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O que significa jihad?
A palavra "jihad" é amplamente
utilizada – muitas vezes de maneira imprecisa – por políticos ocidentais e pela
mídia.
Em árabe, a palavra significa
"esforço" ou "luta". No islã, isso pode significar a luta
interna de um indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma
boa sociedade muçulmana ou uma guerra pela fé contra os infiéis.
Qual é a diferença entre os jihadistas e os muçulmanos?
O termo "jihadista" tem sido usado por
acadêmicos ocidentais desde os anos 1990, e mais frequentemente desde os
ataques de 11 de setembro de 2001, como uma maneira de distinguir entre os
muçulmanos sunitas não violentos e os violentos.
Muçulmanos têm, a rigor, o objetivo de reordenar
o governo e a sociedade de acordo com a lei islâmica, chamada de sharia.
No entanto, jihadistas entendem que a luta
violenta é necessária para erradicar obstáculos para a restauração da lei de
Deus na Terra e para defender a comunidade muçulmana, conhecida como umma,
contra infiéis e apóstatas (pessoas que deixaram a religião).
Se a umma é ameaçada por um agressor,
eles sustentam que a jihad não é só uma obrigação coletiva (fard kifaya), mas
também um dever individual (fard ayn), que deve ser cumprido por todos os
muçulmanos capazes, assim como as preces rituais e o jejum durante o Ramadã.
O termo "jihadista" não é usado por
muitos muçulmanos porque eles acreditam que se trata de uma associação
incorreta entre um conceito religioso nobre e a violência ilegítima. Em vez
disso, eles usam o termo "pervertidos", com a ideia de que muçulmanos
envolvidos em atos violentos se desviaram dos ensinamentos religiosos.
Todos os jihadistas querem a mesma coisa?
Jihadistas compartilham dos mesmos objetivos básicos de
expandir o islã e contrapor-se ao perigo que pode atingi-lo, mas suas
prioridades podem variar. Um estudo recente de Thomas Hegghammer, do
Departamento de Pesquisa de Defesa da Noruega, identificou cinco objetivos mais
proeminentes:
§
Mudar a organização política e social do Estado.
Por exemplo, o Grupo Armado Islâmico (GIA) e o antigo Grupo Salafista para
Pregação e Combate (GSPC) lutaram por uma década contra as forças de segurança
da Argélia, com o objetivo de derrubar o governo e criar um Estado islâmico.
§
Estabelecer soberania em um território
percebido como ocupado ou dominado por não muçulmanos. O grupo baseado no
Paquistão Lashkar-e-Taiba (Soldados da Pureza, em tradução livre) se opõe ao
controle da Caxemira pela Índia, enquanto o grupo Emirado do Cáucaso quer criar
um Estado islâmico nas "terras muçulmanas" da Rússia.
§
Defender a umma de ameaças externas não
muçulmanas. Isso inclui jihadistas focados em lutar contra o que eles chamam de
"inimigo próximo" (al-adou al-qarib) em áreas confinadas – como
árabes que viajaram para a Bósnia e a Chechênia para defender muçulmanos desses
locais contra exércitos não muçulmanos – e "jihadistas globais" que
combatem o "inimigo distante" (al-adou al-baid), que na maioria dos
casos é o Ocidente. A maioria destes são afiliados à Al-Qaeda.
§
Corrigir o comportamento moral de outros
muçulmanos. Na Indonésia, justiceiros deixaram de usar paus e pedras e passaram
a atacar pessoas com armas e bombas em nome da "moralidade" e contra
"desvios".
§
Intimidar e marginalizar outros grupos
muçulmanos. O grupo Lashkar-e-Jhangvi (Soldados de Jhangvi, em tradução livre)
realizou durante décadas ataques violentos contra os xiitas paquistaneses, que
eles consideram hereges. O Iraque também sofre com a violência sectária.
Leia
mais: De onde vem o dinheiro que financia grupos extremistas islâmicos?
Os jihadistas dividem o mundo em "reino do
islã" (dar al-Islam), terras sob a lei muçulmana, e o "reino da
guerra" (dar al-harb), terras que não seguem a lei muçulmana e onde, em
determinadas circunstâncias, a guerra em defesa da fé pode ser aprovada.
Líderes e governos muçulmanos que os jihadistas
acreditam terem abandonado as recomendações da sharia são considerados como
estando fora do "reino do Islã", o que os tornaria alvos legítimos de
ataque.
Por que civis são mortos?
Grupos jihadistas atingiam civis antes do
crescimento da Al-Qaeda, mas isso resultou em violência contra eles mesmos, em
uma escala que até então não tinham imaginado.
Em 1998, Osama Bin Laden e os líderes de quatro
grupos jihadistas no Egito, no Paquistão e em Bangladesh assinaram uma
declaração de guerra total contra os Estados Unidos e seus aliados, e pediram
que tanto soldados quanto civis fossem alvejados.
O profeta Maomé disse que exércitos muçulmanos
deveriam fazer o possível para evitar machucar crianças e outros não
combatentes.
A declaração assinada pelos grupos, no entanto,
afirma que matar os não combatentes é um ato de reciprocidade pela morte de
civis muçulmanos. Após os acontecimentos de 11 de setembro de 2011, Bin Laden
tentou justificar o ataque a civis dizendo que, como cidadãos de um Estado
democrático que elegeu seus líderes, eles também eram responsáveis pelas ações
dos governantes.
Atingir civis muçulmanos em ataques tem se
provado ainda mais polêmico. Em 2005, o então segundo em comando de Bin Laden,
Ayman Al-Zawahiri, aconselhou o ex-líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab
Al-Zarqawi, contra a ideia de matar civis xiitas. Al-Zawahiri afirmou que
"isso não será aceito pelo povo muçulmano não importa o quanto você tente
explicar".
O uso de táticas semelhantes no Iraque e na
Síria pelo grupo autodenominado "Estado Islâmico" (anteriormente
conhecido como Isis), que nasceu da Al-Qaeda no Iraque, foi um dos motivos
pelos quais Al-Zawahiri, já ocupando o lugar de Bin Laden, renegou o grupo em
fevereiro de 2014.
Por que os Estados Unidos costumam ser o alvo principal?
Em uma declaração em 1998, Osama Bin Laden
acusou os Estados Unidos de "ocupar as terras do islã no lugar mais
sagrado de todos, a península Arábica, saqueando suas riquezas, impondo-se a
seus líderes, humilhando seus povos, aterrorizando seus vizinhos e
transformando suas bases na península na ponta de lança com a qual lutam contra
os povos muçulmanos na região".
Segundo Bin Laden, esses "crimes e
pecados" configuravam uma "clara declaração de guerra contra Alá,
contra seu mensageiro e contra os muçulmanos".
Em 2013, dois anos após a morte de Bin Laden,
Ayman Al-Zawahiri escreveu em suas "diretrizes gerais para a jihad"
que "o objetivo de atacar a América é exauri-la e fazê-la sangrar até a
morte, para que ela tenha o mesmo destino da ex-União Soviética e desabe sobre
seu próprio peso, como resultado de suas perdas militares, humanas e
financeiras. Consequentemente, seu controle sobre nossas terras enfraquecerá e
seus aliados cairão um após o outro".
Qual é o tamanho dos Estados islâmicos que eles querem estabelecer?
Muitos grupos jihadistas buscam estabelecer
Estados islâmicos em seus respectivos países de origem, como o Boko Haram na
Nigéria e o Movimento Islâmico do Uzbequistão.
Outros grupos querem criar um
"califado" – governado de acordo com a sharia pelo califa, que
significa "substituto de Deus na Terra" – que se espalhe por diversas
regiões. Alguns, como a Al-Qaeda, querem reestabelecer o antigo califado que se
estendia da Espanha e norte da África até China e Índia.
O líder do grupo, Ayman Al-Zawahiri, prometeu
"libertar todas as terras muçulmanas ocupadas e rejeitar todo e qualquer
tratado, acordo ou resolução internacional que dê aos infiéis o direito de
tomar terras muçulmanas", incluindo a Palestina história, a Chechênia e a
Caxemira.
Já o líder do grupo autodenominado "Estado
islâmico", Abu Bakr Al-Baghdadi, também diz querer "demolir" as
fronteiras estabelecidas pelo Acordo de Sykes-Picot, de 1916 (que delimitou as
zonas de influência britânica e francesa no Oriente Médio após a Primeira Guerra
Mundial). Seu grupo já declarou a criação de um califato que se estende pelo
leste da Síria até o oeste do Iraque.
O "Estado islâmico" e a Al-Qaeda
também têm métodos diferentes de estabelecer a lei islâmica. A abordagem da
Al-Qaeda é mais de longo prazo, enquanto o "Estado islâmico" procura
implementar imediatamente sua versão da sharia em seus territórios.
Há grupos jihadistas xiitas?
Há grupos militantes de muçulmanos xiitas que
são, por natureza jihadistas. No entanto, eles são muito diferentes dos grupos
sunitas. De acordo com a tradição xiita, os mujtahids – estudiosos religiosos
mais antigos – possuem a autoridade para declarar uma jihad
"defensiva". Mas somente o 12º imã (alto líder religioso) – que
desapareceu há 1.100 anos, mas é considerado vivo pelos xiitas – poderia
declarar uma jihad "ofensiva" quando retornar.
Durante séculos, a maioria dos sacerdotes xiitas
defendia o não posicionamento político, enquanto esperavam o retorno do imã.
Mas essa perspectiva mudou nos anos 1960 e 1970, dando origem ao ativismo que
culminou na revolução de 1979 no Irã e no estabelecimento de uma República
Islâmica no país.
Recentemente, a natureza sectária do conflito na
Síria fez com que grupos xiitas apoiados pelo Irã ajudassem as forças leais ao
presidente Bashar Al-Assad, membro da minoria xiita alauíta. Os grupos e seus
milhares de lutadores "voluntários" – que vêm do Iraque, do Irã, do
Líbano e do Iêmen – dizem que estão na Síria para defender o santuário xiita de
Sayyida Zaineb, em Damasco.
O grupo libanês Hezbollah diz que seus membros
mortos na Síria são mártires que morreram "cumprindo deveres
jihadistas". Da mesma forma, o avançao do "Estado islâmico" no
Iraque em 2014 também teve a mobilização de milícias xiitas para defender locais
sagrados contra o grupo sunita.