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josé vitor camelo
O primeiro
registro da seca no semiárido brasileiro, que engloba a maior parte da região
do Nordeste do país e o Norte de Minas Gerais, foi feito ainda no primeiro
século após o descobrimento. Desde então, milhares de pessoas já sofreram com a
falta de água e cada vez mais a região vem se adaptando e buscando formas mais
dignas para os que vivem em meio à ausência de água.
Diante da crise hídrica
que a região Sudeste do país vem enfrentando nos últimos meses é inevitável
comparar as duas situações. Para isso, O TEMPO ouviu um engenheiro
hidráulico, um ambientalista e um meteorologista, que tratam sobre as
diferenças entre as secas e as soluções que foram aplicadas no semiárido e que
também poderão auxiliar nestes tempos difíceis que vivemos.
De acordo com o
meteorologista Heriberto dos Anjos, do instituto TempoClima PUC Minas, a
diferença principal entre as duas secas se dá por conta da localização. "O
Sudeste está em uma posição mais latitudinal, que é mais propícia às chuvas. O
Nordeste sofre mais com a ação do fenômeno climático El Niño, consequência das
águas aquecidas no oceano Pacífico Equatorial, e que tem sido predominante nos
últimos oito meses", explica.
O período chuvoso no
Sudeste se dá pelas características do verão. Com o dia mais longo o calor
provoca um aumento na pressão atmosférica e gera um grande número de
precipitação. "O principal causador de chuva para nossa região são as
passagens das frentes frias, que formam o fenômeno de Zona de Convergência do
Atlântico Sul, com chuva durante vários dias seguidos. Ainda não se sabe o porquê
disso estar acontecendo agora, se é por causa do desmatamento da Amazônia, por
exemplo. O que temos é que a alta subtropical está mais posicionada para o
oceano, bloqueando a frente fria e gerando o que chamamos de veranico, estiagem
de 7 a 15 dias", finalizou.
Para o professor de
engenharia hidráulica e recursos hídricos da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Luiz Rafael Palmier, os problemas do sertão nordestino
ainda estão longe de serem completamente solucionados, mas o que tem sido feito
já serve de exemplo para a nossa região. "São problemas diferentes, já que
lá se trata de levar água para pequenas populações dispersas em uma longa área
e aqui se trata em garantir o fornecimento para grandes aglomerações de pessoas
em um único espaço", explica.
Para ele, existem duas
formas de reduzir a escassez hídrica: aumento de oferta e diminuição de
demanda. A primeira delas se resume basicamente a medidas como transposição de
água de uma bacia para outro local (como a do rio São Francisco), captação de
água da chuva em cisternas e perfuração de poços artesianos, sendo que a última
não é muito utilizada no Nordeste por conta de água salobra (com maior presença
de sais), impróprias para o consumo.
"Aqui em Minas, no
Rio e também em São Paulo já está se falando em transposição de águas.
Entretanto, isso se trata de algo mais demorado. No Nordeste, um programa do
governo federal que vem tendo sucesso é o que disponibiliza cisternas que
captam a água que cai no telhado das casas das pessoas e que também seria de
boa aplicação aqui na nossa região", disse.
Entretanto,
diferentemente do semiárido, essa água captada da chuva no Sudeste dificilmente
seria usada da mesma forma que pela população que enfrenta a seca durante toda
a vida, já que para eles se trata de sobrevivência. "Aqui seria mais para
limpeza, molhar plantas e afins. Não para consumo e higiene pessoal",
garante Palmier.
Segundo o engenheiro, a quantidade mínima de água a
ser consumida por pessoa diariamente indicada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) seria de 100 litros por dia. As cisternas costumam ter uma
capacidade média de 16 mil litros e, com isso, um dispositivo para uma única
pessoa daria para 160 dias (5 meses). "Normalmente ela é usada por uma
família inteira no período de seca. No Gabão as pessoas vivem com 4,5 l por
dia", disse.
A segunda forma de
solucionar a escassez hídrica se trata da diminuição da demanda, que consiste
basicamente no que já está sendo adotado pela Companhia de Saneamento de Minas
Gerais (Copasa), visando a redução no consumo. Em Belo Horizonte, o consumo
médio diário por pessoa está em cerca de 200 litros, ainda de acordo com
Palmier. "A Copasa pede economia de 30%, quando com base na indicação da
OMS poderia haver uma redução de 50% no consumo", garante.
No Nordeste, medidas como fechar a torneira para
escovar dente, se ensaboar com o chuveiro fechado e ficar atento à vazamento
parecem medidas absurdas, já que muitos deles praticamente não tem acesso a
nenhuma das facilidades que um sistema de fornecimento de água garante para
nossa população.
"O Nordeste está
mais preparado"
Para o ambientalista e
idealizador do projeto Manuelzão, Apolo Heringer, a região Nordeste está mais
preparada que a Sudeste por serem donos do maior sistema de açudes do mundo,
sendo que alguns estados reúnem 35 bilhões de metros cúbicos de água.
"Entretanto, esse é um bem para poucos, já que os açudes perdem muita água
por evaporação sem ser distribuída para a população que realmente
precisa", argumentou.
Ainda segundo ele, as
plantações de cana de açúcar que tomaram conta da região desde o início da
colonização acabaram com a maior parte dos rios, transformando bacias
permanentes em intermitentes. "Por causa desses danos que contribuem para
a seca, o Nordeste tem outorga limitada. Enquanto isso no Sudeste, que nunca
viveu com esses problemas, a água é extraída praticamente gratuita e
ilimitadamente", afirmou Heringer sobre a concessão para retirada de água
de lençóis freáticos ou rios por parte de pessoas e empresas.
O ambientalista afirma que enviou à presidente
Dilma Rousseff, em outubro do ano passado, uma proposta para aumentar a
infiltração da água no solo na região sudeste, aumentando assim o nível dos
lençóis freáticos. "Ainda não recebi nenhuma resposta sobre o assunto. A
proposta prevê pequenas obras para retardar o caminho da água. Funciona assim:
vai colocando obstáculos, como pedras, forçando a água que corre a parar e se
infiltrar no solo. Isso deveria ser adotado juntamente com o não desmatamento,
que é o mínimo para manter o funcionamento do ecossistema", explicou.