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thayanne magalhães
Há alguns anos – não muitos – as cidades de interior de Alagoas
costumavam ser conhecidas pela vida pacata de seus moradores, pelas casas de
muros baixos e praças cheias de crianças e jovens. O cenário mudou com o avanço
do crack, a droga avassaladora que levou a sensação de insegurança até
populações de zonas rurais. Quem afirma é o delegado titular da Delegacia de
Marechal Deodoro, Jobson Cabral.
“Quando estive à frente da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico eu já
criticava a falta de trabalhos de repreensão contra traficantes em Alagoas. O
poder público não se preocupou com isso e o consumo da droga aumentou em mais
de 70% nos últimos anos em todo o estado”, afirma Jobson, embora não existam
dados oficiais.
Para Jobson, os jovens das classes mais pobres são as maiores vítimas do
crack.
“Os jovens não têm educação de qualidade, e no período que passam fora
da escola, não têm acesso a esporte e lazer. Tudo está relacionado à falta de
políticas públicas. Com a ociosidade, eles são facilmente atraídos pelos
traficantes, que oferecem dinheiro para que eles entrem no crime. A maioria
acaba consumindo, se torna viciado e escravo do crack”, opina o delegado.
De acordo com Jobson Cabral, muitos dos adolescentes envolvidos no
tráfico de drogas, acabam cometendo crimes como homicídios. “Eles passam a
trabalhar para os traficantes e são ordenados a matar os desafetos dos donos
das ‘bocas de fumo’. Aqui em Marechal estamos combatendo o tráfico de drogas e
já conseguimos diminuir o número de homicídios da região. Muitos dos criminosos
envolvidos com o tráfico de drogas na cidade já estão no presídio”.
PRIMEIROS RELATOS
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) em parceria com
a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou este ano a “Pesquisa Nacional sobre
o Uso de Crack”.
De acordo com a pesquisa, não há registros precisos acerca de quando o
crack passa a circular no Brasil, ou seja, quando passa a haver oferta do
produto nos pontos de venda, e demanda por parte dos consumidores com relação a
essa nova apresentação da cocaína. O crack é um derivado da pasta base da coca.
Os primeiros artigos sobre o consumo do crack no Brasil, publicados em
1996, foram referentes aos usuários da cidade de São Paulo e relatam que a
droga estaria disponível em São Paulo já a partir de 1991.
Para monitora, falta de pulso dos pais influencia no uso do crack
Mikaele Teixeira é uma jovem de 22 anos, moradora do município de Capela
na Zona da Mata alagoana. Ela ouve o seu pai de 53 anos contar como era a vida
na cidade durante sua juventude e se vê distante da vida pacata e tranquila de
quem vivia nas cidades de interior antigamente.
“Meu pai disse que os usuários estão deixando a maconha de lado e o
consumo de crack está aumentando muito. A criminalidade na cidade cresce junto
com o número de usuários. Todos os meses temos vítimas do tráfico na cidade,
jovens assassinados por causa de suas dívidas. Já existe até uma favela em
Capela e menores de idade andam com armas nas mãos para intimidar os
moradores”, relata a jovem.
Mikaele trabalha como monitora em uma escola municipal de Capela e para
ela, a falta de pulso dos pais influencia no comportamento dos adolescentes.
“Os pais precisam manter os filhos na escola, procurar saber se estão
frequentando as aulas diariamente. Vejo alunos de treze anos com atitudes que
me deixam abismada. Alguns já foram pegos com drogas dentro da sala de aula e
percebo que muitos se vestem e agem como ‘bandidos’, como os traficantes que
estão dominando a cidade. São a referência deles, já que os pais se ausentam”,
opina.
A monitora lembra que há cinco anos, ela saía com os amigos para festas
na cidade e não se preocupava com a hora de voltar para a casa.
“A violência tem aumentado muito rapidamente. Há pouco tempo todo mundo
se divertia sem medo, mas hoje em dias às nove da noite já não tem mais ninguém
na rua. As pessoas têm medo dos usuários de crack, os viciados que andam
armados e assaltam quem estiver pela frente para conseguir mais drogas”.
Diariamente são divulgados na mídia casos de famílias destruídas por
conta do uso do crack. Filhos agridem e até matam seus pais, roubam tudo o que
têm em suas casas e levam para os traficantes. Muitos acabam morando na rua e
se prostituindo para manter o vício, quando não pagam com a própria vida pelas
dívidas com o tráfico.