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Inferno astral é a expressão mais suave para descrever a situação da família de usineiros de Ribeirão Preto que era dona da aeronave na qual voava Eduardo Campos quando ocorreu o acidente que o matou, na semana passada. O grupo AF Andrade, hoje atolado em dívidas, queria se ver livre das despesas com seu jato Cessna Citation 560XL. Após dois anos de busca, conseguiu, enfim, uma dupla de empresários interessada em adquirir o ‘brinquedo’ avaliado em 9,5 milhões de dólares. A negociação, feita em maio, envolvia o pagamento de oito parcelas atrasadas do leasing do avião e 450.000 dólares em dinheiro aos Andrade. Depois disso, bastava que a Cessna Finance, o braço financeiro da fabricante de jatos, aceitasse a transferência de titularidade entre arrendatários. Como o processo é burocrático, o grupo autorizou que os novos donos saíssem voando, desde que acertassem as parcelas atrasadas. O pagamento de 450.000 dólares seria a próxima etapa. Mas a tragédia que vitimou Eduardo Campos atrapalhou os planos.
Segundo o advogado dos Andrade no caso, Ricardo
Tepedino, nenhum membro da família do usineiro Alexandre Andrade teve contato
com Eduardo Campos. “A conversa foi feita por meio de corretor. Eles nunca
viram o Eduardo”, disse. O site de VEJA apurou que o grupo esperava apenas
a venda do jato para protocolar o pedido de recuperação judicial de suas
empresas — o que ocorreu, de fato, há cerca de um mês. Manter
a aeronave em solo representava uma despesa que não podia ser
paga pelo grupo. Assim, transferi-la a outro dono era questão de
primordial. A dupla de interessados em adquirir o jato era formada
pelos empresários pernambucanos João Carlos Lyra Pessoa de Melo Filho e
Apolo Santana Vieira, amigos de Campos. O único documento que comprova a
negociação é uma proposta de compra feita pelos dos empresários, por meio de
suas empresas, a BR Par Participações e a Bandeirantes Pneus. Ambos os
empresários e as empresas ainda não constam como doadores da campanha
presidencial do pernambucano, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou
que a AF Andrade enviou informações ao órgão relatando a negociação do
jato. A documentação está sendo repassada à Polícia Federal, que leva adiante
as investigações sobre o caso. Contudo, a Anac afirma que, independentemente
das tratativas entre empresários, o operador do avião segue sendo a
AF Andrade — e a propriedade é da Cessna Finance Export Corporation. De
acordo com a agência, não houve qualquer solicitação de alteração no
registro. Tepedino, advogado dos Andrade, afirmou que o grupo chegou a pedir a
transferência de arrendatário à Cessna, mas a empresa ainda não havia dado
andamento ao pedido.
Além de perder a aeronave e não ter recebido o
valor em dinheiro, o grupo Andrade poderá enfrentar ainda um processo por
responsabilidade civil e ter grandes dificuldades para acionar o seguro do bem.
Diante do alto valor do jato e das condições pouco transparentes com que as
negociações com terceiros foram conduzidas, especialistas do setor de seguros
afirmaram ao site de VEJA que há uma grande probabilidade de haver disputa
judicial em torno do pagamento da apólice. “O risco ao que a aeronave estava
sujeita com o grupo Andrade era um. Já com um candidato em plena campanha
eleitoral e voando três vezes ao dia, era outro muito maior”, afirma um dos especialistas,
que pediu para não ter seu nome revelado.
Na semana passada, o site de VEJA conversou com
Fabiano de Camargo Peixoto, piloto do jato até maio deste ano, que contou como
havia sido seu último voo no Cessna. “Os donos pediram para que eu levasse
a aeronave para o Campos experimentar há três meses. Voamos em São
Paulo, ele gostou e o avião já ficou com ele”, afirmou o piloto, que até
então desconhecia a origem dos novos ‘proprietários’ da aeronave. “Os
donos quase não voavam e a aeronave estava nova. Com a crise, também não tinham
dinheiro para pagar o combustível. Aliás, estão há três meses sem pagar
ninguém”, disse.
Após o negócio com a aeronave, Peixoto e o
comandante André, pilotos dos usineiros, foram dispensados — e a campanha
de Campos contratou nova tripulação: entre eles Marcos Martins e Geraldo
Cunha, também vítimas do acidente. Os novos pilotos tinham horas de voo
suficientes e prática em voar os modelos Cessna, segundo a Anac.
Cunha era, inclusive, credenciado nos Estados Unidos pela Federal Aviation
Administration (FAA), o órgão federal que regula o setor. Tanto que, apenas uma
semana após a compra, Campos já estava voando pelo Brasil com o novo avião. A
base da aeronave ficava no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no hangar da Líder
Aviação.