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bbc brasil
or que só pobre
faz isso?" A pergunta foi feita via Twitter pelo usuário
volta@loenisonfire, segundos após a BBC Brasil convidar seus leitores a
colocarem suas dúvidas sobre o ensino técnico e profissionalizante e a carreira
de quem segue essa área no Brasil.
O tema entrou na
agenda eleitoral em função de uma das vitrines de campanha da presidente Dilma
Rousseff ser o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego, ou Pronatec, que
patrocina cursos profissionalizantes em entidades públicas e privadas. Tanto a
candidata pelo PSB, Marina Silva quanto Aécio Neves, do PSDB, prometem expandir
o programa, mas defendem ajustes e mais controle sobre seus resultados.
Um dos objetivos
da iniciativa é suprir a falta de profissionais com qualificações específicas
no mercado brasileiro - apontada como um gargalo importante da nossa economia.
Hoje, segundo a
Confederação Nacional da Indústria (CNI), só 6% dos jovens fazem curso técnico
no Brasil, enquanto a média da OCDE é de 35%.
Entidades ligadas
a indústria e ao sistema S (Senai, Senac, etc) garantem que tal escassez faz do
mercado de trabalho para os técnicos um verdadeiro poço de oportunidades.
"Já temos
técnicos ganhando até R$ 12 mil no auge da carreira - mais do que recebe muita
gente com curso superior", disse à BBC Brasil Rafael Lucchesi, diretor do
Senai. "Com dez anos de trabalho, há setores em que se ganha R$ 8 ou R$ 9
mil em média e não raro temos áreas técnicas com remuneração de R$ 5 ou $ 6
mil."
Na página da BBC
no Facebook, leitores contam histórias mais diversificadas sobre a trajetória
dos que optam por esse ramo de carreira. Wellington Antonio, por exemplo, é um
dos céticos.
"Eu quero
saber onde uma pessoa com nível técnico ganha R$ 12 mil, só se for R$ 12 mil
por ano. As empresas nem querem saber de técnicos, exigem graduados e de
determinadas instituições ainda por cima e não pagam mais que 2 salários
mínimos. A pesao formada em curso técnico é marginalizada", escreve ele.
Daniel Alves
acredita ter feito a escolha certa ao optar por um curso técnico: "Sou
técnico e ganho mais que muito e engenheiro". "Parei minha faculdade
e não me arrependi. Escolhendo a área certa tudo corre bem e consguimos uma
vida confortável".
Já Samara Silva
conta que, onde ela mora, em Minas, há muitos técnicos desempregados.
"Com a
facilidade que existe aqui de se fazer um curso técnico, a maioria dos jovens
possui curso técnico e quase todos continuam desempregados".
Curso
técnico ou faculdade?
Mas afinal, como questionou o leitor "aparecido" no Twitter, "o
que é mais proveitoso, fazer um curso técnico (muita prática) ou uma faculdade
(muita teoria)?"
Para Márcia
Almstrom, diretora de Recursos Humanos da Consultoria ManPowerGroup, a resposta
depende do curso em questão.
É claro que um
curso superior em uma faculdade reconhecida e em uma área como medicina ou
engenharia continua a ser garantia de um salário gordo no fim do mês.
Segundo Almstrom,
porém, a crença de que um diploma universitário era necessário para abrir as
portas para os profissionais no Brasil motivou a proliferação de cursos de
graduação que nem sempre têm qualidade ou oferecem qualificações requeridas
pelas empresas.
"Muita gente
passou a achar que valia mais a pena fazer qualquer faculdade do que um curso
técnico - e isso não é verdade", diz Almstrom.
"A regra geral é que mais vale um bom curso técnico, com as qualificações
que as empresas precisam, do que um
curso superior de
pouca qualidade, em áreas de humanas que pouco atendem necessidades do
mercado."
Lucchesi, do
Senai, opina que o ramo técnico não necessariamente precisa ser encarado como o
"outro caminho" dos que não quiseram fazer ensino superior.
Segundo ele, há
profissionais bem sucedidos que fazem um curso técnico depois do ensino médio
para começar a trabalhar logo e ainda assim buscam se formar em uma
universidade. Também profissionais com diploma universitário que vão atrás de
uma qualificação técnica para melhorar suas perspectivas de carreira.
Estigma
Mas mesmo com um bom curso técnico é preciso considerar que nem tudo são flores
- ou salários de R$ 12 mil - para quem escolhe o ramo técnico.
A pergunta do
leitor "volta@loenisonfire" mencionada no início deste texto, na
realidade vai ao encontro do que especialistas admitem ainda ser um dos
desafios do ensino técnico no Brasil: a superação do estigma.
Esse ramo de
ensino e carreira foi de fato visto por muito tempo como uma espécie de
"opção menor" de quem não podia arcar financeiramente com uma
universidade, segundo o economista Marcelo Manzano, da Unicamp.
"Historicamente,
sempre foi preciso ter diploma universitário para se ter um lugar ao sol no
Brasil e quem não tinha isso era considerado uma espécie de subcidadão",
diz ele. O fato de a universidade ainda garantir acesso a cela especial nas
cadeias seria um exemplo dessa lógica.
E talvez por isso
não seja difícil encontrar jovens técnicos reclamando que as empresas querem
lhes pagar pouco - como mostra nossa página no Facebook. Afinal os RHs estariam
preparados para valorizar mais os cursos técnicos e flexibilizar os requerimentos
para suas vagas?
Almstrom diz que
sim. "É claro que tudo que é traço cultural leva tempo para se desfazer,
mas estamos avançando rapidamente na valorização da formação técnica por uma
questão de demanda de mercado."
Ela menciona a
pesquisa Escassez de Talentos 2014, da ManpowerGroup, segundo a qual a
principal razão pela qual as empresas não conseguem preencher suas vagas é a
falta de "competências técnicas" dos candidatos (esse motivo foi
apontado por um terço das empresas).
"O gargalo da
mão de obra está relacionado, de um lado, à falta de profissionais técnicos, e
de outro, a falta de profissionais do mundo das exatas - como
engenheiros."
Mercado
E qual o segredo para se construir uma carreira de sucesso como um técnico?
Os especialistas
enfatizam que esse ramo de carreira não é uma panaceia. Para começar, como
destaca o professor Gabriel Grabowski, que estuda a evolução do ensino técnico
no Brasil na universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, as oportunidades
variam de acordo com os setores e regiões do país.
Há áreas
"mais quentes" e, evidentemente, perfis de profissionais que tendem a
crescer mais na carreira. "É preciso identificar os setores 'em alta'. Um
técnico da indústria calçadista vai ganhar menos hoje que um técnico em
mineração", diz Grabowski.
Segundo dados da
CNI, a média salarial de um "técnico químico", por exemplo, é de R$
2.746, valor que pode chegar a R$ 4.240 após dez anos de carreira. Já um
"supervisor de produção em indústrias químicas, petroquímicas e
afins" ganha, em média, R$ 4.433 - e R$ 6.553 após dez anos de carreira.
Entre as ocupações
técnicas industriais pelas quais haveria mais demanda estariam a de técnico em
topografia, agrimensura e hidrografia (média salarial de R$ 2.135), técnico em
construção civil (R$ 3.461) e técnico em segurança do trabalho (R$ 2.834).
Já os mais bem
pagos seriam os técnicos em mineração (R$ 5.731 em média e R$ 9.674 após 10
anos de carreira), técnicos petroquímicos (R$ 6.311 e R$ 8.306) e operadores de
instalações de geração e distribuição de energia elétrica, hidráulica, térmica
ou nuclear (R$ 5.038 e R$ 8.294)
Almstrom diz que
entre os setores em alta e que oferecem boas perspectivas no médio e longo
prazo estão os ligados a Saúde e Meio Ambiente.
Ela enfatiza,
porém, que mesmo entre os técnicos há um grande fator de diferenciação
profissional ligado às habilidades de gestão e relacionamento interpessoal de
cada um.
"Seria
interessante para o profissional técnico que quer subir na carreira fazer um
curso que desenvolva sua capacidade de liderança, de ser um organizador e
facilitador em meio a conflitos. São essas habilidades que fazem com que um
jovem contratado para ser um Help Desk, acabe supervisionando sua equipe."