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david robson
Se você tivesse a chance de colocar um punhado de insetos
inofensivos dentro de uma máquina trituradora, iria gostar da experiência? E
que tal assustar um desconhecido com um barulho alto e insuportável?
Esses são alguns dos testes realizados pelo psicólogo
Delroy Paulhus na tentativa de entender as personalidades "nefastas"
que andam por aí.
Ele basicamente quer responder a uma pergunta que muitos
de nós já fizemos: por que algumas pessoas têm prazer em serem cruéis? Não
aquelas classificadas como psicopatas ou condenadas por crimes violentos, mas
especificamente os bullies das escolas, os trolls da internet e até membros da
sociedade tidos como respeitáveis, como políticos e policiais.
Segundo Paulhus, é muito fácil tirar conclusões rápidas e
simplistas sobre esse tipo de indivíduo. "Temos uma tendência a querer
simplificar o mundo dividindo as pessoas entre as boas e as más", afirma o
psicólogo, professor da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá.
Mas, segundo ele, existe uma "taxonomia" para
os diferentes tipos de maldade encontradas no dia-a-dia.
O interesse de Paulhus começou com os narcisistas –
indivíduos incrivelmente egoístas e vaidosos que atacam os outros para defender
sua própria autoestima.
Há pouco mais de uma década, um aluno seu, Kevin
Williams, sugeriu que explorassem a possibilidade de essas tendências ao
egocentrismo estarem ligadas a duas outras características desagradáveis: o
maquiavelismo (uma manipulação fria) e a psicopatia (uma insensibilidade aguda
e indiferença ao sentimento dos outros).
Juntos, os dois cientistas descobriram que os três traços
eram bastante independentes, apesar de às vezes coincidirem, formando uma
"Tríade do Mal".
A honestidade dos voluntários nos testes de Paulhus o
surpreendeu. Ele percebeu que os participantes que concordavam com frases como
"Gosto de provocar pessoas mais vulneráveis" ou "Não é uma boa
ideia me contarem segredos" geralmente se abriam sem pudor e tinham
passado por alguma experiência de bullying, na adolescência ou na vida adulta.
Essas pessoas também apresentaram uma tendência maior a
serem infiéis a seus parceiros e a trapacear em exames.
Paulhus notou ainda que essas características não
apareciam em um primeiro contato frente a frente com o voluntário. "Essas
pessoas estão lidando com a sociedade cotidianamente, por isso têm autocontrole
suficiente para não se meterem em confusão. Mas uma coisa ou outra em seu
comportamento acaba chamando a atenção", afirma o psicólogo.
Quando Paulhus começou a examinar a fundo essas mentes
macabras, outras perguntas foram surgindo. Por exemplo, será que as pessoas
nascem malvadas?
Estudos que comparam gêmeos idênticos e não-idênticos
sugerem que existe um componente genético relativamente grande para o
narcisismo e a psicopatia, enquanto o maquiavelismo parece ser mais
influenciado pelo ambiente.
Mas o fato de herdarmos alguns desses traços não nos
isenta de responsabilidades. "Não acredito que uma pessoa nasça com genes
de psicopata e que nada possa ser feito para que isso não se desenvolva",
afirma Minna Lyons, da Universidade de Liverpool, na Grã-Bretanha.
Basta olhar para os anti-heróis da cultura pop – James
Bond, Don Draper (do seriado Mad Man) e Jordan Belfort (o protagonista
de O Lobo de Wall Street) – para perceber que personalidades sinistras
são bastante sedutoras, uma descoberta sustentada por outros estudos
científicos.
Lyons e sua equipe descobriram ainda que indivíduos
notívagos tendem a apresentar mais características ligadas à maldade. Eles se
arriscam mais, são mais manipulativos e tendem a explorar outras pessoas.
Isso pode fazer sentido se pensarmos na evolução humana:
talvez as pessoas com uma personalidade hermética tinham mais chances de roubar
e ter relações ilícitas enquanto os demais dormiam, então acabaram evoluindo
para serem criaturas da noite.
Cantos obscuros
Recentemente, Paulhus começou a examinar mais
profundamente as partes mais sombrias da psique humana. "Preparamos
questionários com perguntas mais extremas e descobrimos que alguns voluntários
facilmente admitiam já ter causado dor em outras pessoas apenas por
prazer", conta.
Para ele, essa tendência não é apenas um mero reflexo do
narcisismo, da psicopatia ou do maquiavelismo, mas sim uma subespécie de
maldade, à qual deu o nome de "sadismo cotidiano".
O "triturador de insetos" propiciou a Paulhus e
seus colegas entender se aquilo se tratava de um comportamento verdadeiro. Sem
que os participantes soubessem, a máquina foi adaptada para dar aos insetos uma
saída, mas ainda assim produzia sons arrepiantes que imitavam o ruído dos
animais sendo esmagados.
Algumas pessoas eram tão sensíveis que se recusavam a
participar da experiência, enquanto outras demonstraram ter prazer na tarefa.
"Esses indivíduos foram os que marcaram mais pontos no meu questionário
sobre sadismo cotidiano", afirma Paulhus.
Caça aos trolls
Paulhus acredita que esse comportamento é semelhante ao
dos chamados trolls da internet. "Eles são a versão online do sadista
cotidiano porque passam um bom tempo procurando pessoas para atacar".
Um pesquisa anônima com indivíduos que deixam comentários
com teor de trolagem na rede concluiu que eles são os que marcam mais pontos
nos testes de personalidade cruel e têm o prazer como sua principal motivação.
Os estudos de Paulhus chamaram a atenção da polícia e de
agências militares, que querem trabalhar com ele para investigar por que
algumas pessoas abusam de suas posições.
"A preocupação dessas forças é que alguns indivíduos
escolham empregos junto a elas por acreditarem que terão um mandado para
infligir dor em outros", explica o psicólogo. Se for assim, poderiam ser
criados testes que filtrariam e eliminariam candidatos com uma personalidade
mais sombria.
Paulhus também está animado com os resultados de novas
pesquisas sobre "maquiavelismo moral" ou "narcisismo
comunitário" – pessoas com algumas características macabras mas que as
usam para algo positivo.
Ele lembra que pessoas com essa personalidade em geral
têm mais iniciativa e autoconfiança para realizar o que desejam. "Até
Madre Teresa de Calcutá tinha um lado mais frio", diz o psicólogo.
"Afinal, você não vai ajudar o mundo ficando bonzinho em casa."