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Existem quase 194
milhões de cartões de crédito e débito no Brasil. E o Brasil é pioneiro no uso
do chip, uma tecnologia considerada supersegura. Só que bandidos conseguiram
quebrar essa barreira de segurança e estava clonando cartões com chip, o que
nunca tinha acontecido.
André Alves da Silva e
Bruno Alves da Silva. O mesmo sobrenome não é uma coincidência. Eles são
irmãos, gêmeos idênticos. E parceiros no crime.
Bruno Silva: Tô naquele trampo do chipzinho, tá ligado?
Homem desconhecido: Tô ligado
Bruno Silva: Aquele que tú insere bonitinho e vai embora.
Segundo a Polícia Civil
do Rio, André e Bruno chefiaram uma quadrilha até a última terça-feira. Eles
criavam cópias perfeitas de cartões de crédito e débito e conseguiam fazer
compras e saques fraudulentos.
Fantástico: Houve então a clonagem desses cartões com
chip?
Rodrigo Freitas, delegado: Há fortes indícios de que essa quadrilha
de carders conseguiu a clonagem.
O Brasil é considerado
um dos pioneiros em sistemas de segurança contra clonagem de cartões e as
fraudes também costumam chegar primeiro por aqui. Não é de hoje que cartões são
clonados. Muita gente deve se lembrar do ‘chupa-cabra’. Aquele equipamento
instalado por golpistas em caixas eletrônicos para roubar dados dos cartões.
Para acabar com a farra dos ‘chupa-cabras’, foi criado o chip. Um
microprocessador, parecido com o processador do computador, só que bem menor,
que consegue receber e repassar informações de forma segura. Os chips armazenam
dados criptografados, ou seja, informações embaralhadas por um sistema que
apenas os bancos conseguem decifrar.
Mas pela primeira vez
essa tecnologia sofisticada foi violada. E não só pelo bando dos gêmeos. É algo
que já acontece em outros pontos do Brasil.
Um vídeo obtido, com
exclusividade, pelo Fantástico mostra o momento em que um delegado da Polícia
Civil de Curitiba e um perito de uma operadora de terminais de pagamento
analisam o material apreendido em uma operação.
“Um técnico de uma
instituição financeira veio até aqui a delegacia e comentou conosco que aqueles
equipamentos ali já estavam aptos a burlar aquele sistema de segurança dos
chips dos cartões bancários”, conta o delegado Marcelo de Oliveira.
Os bandidos se
preocupavam somente com o chip. A tarja magnética desses cartões era apenas um
enfeite.
“Então ele pintou o
lugar da tarja magnética, e aí você não lê nada”, diz o técnico de uma
instituição financeira para o delegado Marcelo Oliveira.
Lorenzo Parodi é
especialista em fraudes bancárias e monitora a ação de quadrilhas ao redor do
mundo. Ele destaca o ineditismo do golpe
“Esse tipo específico de
fraude, não tinha visto ainda no Brasil. Há falhas e essas falhas são
exploradas”, diz Lorenzo Parodi, especialista em fraudes bancárias.
As fraudes em nosso país
acenderam um sinal de alerta nos Estados Unidos e em alguns países da Europa,
que estão em fase de adoção dos cartões com chip. Steven Murdoch, professor da
universidade de Londres e um dos maiores estudiosos em tecnologia de transações
bancárias, confirma: “Existem relatos de cidadãos americanos, que viajaram ao
Brasil e tiveram seus cartões clonados lá. Cada país tem uma fraude diferente.
Mas esses criminosos trocam informações entre eles. Se tem uma fraude na
Inglaterra ou na França, ou ela já está acontecendo no Brasil ou vai acontecer
muito em breve”, diz Steven.
Essa troca de informação
entre os criminosos é tão grande que, na internet, eles até brincam com cartões
clonados.
A quadrilha dos gêmeos
foi desarticulada há poucos dias. Imagens mostram o fim de uma investigação
feita pela Delegacia do Aeroporto Internacional do Rio. Dos 17 mandados de
prisão, 10 foram cumpridos. Mas apenas um dos gêmeos, Bruno Alves da Silva,
está na cadeia. O outro gêmeo, André Alves da Silva, continua foragido.
De acordo com o
delegado, nos últimos oito meses, os bandidos movimentaram, no mínimo, R$ 4
milhões. Compraram carros e muito mais. Segundo a polícia, um dos gêmeos, o
Bruno, comprou uma casa, em um condomínio na Zona Oeste do Rio há pouco tempo.
Pagou R$ 840 mil pelo imóvel. As investigações mostraram que tanto o dinheiro
dessa negociação, quanto o usado para a reforma, vieram da clonagem de cartões.
Uma casa confortável, de dois andares, com piscina, quatro quartos e toda
mobiliada.
“Costumavam gastar em
boates, camarotes, bebidas caras, veículos importados, mansões, imóveis de
luxo. Uma vida de ‘boy play’, como melhor eles se chamam”, diz o delegado
Rodrigo Freitas.
Mas como funcionava o
esquema dos gêmeos que clonavam cartões com chip? Um hacker, especialista em
quebrar códigos de segurança na internet, que ainda não foi identificado pela
polícia, ensinava como a quadrilha deveria agir.
Bruno: E aí, diretor, beleza?
Hacker: Eu vou colocar o sistema no seu computador, para você fazer
só com a do meio.
Segundo os
investigadores, "meio" se refere ao lugar onde o cartão com chip é
inserido.
O grupo adulterava
máquinas de pagamento que depois eram deixadas, principalmente, em restaurantes
de luxo. Garçons eram convencidos a participar do golpe, substituindo a máquina
normal pela adulterada.
Alexadnre: Então, tem um
garçom que falou que troca uma pela outra.
Bruno: Dá na mão dele então. Fala que vai dar R$ 1 mil para ele botar amanhã.
O Fantástico teve acesso
exclusivo a imagens e interceptações telefônicas feitas com autorização da
Justiça. Eles encontram o garçom em um posto de gasolina.
Gêmeo: Aqui, olha para cá ô... Aqui ó...
Garçom: Tá onde?
Gêmeo: Aqui, olha para frente, aqui!
Depois de receber a
máquina adulterada, o garçom entra no shopping e vai até o restaurante. Sem que
ninguém desconfie, a máquina normal é substituída pela adulterada. A partir
daí, quem almoçou ou jantou nesse restaurante e inseriu o cartão naquela
máquina teve os dados copiados.
Dias depois, os gêmeos
voltam ao local e têm acesso às informações. A máquina nem precisa ser
recuperada. Tudo é repassado via bluetooth, a tecnologia que permite a
transferência de dados entre aparelhos que estão próximos. No caso, um
computador ou um celular.
“Antigamente a
instalação de um ‘chupa cabra’ e a retirada de um ‘chupa cabra’ de um caixa
eletrônico, de um banco, exigia a presença física da pessoa. Então facilitava a
prisão, as câmeras. Hoje em dia, com bluetooth, ele instala e fica tomando um
chope na praça de alimentação captando os dados”, explica o delegado Rodrigo
Freitas.
Bruno Silva: Localizou já o bluetooth?
Wagner Soares: Já, mas não tem lugar para sentar.
Bruno Silva: Faz aí de fora mesmo, pede um chope.
Com os dados
armazenados, os gêmeos saem do restaurante e caminham tranquilamente pelo
shopping.
A diversão dos bandidos
estava garantida. Davam festas em camarotes com direito a chuva de champanhe.
Durante a noite, esbanjavam dinheiro para usar com garotas.
Bruno Silva: Tem R$ 5 mil aí pra me dar? R$ 5 mil.
Wellington Amancio: Eu tenho que ir em casa ainda.
Bruno Silva: Desenrola cinco conto pra mim aí... Arrumei uma p...
aqui.
E durante o dia, a farra
com o dinheiro dos outros continuava.
Wagner Soares: Ah, já comprei televisão, telefone.
Bruno Silva: Mais muita coisa?
Wagner Soares: Ah, comprei um telão de 40.
Para o delegado Rodrigo
Freitas, responsável pela operação que prendeu a quadrilha dos gêmeos, o golpe
é lucrativo, mas...
“Dinheiro que vem fácil,
costuma ir fácil né? É uma forma meteórica de ascensão social, sem esforço, sem
trabalho, só utilizando fraude. Nesse caso, não acabou nem um pouco bem”, diz o
delegado.
Em nota, o advogado dos
gêmeos informou que teve acesso a parte do inquérito só na sexta-feira (14) e
que, por enquanto, não pode fazer maiores comentários.
Especialistas afirmam
que o chip, de fato, ainda é uma opção muito segura, apesar da aparente
facilidade com que os bandidos fizeram a fraude. Mas para que ele seja 100%
confiável, recomendações internacionais de segurança precisam ser seguidas.
“Na verdade, o chip em
si não é a chave do problema. Ou seja, as instituições que implementaram todas
as recomendações de segurança não têm esse problema. As instituições, e não são
poucas tanto no Brasil como no exterior, que não fizeram isso, podem estar
vulneráveis sim a ação desse tipo de vulnerabilidade”, alerta Lorenzo.
Lorenzo Parodi explica
que o chip é como uma casa que precisa de segurança para não ser invadida por
ladrões. “A casa está segura, não dá para entrar na casa. Ladrão entra se não
tem polícia na rua. Normalmente, naquela rua deveria ter polícia, controle.
Quando tem guarda, o sistema todo está seguro, porque ninguém entra na porta,
porque tem guarda aí controlando. No caso, o que aconteceu é que algumas
instituições implementaram ruas sem guardas ou com poucos guardas”, diz ele.
Essa falha de segurança
atingiu um número ainda não conhecido de consumidores desde o início do ano. De
lá para cá, quem foi vítima do golpe, diz ter ouvido dos bancos que essa fraude
era impossível de acontecer.
“O banco disse
inicialmente que iria investigar, pediu pra eu aguardar alguns dias e aí eu
retornei após essa data para saber o que houve e eles me passaram essa
informação de que, como o cartão tem chip e tem senha, a responsabilidade é do
usuário do cartão”, conta o analista de sistemas André Silva.
“A fraude só foi
possível para situações em que o chip não estava implementado com a segurança
máxima. Os grandes bancos do sistema financeiro iniciaram a implementação do chip
com a segurança máxima desde o início. Os bancos que não haviam implementado
esse sistema de segurança completo, o fizeram ao longo de 2014”, afirma o
diretor da Febraban, Adriano Volpini.
O representante da
Federação dos Bancos, a Febraban, diz que o problema foi superado. “Os bancos
identificaram rapidamente o problema, agiram e iniciaram o processo de
implementação da metodologia segura de autenticação do chip. Um problema
pontual, já foi sanado e todos os bancos hoje contam de fato com seu processo
de segurança máxima nas transações”, diz Adriano Volpini, diretor da Febraban.
Compras de Natal sem
preocupação? “Sem preocupação, os clientes podem ir para as lojas. Comprem
tranquilamente. Com a utilização de chip e senha, sua transação estará sempre
segura”, garante Volpini.