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daniela franco
O consumo de álcool durante a
gravidez é um verdadeiro problema de saúde na França, que atinge mais de 8 mil
recém-nascidos por ano no país. No Brasil, cerca de 50 mil bebês por ano são
vítimas da Síndrome Alcóolica Fetal (SAF). No mundo, anualmente, este número
chega a um milhão. A doença é a primeira causa da deficiência mental e pode ser
evitada com a simples abstinência de álcool durante a gestação.
Muitos países enfrentam as
consequências da síndrome, especialmente as nações onde as populações são expostas
a um alto consumo de álcool, como a Rússia ou a África do Sul. Mas, em todas as
nações que constatam o problema, as falhas são comuns: a falta de prevenção
sobre o consumo de bebida alcóolica durante a gravidez, a identificação e
conscientização das mulheres grávidas mais propícias a desenvolver a síndrome,
o diagnóstico precoce e o tratamento das crianças portadoras da doença.
Várias e graves são as
consequências da SAF, que implicam na má formação do feto, resultando,
especialmente, em alterações do desenvolvimento neurológico e mental. Mas, como
lembra o pesquisador e psiquiatra da infância e adolescência Erikson Furtado,
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e da
Associação Brasileira dos Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), outros dados
fogem às estatísticas, como os abortos consequentes do consumo do álcool e os
riscos para a saúde da própria mãe, como alterações psiquiátricas,
especialmente depressões. Também não há estudos que relacionem a quantidade de
bebida alcóolica ingerida à gravidade da SAF.
Para a criança, Furtado
ressalta que a síndrome resulta em um vastro quadro de complicações, chamado de
Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal, que inclui não somente alterações
físicas, como problemas no crescimento, mas também psíquicas, como deficiência
mental, redução do desempenho intelectual, sintomas emocionais, psiquiátricos e
outros problemas de comportamento.
O psiquiatra informa que
muitos dos estudos sobre a incidência do transtorno são realizados em crianças
em idade escolar. Um dos critérios observados para detectar as consequências do
problema é o desenvolvimento pondero-estatural. "Geralmente as crianças
que têm probabilidade de sofrer da síndrome tem o peso e a altura 10% abaixo da
normal", indica, lembrando que muitas das vítimas do problema podem não
apresentar essa diferença.
Embora muitos especialistas
permitam que suas pacientes bebam, eventualmente, pequenas quantidades de
álcool, a Organização Mundial da Saúde (OMS) é inflexível: a recomendação é de
nenhuma ingestão de álcool durante a gravidez.
Para Furtado, a recomendação
demonstra que cada mãe que bebe álcool, mesmo em quantidades mínimas, tem
potencial de risco de gerar problemas para o bebê. "É importante que cada
mulher entenda a necessidade de não consumir álcool durante a gestação",
sublinha.
Outros médicos chegam a
recomendar que as mulheres deixem de beber no período que antecede à gravidez.
"Oriento minhas pacientes que estão planejando ter filhos que evitem a
ingestão de bebidas alcoólicas um mês a quarenta dias antes da concepção",
diz o ginecologista e obstetra Arthur Campos da Paz.
Em algumas nações, como a França, fatores culturais relacionados ao consumo do álcool potencializam o desenvolvimento da doença. No país da gastronomia, os pratos são sempre acompanhados do famoso "verre de vin" (copo de vinho). Na maioria das famílias, desde cedo, os franceses têm permissão de experimentar bebidas alcóolicas, ainda que em quantidades mínimas.
Mas, para David Germanaud, neuropediatra do hospital Robert Debré, da universidade Paris Diderot, a alta incidência da Síndrome Alcoólica Fetal na França não pode ser relacionada a apenas um fator, como a cultura do consumo alcóolico. “Há um déficit de comunicação sobre o assunto e, embora o governo tenha investido em campanhas de conscientização, essa não pode ser a única solução para um problema que existe há décadas”, avalia.
Além disso, para o
neuropediatra, além de políticas públicas de saúde, as autoridades médicas
também devem ser responsabilizadas. "O trabalho individual dos médicos com
seus pacientes é muito importante e parece que ele não vem sendo bem feito
porque, até hoje, há uma boa parte de profissionais da saúde que não está a par
dos riscos do consumo do álcool durante a gestação ou mesmo prontos para
informar e prevenir seus pacientes", reitera.
Já no Brasil, outro fator aumenta a incidência da SAF. O país é o maior produtor de bebida destilada do mundo, a cachaça. Além disso, como em muitas outras nações, o consumo de álcool é relacionado à socialização. Nas publicidades brasileiras de bebidas, o consumidor é sempre associado à figura do personagem popular e bem-sucedido. No caso das mulheres, o consumo do alcool é sempre relacionado a beleza e à conquista. Os comerciais de cerveja são estrelados por célebres ícones, estrelas de telenovelas ou modelos.
O assessor especial da presidência da Associação Brasileira de Psiquiatria, Jorge Jaber, especialista em dependência química, aponta que há um aumento de consumo de álcool pelas mulheres brasileiras, independentemente da classe social. "O que varia é o tipo de bebida, que é mais sofisticada nas classes mais altas".
Jaber lembra que as
brasileiras seguem uma tendência observada em todo o mundo. “Mesmo que o número
de mulheres que bebem alcool seja menor do que o de homens, estatisticamente, a
quantidade de mulheres consumidoras está aumentando de maneira avassaladora,
especialmente na juventude", indica.
Segundo o especialista,
apenas 5% das mulheres brasileiras abandonam o consumo do álcool quando
descobrem a gravidez. Dr. Jaber ressalta que 25% das mulheres brasileiras
reconhecem consumir álcool durante toda a gestação, ainda que em pequenas
quantidades. "Há um consumo muito grande de bebidas alcóolicas pelas
grávidas e há poucas ações esclarecedoras. De forma geral, a Síndrome Alcoólica
Fetal não é combatida no Brasil", diz.
Para Dr. Arthur Campos da
Paz, faltam iniciativas públicas que combatam o alcoolismo. "Uma campanha
contra o abuso do álcool orientando os adolescentes ajudaria na diminuição da
incidência da SAF", considera.
O Canadá é um dos países onde
a prevenção à síndrome é um exemplo. Do hospital às prisões, dos programas
escolares às intervenções sociais, o país aplica medidas de vanguarda para
combater a incidência do problema.
O governo canadense investe em projetos a longo prazo desde os anos 80, com um plano nacional de prevenção e apoio às vítimas da síndrome. A pesquisa na área pediátrica do Canadá é uma das mais desenvolvidas do mundo, além do investimento em estudos sobre os fatores genéticos, nutricionais e sócio-econômicos. No total, o custo das ações ao governo chega a 7 bilhões de dólares canadenses (R$ 17 bilhões).
Na França, as iniciativas
permanentes de informação e conscientização sobre a síndrome ficam a cargo das
associações, como a Vivre avec la SAF (Viver com a SAF, em francês) e
a SAF França. O governo investe € 9 bilhões na prevenção e combate à
doença.
No Brasil, as ações do governo se focam na prevenção ao consumo das drogas e do álcool. ONGs, universidades e associações reúnem os principais especialistas sobre a síndrome, como aAssociação Brasileira de Estudos do Alcool e Outras Drogas (Abead) e a Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (Abrad).
No país, a cada 36 horas, um
jovem morre em decorrência do consumo exagerado de bebida alcoólica.