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olivia de cássia
O
crack surgiu no Brasil na década de 1990 e é uma das drogas mais avassaladoras
da atualidade. Para vencê-lo é preciso que o dependente químico tenha coragem,
força de vontade, determinação e, sobretudo, o apoio da família. De cinco a
sete vezes mais potente do que a cocaína, essa droga é também mais cruel e
mortífera, porque vicia logo no início de seu consumo.
Sintomas
como dores de cabeça, tonturas e desmaios, tremores, magreza, transpiração,
palidez e nervosismo atormentam o usuário de crack. Outros sinais como euforia,
desinibição, agitação psicomotora, taquicardia, aumento de pressão arterial e
transpiração intensa, além de queimaduras nos lábios, na língua e no rosto pela
proximidade da chama do isqueiro no cachimbo, no qual a pedra é fumada são
percebidos de imediato.
Marcos
José Morais tem 29 anos, é casado, tem dois filhos e dois enteados e começou a
fazer uso do crack aos 18. Ele disse à reportagem que está há mais de um mês
sem usar, mas o vício causou afastamento da família, falta de convívio social e
problemas bucais, além de ter abalado a sua moral. “Mudei de comportamento; o
crack modifica quem faz o uso e me transformei em outra pessoa, a partir do
momento que comecei a pegar o que era dos outros, já cheguei a vender muita
coisa de casa para sustentar o vício”, observa.
Segundo
Marcos José, o uso do crack fez com que ele passasse nove dias sem voltar para
casa, sem tomar banho e isso afetou muito a sua vida. “Hoje eu tenho o apoio da
minha família e da minha mulher, mas já nos afastamos por conta do vício, agora
estamos nos reaproximando. Estou trabalhando e cada dia é um dia a se vencer”,
avalia.
Marcos
José não está fazendo tratamento psicológico, mas conta que já ficou internado
involuntariamente por três vezes e voluntariamente por cinco. “Já fiz
muita coisa errada por conta do crack, já gastei muito dinheiro, a saúde
e fiz coisas ilícitas para sustentar o vício”, pontua.
O
dependente químico conta ainda que começou a usar o crack por curiosidade, não
tinha informação sobre os problemas que causava à saúde e á vida pessoal e foi
na ilusão. Para se acabar com o crack ele diz que é preciso fechar as
fronteiras, “para impedir o tráfico da droga; o dependente químico não assiste
televisão e campanha não adianta muito”, avalia.
Há
três anos sem usar o crack, adicto em tratamento diz que é possível vencer a
droga
Aos
39 anos e trabalhando no setor administrativo em uma clínica para dependentes
químicos em uma pequena cidade do interior do Estado, José Anderson Oliveira
dos Santos está em recuperação e conta que iniciou o uso de drogas aos 15 anos
de idade, com álcool e maconha e perambulou pelas ruas durante cinco anos.
Anderson
Oliveira conta que durante todo o período da sua juventude foi usando álcool e
maconha. “Depois conheci o crack, fiz uso por cinco anos e nesse tempo minha
vida foi totalmente destruída: perambulei pelas ruas; passava dois, três dias
sem voltar para casa. O crack veio para destruir, mas o que vejo hoje é que é
possível vencê-lo”, avalia.
Anderson
destaca que por conta do uso dessa droga perdeu o emprego, dormiu na rua e foi
submetido a tratamento buscado pela esposa. Em 21 de março de 2011 ele conta
que foi internado e passou por seis meses de tratamento na própria clínica
involuntária onde hoje trabalha, recebeu alta no dia 21 de setembro do mesmo
ano e conseguiu trabalho na instituição em funções mais laborais.
“Fiquei
em tratamento por seis meses e temia voltar à sociedade. Eu me perguntava: como
ser empregado mais uma vez?, mas na própria instituição que fui tratado eu vi a
possibilidade de emprego; hoje eu ocupo cargo na parte administrativa da
clínica e isso para mim foi uma vitória; estou limpo há três anos, sete meses
e 25 dias. O dia mais importante é o dia de hoje, que nem usei e
nem pretendo usar”, argumenta.
Na
clínica onde Anderson Oliveira foi tratado e trabalha tem 75 internos; todos do
sexo masculino e a maioria tem internamento involuntário. Ele conta que o
interno passa no local por tratamento psicológico e psiquiátrico; terapia
individual e em grupo, além da terapia ocupacional. “Tem pacientes que é
necessário o uso da medicação; no meu caso, não foi preciso, não fiz uso de
medicação psicotrópica”, ressalta.
Apesar
de dizer que o Estado está amadurecendo com relação à questão das drogas, ele
observa que ainda está muito longe de ser o ideal. “Hoje temos grupos de
autoajuda que auxiliam na prevenção e na manutenção do tratamento e no apoio.
Eu tive o apoio da minha esposa, porque o restante da minha família, mãe e
irmãos já tinham perdido a esperança, já tinham desistido de mim”, diz.
Da
mesma forma que a maioria dos dependentes químicos do crack, Anderson dos
Santos conta que também se desfez de vários objetos de casa: vendeu
panelas, ferro elétrico, batedeira, até a moto que tinha. “Enquanto eu
usava a maconha e o álcool, não me prejudicava, mas eu não acreditava que teria
algo pior para me prejudicar, como o crack o fez. Quando eu usava maconha e
álcool conseguia trabalhar; o crack não, ele tirou tudo de mim”, explica.
“O
crack tem a capacidade de produzir mil vezes mais do que a sensação normal, é
uma sensação assoberbada, por um período muito curto, por isso que o dependente
químico o procura. Usar drogas é ótimo; é muito bom, mas o que ela proporciona
posteriormente é algo na mesma escala; é destruidor e a questão das
consequências é o que deve pesar no indivíduo. Avalio que a prevenção é a maior
ferramenta que nós temos hoje”, destaca.
O
dependente químico em tratamento conta que na clínica tem um projeto de
responsabilidade social: “Vamos às escolas, às empresas; outras já vêm nos
solicitando, pedindo para falar um pouco sobre a questão das drogas, para que
haja prevenção. Se eu tivesse tido, quando pequeno, uma palestra sobre isso,
as causas, os efeitos e as consequências, talvez eu não tivesse entrado
nas drogas, assim como muitos jovens hoje”, avalia.
Muitas
vezes o dependente volta para casa e encontra o ambiente do mesmo jeito,
insalubre. Anderson explica que orienta de alguma forma o familiar para que
participe do tratamento do dependente, pois, segundo avalia, a cura
começa com a participação da família, se não tiver isso o tratamento não
funciona.
Anderson
acrescenta que todos os setores da sociedade têm que se unir no combate às
drogas, com grupos de autoajuda, igrejas, grupos de jovens, ONGs e outras
entidades. “Tem que ter uma matéria sobre dependência química na escola e
mostrar as consequências, principalmente, o assunto é vasto, isso tem que ter”,
pontua.
Desagregação
familiar, preconceito social e desleixo com a aparência são efeitos do crack
Para
o psicólogo comportamental e professor universitário alagoano Roberto Lopes
Sales, o uso do crack causa uma desagregação total na família e o perfil do
usuário ou adicto é de pessoas solteiras, de 30 anos a menos; classe social
relativamente baixa e que têm isolamento social. Ele lembra que essa droga
provoca sérios danos neurológicos e observa que o tratamento é muito difícil
porque há uma resistência muito grande.
Segundo
Roberto Lopes Sales, o apoio da família é muito importante. “Muitas pessoas
entram no crack e dificilmente saem, mas com ajuda psicoterápica,
farmacológica, principalmente apoio familiar e social e a questão do trabalho,
é possível vencer, pois o tratamento não se volta apenas para a questão médica
com ingestão de alguns remédios”, observa.
O
psicólogo ressalta que toda pessoa que adere à utilização de drogas e se torna
um adicto (termo mais correto) é visto excluído da sociedade e as pessoas o
veem como irresponsável, que não assume compromisso com outrem, naturalmente
egoísta, só pensa nela, ao invés de lembrar na verdade dos fatores que levaram
essa pessoa a consumir indiscriminadamente a droga.
O
psicólogo observa que o efeito maléfico da droga não é só para o indivíduo. O
crack provoca uma desagregação familiar total, isolamento social, porque causa
descompromisso com relação à situação de responsabilidade no trabalho e na
família, consigo próprio, no que diz respeito à higiene, alimentação,
vestuário, entre outras questões.
DESAJUSTES
“As
famílias às vezes se esquecem de perceber que existem alguns desajustes
familiares para que se eleja uma determinada pessoa para se colocar como bode
expiatório como o desajustado e aí naturalmente esta pessoa começa a
desenvolver a aderir a uma droga. Quando acontece esse desequilíbrio ao próprio
indivíduo, naturalmente vem à tona o próprio desequilíbrio familiar”, pontua.
Segundo
Roberto Lopes Sales, muitas vezes as pessoas começam a usar por curiosidade e
diante de uma primeira, segunda ou terceira experimentada, já está viciada. “O
efeito não é o mesmo da cocaína, que é cara e dura em média até 45 minutos, o
‘barato’ do crack dura cinco minutos e as pessoas que querem ‘ficar legais’ e
terem um efeito de ficar mais leve ou eufórico e ter uma falsa sensação de
bem-estar, essas pessoas sentem a necessidade de uso constante”, explica.
Segundo
o especialista, algumas mães chegam a amarrar o filho ou colocá-lo em uma
clínica à força, mas se o dependente não quiser se trabalhar, logo vai voltar à
utilização das drogas. Roberto Sales avalia ainda que para minimizar a questão
das drogas no país é necessário que haja programas de governo, nas três instâncias
e o apoio social e familiar à pessoa que tenta sair das drogas. “Essas pessoas
precisam de apoio, para se sentirem fortalecidas e saírem do vício”, analisa.
O
psicólogo comportamental explica também que com o passar do tempo os adictos
deixam de ter delírios simples e chegam a situações mais graves como
comportamentos violentos podendo chegar à morte. Ele orienta que quando as
pessoas começarem a perceber que seus filhos têm comportamentos isolados, não
conversam e o ideal é chegar até eles, para que não façam uso de drogas.
Além
de matar, droga traz miserabilidade
Segundo
a presidente do Fórum Permanente de Combate às Drogas em Alagoas (FPCD), Noelia
Costa Amaral, o crack, além de matar, traz muita miserabilidade e tem um poder
de mercado muito grande; é um vício que não tem cura. “O crack está em todas as
classes e da mesma forma que está na favela Sururu de Capote está no
Aldebaran”, avalia.
Noelia
Costa destaca que o consumo do crack criou uma mendicância nas ruas, também em
Alagoas. Ela disse que as pessoas ficam como zumbis e até hoje não houve um
plano eficaz em relação a isso e que não tem programas governamentais e nem
políticas públicas para combater o vício.
Alguns
estudiosos avaliam que o preconceito contra o dependente químico do crack tem
efeito mais devastador do que a própria droga. A presidente do FPCD diz que
existe, sim, um preconceito velado na sociedade contra o dependente químico ou
adicto: seja do álcool, da maconha, do crack ou de qualquer outra droga.
“A
família fica com medo de falar, porque sabe que pode ser estigmatizada e isso
prejudica tanto a família quanto o usuário”. Segundo Noelia Costa, as pessoas
têm uma visão errônea, achando que o dependente químico é um vagabundo; e não
é. “O vício vem de várias situações, você pode ter uma pré-disposição; ou por
conta de uma ansiedade ou outro problema adquirido”.
Ela
pontua que para combater o vício, é preciso que as campanhas tenham um alcance
maior. “É preciso alcançar a todos: usuário, pai, mãe e toda a família; da
criança ao adulto. Estamos carentes de campanhas educativas, de prevenção que
não existe, no sentido maior, de você prevenir hoje, como a questão da Aids e
do tabaco, por meio de campanha educativas na televisão, nas carteiras de
cigarro, mas nós não temos isso no crack”, pontua.
Sociedade
precisa estar alerta e fazer trabalho de prevenção
Para
Noelia Costa, é preciso alertar a sociedade, fazer um trabalho de prevenção,
por meio dos governos. “O Fórum Permanente de Combate às Drogas existe desde
2007 e desde essa época nós alertamos sobre o crack e já conseguimos salvar
algumas vidas que hoje estão resgatadas, porque conseguiram a informação de
saber onde se tratar, mas ainda é muito pouco”, avalia.
A
presidente da entidade explica que existem várias ferramentas que podem ser
usadas para minimizar os efeitos do crack na sociedade, como os centros de
apoio, a exemplo dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), Casa do
Acolhimento, entre outras. Segundo Noelia Costa, poucas pessoas sabem
disso.
“Também
existe a lei. Se uma mãe tem um filho correndo risco de morte, ela pode ir a
uma Defensoria Pública e relatar o fato, dizer que precisa interná-lo,
involuntariamente, e a Defensoria pode dar um aporte para isso, provocar o
Estado e acontece a internação”, explica.
Segundo
Noelia Costa, é necessário que haja muito mais informação a respeito da droga,
para que as pessoas saibam que podem ter apoio, se decidirem por isso. Ela
observa ainda que a sociedade está adoecida e é preciso que não haja medo e
preconceito para com o dependente químico.
A
presidente do Fórum observa que toda dependência química é grave e quem é
dependente nunca vai ficar curado: “Vai ficar só por hoje; é uma doença mental,
porque quando se usa a substância termina gerando comportamentos diversos;
talvez seja por isso que existe tanto preconceito; mas avalio que existe uma
luz no fim do túnel, existem saídas, tratamento e a pessoa continua sempre em
recuperação”, explica.
Noelia
Costa lembra que existe uma questão muito forte na sociedade: o tráfico é organizado
e é difícil combatê-lo, mas ela chama a atenção com relação ao álcool, uma
droga que está matando muito mais e não existe fiscalização da venda para
menores no Brasil. Ela destaca que é preciso mais investimentos com
relação à prevenção. “Vejo muitas desgraças, por causa das drogas, mães que
ligam desesperadas, com filhos viciados e tento ajudar, ligo de volta, consigo
tratamento, mas não é sempre”, destaca.
Segundo
pesquisa, em Alagoas, 30 mil pessoas usam crack
Pesquisas
nacionais, realizadas pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) indicam
que cerca de 1% da população esteja no uso ativo do crack, o que em Alagoas
corresponde a cerca de 30 mil pessoas. Atualmente, nas comunidades acolhedoras,
existem 945 pessoas, entre adolescentes, homens e mulheres. Todos eles passam
por um tratamento gratuito e voluntário.
Segundo
a assessoria de imprensa Secretaria de Estado da Paz (SepazAL), a permanência
dos dependentes químicos nesses locais é custeada pelo Estado (cerca de 80% das
vagas) e pelo governo federal (cerca de 20% das vagas). Existem ao todo 1.356
vagas, sendo que 411 ainda estão disponíveis. Há 30 comunidades
acolhedoras credenciadas dentro do Projeto Acolhe Alagoas.
“Elas
recebem as pessoas encaminhadas pela Secretaria, após a triagem feita nos dois
Centros de Acolhimento, que são a porta de entrada para esse serviço. As
comunidades são credenciadas pela Sepaz, por meio de um edital público, no qual
elas devem atender a uma série de requisitos, e também devem ser aprovadas pelo
Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (Coned). Só depois disso, portanto,
elas podem participar do Projeto Acolhe Alagoas e receber as pessoas
encaminhadas pela instituição”, explica a assessoria da Sepaz.
A
triagem dos dependentes químicos é feita assim que a pessoa chega a um dos dois
Centros de Acolhimento da Sepaz (em Maceió ou Delmiro), segundo a informação.
Em Maceió, o atendimento consiste numa consulta com psicólogo, psiquiatra,
assistente social e enfermeiro, onde o dependente faz exames clínicos para constatar
se tem algumas doenças transmissíveis - inclusive DSTs, ou mesmo para averiguar
se ele tem algum distúrbio mental.
Após
toda essa triagem, a pessoa é encaminhada para a comunidade que mais se adequa
ao seu perfil. O acolhimento dura entre três e seis meses, mas a pessoa pode
desistir a qualquer momento, já que é voluntário. Os casos involuntários são
tratados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).
Vale
ressaltar que não existe lista de espera para o acolhimento nessas comunidades.
A pessoa é atendida imediatamente nos Centros de Acolhimento e logo encaminhada
para uma das comunidades. Quando não vai ao Centro de Acolhimento, a pessoa ou
sua família pode solicitar a visita domiciliar dos Anjos da Paz, no telefone
0800 280 9390. Os Anjos atendem em qualquer município do Estado.