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Pesquisadores da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) avançam na
criação de novos tratamentos contra a leucemia, um tipo de câncer que atinge as
células de defesa do sangue (os chamados glóbulos brancos).
Apresentadas em um estudo
publicado na revista científica European Journal of Medicinal Chemistry, as
moléculas promissoras são capazes de atuar seletivamente sobre as células
cancerígenas, com pouco impacto sobre os glóbulos brancos saudáveis – uma
característica fundamental para o desenvolvimento de novos medicamentos para
esta doença.
“Moléculas com este potencial de
ação são chamadas tecnicamente de ‘hits’. Encontrá-las é o primeiro passo para
o desenvolvimento de novos fármacos”, afirma o pesquisador Floriano Paes Silva
Junior, chefe do Laboratório de Bioquímica de Proteínas e Peptídeos do
IOC/Fiocruz e um dos coordenadores do estudo.
Ele recorre a uma analogia para
explicar o valor da descoberta: “Em inglês, a palavra ‘hit’ significa acerto. É
como se, entre dezenas de alternativas, tirássemos um bilhete premiado”,
compara.
Formas diferentes da doença
As leucemias incluem diferentes
tipos de câncer que afetam os glóbulos brancos do sangue. Segundo Floriano, a
variedade de formas de leucemia é um dos motivos por que os pacientes
apresentam reações diferentes aos tratamentos. “Com origem em células distintas,
cada forma de leucemia apresenta características clínicas específicas, e a
resposta aos fármacos também varia”, diz o pesquisador.
A chamada leucemia linfoide aguda
é o câncer infantil mais comum e, apesar dos avanços no tratamento, ainda é uma
causa de morte importante na população com até 18 anos. Quando há acesso à
terapia, crianças e adolescentes diagnosticados com a doença têm 80% de chance
de sobreviverem. Já entre os adultos, este percentual cai para 65%.
Na busca por novos medicamentos
para combater a doença, os pesquisadores decidiram criar compostos unindo duas
moléculas com atuação já reconhecida na farmacologia. Uma delas faz parte de um
grupo de substâncias denominadas quinonas, que são capazes de atacar células
cancerígenas.
Mais especificamente, as moléculas
usadas no trabalho derivam de produtos naturais originalmente extraídos de
várias espécies de Ipê e que atualmente podem ser sintetizadas em laboratório.
A outra substância é classificada pelos cientistas como um "núcleo privilegiado"
e trata-se de uma molécula – pertencente à classe dos triazóis – presente em
diversos compostos com efeito benéfico sobre o organismo.
De acordo com Floriano, embora
algumas quinonas já sejam utilizadas em tratamentos contra o câncer, há
moléculas deste grupo com alto potencial anticancerígeno que não podem ser
administradas aos pacientes porque são tóxicas, causando danos ao organismo.
“Considerando as propriedades do grupo triazol, nós pensamos: será que ao
juntar estas duas moléculas conseguiremos obter um composto que mantenha a
atividade anticancerígena, mas seja menos tóxico? ”, conta o bioquímico.
Substâncias promissoras
A aposta acabou dando certo. Ao
todo, 18 compostos foram preparados pelo grupo da UFF coordenado por Fernando
de Carvalho da Silva e Vitor Francisco Ferreira. Com o apoio da Plataforma de
Bioensaios e Triagem de Fármacos do IOC/Fiocruz, as novas moléculas foram
testadas em quatro tipos diferentes de células de leucemia e também em glóbulos
brancos saudáveis.
Três destas substâncias foram
consideradas promissoras para o desenvolvimento de novos fármacos, devido à
combinação de duas características desejáveis: a potência para destruir as
células malignas e a seletividade para preservar os glóbulos brancos sadios. Os
experimentos revelaram que, enquanto uma pequena quantidade de um dos compostos
era capaz de matar 50% das células de leucemia, seria necessário usar uma
concentração até 20 vezes maior para provocar o mesmo efeito sobre os glóbulos
brancos saudáveis.
Além disso, estas moléculas
apresentaram uma atividade mais pronunciada sobre algumas linhagens específicas
de células de leucemia, o que foi considerado uma característica positiva pelos
pesquisadores. Uma das substâncias, por exemplo, mostrou-se 19 vezes mais
potente sobre células de leucemia linfoide do que sobre aquelas de leucemia
mieloide.
“Os resultados corroboram a ideia
inicial de que as células cancerígenas com perfis genéticos distintos têm
respostas diferentes aos fármacos. Essa seletividade é muito boa para o
desenvolvimento de tratamentos, porque quanto mais específica uma terapia,
melhor”, ressalta a também autora do estudo Maria Eduarda Oliveira, aluna de
mestrado no programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do
IOC/Fiocruz.
É difícil prever quanto tempo será
necessário para transformar as novas substâncias em medicamentos disponíveis
para os pacientes. Mas, de forma geral, são necessários, pelo menos, dez anos
de estudos para que uma molécula ‘hit’ chegue até as prateleiras.
Na próxima etapa do trabalho, os
pesquisadores devem se concentrar em identificar os mecanismos de ação das
substâncias no interior das células, além de expandir a avaliação da sua
toxicidade. A expectativa dos cientistas é que as moléculas possam se tornar
uma alternativa para o tratamento de casos resistentes ou de reincidência da
leucemia linfoide aguda, ajudando a reduzir as taxas de mortalidade da doença.