é garantia de que 2015
será terrível, mas elas terão de lidar com desafios bem maiores.
O pesquisador americano Jim Collins, um dos mais
aclamados gurus de gestão, descobriu que as empresas que se dão bem nas crises
não têm executivos que arrisquem, sejam visionários, criativos. Eles são mais
disciplinados e paranoicos — têm sempre um colchão protetor contra a próxima
crise.
Foi o que fez a companhia aérea americana Southwest, que,
após os atentados de 11 de setembro, tinha 1 bilhão de dólares em caixa e
conseguiu ocupar o espaço deixado por concorrentes em dezenas de aeroportos.
Essas empresas tendem a sair mais fortes das crises
porque podem, por exemplo, avançar sobre a concorrência. A cervejaria Ambev anunciou a aquisição da cervejaria
artesanal Wäls e estuda outras compras na América Latina. Investimentos são
outra oportunidade.
A locadora de veículos Localiza, prevendo uma piora na
economia, reduziu os custos para acumular caixa a partir de 2013. Por causa
disso, entrou em 2015 com um recorde de 1,5 bilhão de reais na conta.
Graças ao controle, investirá 2,3 bilhões de reais na
renovação da frota, em condições para lá de favoráveis na negociação com as
montadoras. “Sabemos que nesses momentos algumas oportunidades podem aparecer”,
diz Eugênio Mattar, presidente da Localiza.
As empresas que se dão bem nas crises, é bom que se diga,
tendem a ser muito criticadas nas fases de euforia. O preço que elas pagam
para ter o caixa cheio e as dívidas controladas é um crescimento menos acelerado.
A rede de ensino Estácio é um caso. Nos últimos anos, a
empresa iniciou negociações importantes, como a fusão com a concorrente
Anhanguera, e depois desistiu. Resultado: cresceu 37% em 2014, enquanto as
rivais Kroton, Anima e Ser Educacional cresceram 87%, 50% e 54%.
“Como não fizemos muitas aquisições, estamos com boas
condições de compra”, diz Rogério Melzi, presidente da Estácio. Ele tem 700
milhões de reais para gastar em 2015 e tem a chance de comprar barato. Já está
sendo procurado por investidores e executivos para comprar empresas que
enfrentam dificuldade por causa das mudanças no financiamento estudantil do governo.
Mas as crises não abrem oportunidades apenas para os
paranoicos. Os sortudos também têm vez. Neste ano, as maiores beneficiadas são
as companhias exportadoras, que ganham com o tombo do real. É o caso da
exportadora de produtos agrícolas SLC Agrícola. Em 2014, a empresa ampliou 22%
a área plantada e 37% o lucro operacional. Para 2015, a estratégia é manter o
ritmo.
Já a produtora (e exportadora) de celulose Fibria, que
aproveitou o dólar favorável e o aumento no preço da commodity para engordar o
caixa em 75%, estuda fazer em 2015 o maior investimento de sua história.
Seriam 2,5 bilhões de dólares na construção de uma nova
fábrica em Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Se o investimento será acertado,
é outra história. Mas ter dinheiro para gastar é, sem dúvida, uma vantagem num
ano difícil como 2015.