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david robson
Temos uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por
angústias existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o
matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas solitárias,
isoladas apesar de seu brilho.
A questão pode parecer um assunto que atinge apenas alguns poucos
privilegiados – mas os conceitos e ideias por trás dessa impressão repercutem
em quase todos nós.
Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada a melhorar a
inteligência acadêmica. Apesar de suas limitações serem conhecidas, o Quociente
de Inteligência (QI) ainda é a principal maneira de medir habilidades
cognitivas. Cada vez mais gente gasta fortunas em atividades de treinamento do
cérebro para tentar melhorar sua pontuação. Mas e se essa busca pela
genialidade for uma tarefa para tolos?
As primeiras respostas para esses questionamentos surgiram há quase um
século, no auge da Era do Jazz americana. Na época, o teste de QI ganhava
popularidade após ter se provado útil nos centros de recrutamento de
voluntários durante a Primeira Guerra Mundial.
Os altos e
baixos de pequenos gênios
Em 1926, o
psicólogo Lewis Terman decidiu usar a prova para identificar e estudar um grupo
de crianças superdotadas. Ele selecionou 1,5 mil alunos da Califórnia com QI
maior que 140 – 80 deles com mais de 170 de QI. O grupo ficou conhecido como os
“Termites”, e os altos e baixos de suas vidas ainda são estudados hoje em dia.
Como era de
se esperar, muitos dos Termites cresceram para fazer fama e fortuna. Nos anos
1950, eles ganhavam um salário médio que correspondia ao dobro do de pessoas
“comuns”.
Mas,
inesperadamente, muitas crianças no grupo de Terman preferiram profissões menos
glamorosas, como policial, marinheiro ou datilógrafo. Os Termites também não
foram particularmente mais felizes do que o cidadão americano comum, com os
níveis de divórcio, alcoolismo e suicídio semelhantes ao da média da população
do país.
A moral da
história é que, na melhor das hipóteses, um grande intelecto não faz diferença
em relação à sua satisfação com a vida. Na pior, ele pode significar uma
sensação maior de vazio.
Isso não
quer dizer que todo mundo com um QI alto seja um gênio torturado, como a
cultura popular nos faz crer. Mas ainda é assim, é algo intrigante. Por que os
benefícios de ter uma inteligência abençoada não aparecem a longo prazo?
Fardo pesado e
preocupação excessiva
Uma
possibilidade é a de que a consciência de alguém sobre seus próprios talentos
intelectuais tenha se tornado uma carga pesada. De fato, nos anos 1990, quando
alguns dos Termites tinham quase 80 anos, eles olhavam para trás e, em vez de
se vangloriar de seus sucessos, diziam ter sido perseguidos pela sensação de
que não corresponderam ao que esperavam atingir quando jovens.
Essa
sensação de fardo – principalmente quando combinada com as expectativas dos
outros – é uma constante para muitas outras crianças superdotadas. Um dos casos
mais famosos – e tristes – é o da britânica Sufiah Yusof. Admitida na
prestigiada Universidade de Oxford aos 12 anos, ela abandonou os estudos na
área de Matemática antes de se formar e começou a trabalhar como garçonete.
Depois disso, tornou-se garota de programa e ficou conhecida por recitar
equações para os clientes durante o sexo.
Outra
reclamação comum é a de que pessoas mais inteligentes geralmente têm uma visão
mais clara sobre os problemas do mundo. Enquanto o resto de nós se mantém
distante das crises existenciais, os gênios perdem o sono sofrendo pela
condição humana e pelos erros dos outros.
A
preocupação constante, de fato, pode ser um sinal de inteligência – mas não da
maneira que os filósofos de poltrona imaginaram. Alexander Penney, da MacEwan
University, no Canadá entrevistou estudantes universitários sobre vários
tópicos e descobriu que aqueles com o QI mais alto realmente se sentiam mais
ansiosos.
Mas
curiosamente, a maioria das preocupações era banal e cotidiana. “Eles não se
inquietavam por coisas muito profundas, mas se preocupavam mais frequentemente
sobre mais coisas”, diz Penney. “Se algo ruim acontecia, eles passam mais tempo
pensando naquilo.”
Ao examinar
com mais atenção, Penney também descobriu que isso se relaciona com a
inteligência verbal, testada em jogos de palavras nos exames de QI. Ele
acredita que uma maior eloquência pode ajudar o indivíduo a verbalizar suas
ansiedades e remoer mais seus pensamentos. O que não é necessariamente uma
desvantagem. “Eles tendem a solucionar problemas mais rapidamente do que a
maioria das pessoas”, afirma.
A verdade nua e
crua, no entanto, é que uma maior inteligência não equivale a tomar decisões
mais sábias. Na realidade, a situação pode até tornar as decisões mais
equivocadas.
Keith Stanovich,
da Universidade de Toronto, passou a última década preparando testes de
raciocínio e descobriu que decisões justas e independentes não estão nem um
pouco relacionadas ao QI.
Segundo ele, os
indivíduos que se saíam melhor em testes cognitivos padrão são na realidade um
pouco mais vulneráveis a terem um “ponto cego de predisposição”. Ou seja, eles
têm menos capacidade de enxergar seus próprios defeitos, mesmo quando são
capazes de criticar os pontos fracos dos outros.
Eles também tendem
a ser vítimas da “ilusão do apostador” – a ideia de que se uma moeda cai
indicando “cara” dez vezes, ela terá mais chances de cair em “coroa” na 11ª
vez.
Uma tendência a
confiar mais nos instintos do que no pensamento racional pode explicar porque
um número surpreendente de membros da associação britânica de superdotados
Mensa acredita em atividades paranormais. Ou por que alguém com um QI de 140
têm duas vezes mais chances de estourar seu cartão de crédito.
Stanovich enxerga
esses vieses em todas as camadas da sociedade. “Existe muita irracionalidade no
mundo de hoje – pessoas fazendo coisas irracionais apesar de terem uma
inteligência mais que adequada”, afirma. “Essas pessoas que ficam espalhando
memes antivacinação para pais ou disseminando erros de informação na Internet
são em geral pessoas com uma inteligência e uma educação acima da média.”
Obviamente, pessoas inteligentes podem ser perigosamente, e bobamente,
enganadas.
O lado bom
Portanto, se a
inteligência não leva a decisões racionais ou a uma vida melhor, quais as suas
vantagens? Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no Canadá, acredita que
temos que prestar mais atenção a um conceito antiquado: a sabedoria.
Sua abordagem é mais
científica do que parece. “O conceito de sabedoria tem uma qualidade etérea”,
admite. “Mas se olharmos para a pura definição de sabedoria, muitos vão
concordar que se trata da ideia de alguém que pode fazer um julgamento bom e
sem amarras”.
Em um experimento,
Grossmann apresentou a voluntários vários dilemas sociais – que iam desde o que
fazer sobre a guerra pela Crimeia a crises que leitores descrevem em colunas de
aconselhamentos sentimentais de jornais.
Conforme os
voluntários falavam, um painel de psicólogos julgava seus argumentos e sua
tendência a uma ideia preconcebida.
Os que mais
pontuaram acabaram predizendo maior satisfação com a vida, mais qualidade de
relacionamento, e menos ansiedades e preocupações – todas as qualidades que
parecem faltar a pessoas enquadradas no conceito clássico de inteligência.
Crucialmente,
Grossmann descobriu que um alto QI não necessariamente significa maior
sabedoria.
Aprender a
saber
No futuro,
empregadores podem começar a empregar testes como os de Grossmann para examinar
outras capacidades intelectuais em vez do QI. A área de recursos humanos do
Google, por exemplo, já anunciou que planeja avaliar candidatos com base em
qualidades como “humildade intelectual”, em fez de pura proeza cognitiva.
Felizmente, a
sabedoria pode vir do treino, segundo Grossmann. Ele ressalta que nós
normalmente temos mais facilidade em deixar para trás nossas predisposições
quando levamos outras pessoas em consideração em vez de nós mesmo.
Com isso, ele
descobriu que simplesmente falar sobre seus problemas na terceira pessoa (“ele”
ou “ela” em vez de “eu”) ajuda a criar a distância emocional necessária,
diminuindo preconceitos e levando a argumentos mais sábios. Novos estudos devem
gerar novos truques semelhantes.
O desafio vai
fazer com que as pessoas admitam seus próprios defeitos. Mesmo se você
conseguiu repousar sobre os louros da sua inteligência durante toda a vida,
pode ser muito difícil aceitar que ela vem atrapalhando seu julgamento. Como
disse o filósofo Sócrates, “o sábio é aquele que pode admitir que não sabe
nada”.