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cláudia hammond
No intervalo, dei a ele um café bem forte, e ao fim do
segundo ato, ele estava bem mais quieto. Mas será que eu estava certa ao achar
que o café cortaria os efeitos da bebedeira?
Bem, a comunidade científica já está praticamente
convencida dos efeitos sedativos de uma grande quantidade de álcool. Nas primeiras
duas horas, quando a concentração de álcool no sangue é maior, a pessoa fica
mais alerta. Depois disso, e até cerca de seis horas após o consumo, aumentam
os indícios objetivos de sono.
A cafeína faz o contrário, tornando a pessoa mais alerta,
o que provavelmente levou à sedutora ideia de que uma xícara de café é capaz de
neutralizar os efeitos de meio litro de cerveja.
Conclusões contraditórias
Infelizmente, nada é tão simples. Historicamente, estudos
sobre o efeito da cafeína na capacidade de uma pessoa dirigir quando está
bêbada (em um laboratório, não na rua) têm apresentado resultados
contraditórios.
Alguns indicam que a cafeína reverte a lentidão dos
reflexos provocada pelo álcool, mas outros não provam isso.
Mais recentemente, uma pesquisa publicada em 2009 mostrou
indícios mais detalhados sobre a combinação de álcool com cafeína: os
cientistas deram álcool a ratos de laboratório e, em seguida, ofereceram o
equivalente a oito xícaras de café aos animais. Depois disso, eles pareciam bem
mais alerta, mas ainda tinham mais dificuldades de se movimentar por um
labirinto do que ratos que estavam sóbrios.
Portanto, a cafeína pode melhorar o cansaço induzido pelo
álcool, o que pode explicar por que um cafezinho depois de uma refeição é algo
tão popular em alguns países.
Mas a substância não pode tirar a sensação de estar
bêbado nem melhorar alguns problemas cognitivos causados pelo álcool.
Isso acontece porque temos que metabolizar o álcool
ingerido para que seus efeitos diminuam. E o corpo faz isso de várias maneiras.
Na maior parte das vezes, o álcool é quebrado no fígado
por duas enzimas, a álcool-desidrogenase e a aldeído-desidrogenase. Após muitas
outras etapas, o álcool é finalmente excretado na forma de água e dióxido de carbono.
O organismo leva cerca de uma hora para metabolizar uma
unidade de bebida alcóolica, mas em algumas pessoas esse processo é mais rápido
ou mais lento, dependendo de sua genética, de sua alimentação e da frequência
com que bebem.
A cafeína não acelera a metabolização do álcool.
No entanto, seus efeitos variam de acordo com a função
analisada. Um estudo, por exemplo, descobriu que uma grande dose de cafeína
pode neutralizar os efeitos negativos do álcool sobre a memória. Mas a sensação
de tontura permanece.
Sinais enganosos
Também há indícios de que a cafeína pode piorar as
coisas. Quando você se sente cansado pode ser mais fácil perceber que está
bêbado, mas como a cafeína tira a fadiga, você pode pensar que está sóbrio,
quando não está.
Isso pode explicar os resultados de um estudo de 2008
realizado com estudantes universitários americanos. Aqueles que escolhiam
bebidas contendo as duas substâncias, como vodca misturada a um energético,
tinham duas vezes mais chances de se machucarem em um acidente ou mais de duas
vezes mais chances de aceitar uma carona de alguém que não respeita o limite de
velocidade.
Esse efeito independia da quantidade de álcool consumida.
O estudo mostra como a cafeína pode enganar as pessoas,
fazendo-as sentir que estão recuperando a sobriedade, e as consequências
potencialmente desastrosas disso.
Por isso, se um dia eu for novamente ao teatro com meu
marido depois de ele ir a um almoço de fim de ano, saberei que o tempo é que
faz a diferença. Melhor escolher uma peça com um terceiro ato.