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maria fernanda ziegler
Conseguir o
diagnóstico de um câncer de mama pode ser considerado uma verdadeira saga.
É difícil conseguir fazer a mamografia e mais difícil ainda é fazer a
biopsia para de fato diagnosticar o câncer de mama. Levantamento mostrou que a
taxa de cobertura de mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) entre a
população alvo é baixa: 32% das mulheres com 50-59 anos; 25% das com 60-69
anos. Entre as que acharam alguma anormalidade no exame, apenas 27% das
mulheres entre 50 e 59 anos e 63% das mulheres entre 60 e 69 anos foram
submetidas à biópsia.
“O que vimos no
levantamento é que há muita demora e por isso, muitas vezes, ocorre o
agravamento da doença durante a espera. A falta de acesso leva a uma maior
letalidade”, explica Gulnar Azevedo e Silva, do Instituto de Medicina Social,
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A médica coordenou o
levantamento feito com dados do Sistema Único de Saúde de 2010. Vale destacar
que 80% da população brasileira usa o sistema público de saúde apenas.
O caso de Vera
Lúcia Tormes Costa, de 50 anos, que mora em Viamão, no Rio Grande do Sul é um
dos tantos retratados na pesquisa. A ex-diarista notou nódulos no seio direito
no começo de 2012. Já fez duas mamografias e uma ecomamária, mas não consegue
agendar a consulta com o mastologista para finalmente marcar a biópsia. “Voltei
no posto de saúde na semana passada e consegui marcar [uma consulta]com um
clínico só para o dia 28 de novembro. Não tem mastologista lá”, disse.
Vera Lúcia conta
que mal consegue deitar de bruços, pois sente dor nos seios. “De um tempo pra
cá apareceu outro nódulo no seio esquerdo. Dá para notar ao tocar”, disse. Ela
conta que também sai uma secreção amarela, igual ao que acontecia na mama
direita, que hoje já mudou de cor para um “verde bem preto”.
O caso foi
encaminhado para exame e consultas sem prioridade, como casos normais de
ginecologia. Porém, o histórico familiar de Vera Lúcia aponta risco já que sua
mãe teve câncer de útero e uma tia materna, câncer de mama. Como se não
bastasse estes indicativos para configurar um caso de risco, Vera Lúcia retirou
o útero por conta de um mioma, em 2011.
A história de
Vera Lúcia é extremamente comum no Brasil. A pesquisa de Gulnar aponta,
inclusive, que existe uma desigualdade entre as regiões do País. Fora isso,
justamente a faixa etária com menor risco é a com maior cobertura de
mamografia. Em 2010, foram realizadas 3.126.283 mamografias pelo SUS em mulheres
a partir dos 40 anos. Isso corresponde a uma abrangência de apenas 12,4% das
mulheres nessa faixa de idade.
De acordo com a
Organização Mundial da Saúde, a recomendação é fazer rastreamento assintomático
só depois dos 50 anos e de dois em dois anos. Mas é a faixa etária de 40-49
anos, não preconizada para o rastreamento mamográfico, há uma abrangência um
pouco mais ampla que a de 60-69 anos (25%). A faixa etária entre 50-59 anos a
abrangência é de 32,2%. De acordo com a pesquisa, 46% do total de mamografias
realizadas em 2010 foram feitas em mulheres com menos de 50 anos.
“Os médicos têm
dificuldade de aceitar esta recomendação e pedem antes dos 40 anos de ano em
ano, mesmo para nos casos não assintomáticos e não identificados no exame de
toque. O problema é que isto acaba diagnosticando muitos falsos positivos,
muita coisa que não precisa de intervenção e que não precisaria de biópsia”,
disse Gulnar.
A saga para
conseguir uma biópsia
A pesquisadora também mediu
a relação entre o número de biópsias e o número de mamografias. A relação entre
o número de biópsias e o número de mamografias com indicação para fazer biópsia
foi de 0,36. O ideal seria que a relação fosse1.
De acordo com o
levantamento, a pior relação encontrada na Região Sul para mulheres de todas as
faixas etárias. Essa razão foi melhor no Nordeste e na faixa etária de 60 a 69
anos em todas as regiões.
Conseguir
realizar a biópsia é de extrema importância para o tratamento, pois é o exame
que de fato diagnostica a doença. “Rastrear e não dar o tratamento não adianta
em nada”, disse Gulnar. A demora na biópsia tira do paciente o direito a lei
dos 60 dias, que prevê o início do tratamento do câncer em até 60 dias após o
diagnóstico da doença, no Sistema Único de Saúde (SUS).
Dados
Uma pesquisa realizada pela
Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama
(FEMAMA) a Lei dos 60 Dias, que está em vigor há mais de um ano e ainda não
está sendo plenamente seguida.
“O Ministério da Saúde diz que cumpre a lei em
60% dos casos. Parece um índice interessante até, mas quando se pesquisa o
número de casos de câncer cadastrados no sistema do MS [Sistema de Informação
do Câncer (SISCAN)] vemos que ele não funciona, há um número muito menor de
casos do que o estipulado pelo INCA”, disse Thiago Turbay, assessor de relações
governamentais da Femama.
Os dados do
Ministério da Saúde indicam um registro de apenas 7.157 casos até julho de
2014. Turbay ressalta que este número está muito abaixo dos 576 mil novos casos
de câncer no Brasil para esse ano, de acordo com estimativas do Instituto
Nacional do Câncer (INCA). “Isso dá 1,25% dos pacientes oncológicos do Brasil
estariam registrados no SISCAN”, disse.
Enquanto isso,
Vera Lúcia espera há mais de dois anos para fazer a biópsia e finalmente
descobrir o que tem e seguir o tratamento. Aparentemente a saga se
repete agora no seio esquerdo.