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chris bueno
Imagine o
cenário: você bebeu demais na noite anterior e acorda com aquela dor de cabeça
terrível. Qual a sua primeira reação?
Se você
respondeu "tomar um paracetamol", precisa ter cuidado. Ingerir alguns
comprimidos do medicamento para curar ressaca pode causar uma lesão hepática
fulminante, segundo a farmacêutica Silvana Maria de Almeida, do Hospital
Israelita Albert Einstein de São Paulo. O cuidado vale mesmo se a dosagem for
menor do que a diária recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que
é de até 4.000 mg. Segundo ela, o álcool associado ao paracetamol também pode
provocar sangramentos no estômago.
Esses são
apenas alguns dos riscos que o uso indiscriminado do paracetamol, um dos
medicamentos mais populares no mundo no combate à dor e à febre, pode acarretar
para a saúde.
A
substância pode ser encontrada em comprimidos, em gotas ou ainda como princípio
ativo de outros medicamentos. O paracetamol é facilmente adquirido nas
farmácias, sem prescrição. Apesar de ser considerado um medicamento seguro e
eficaz, é preciso que o paciente fique atento e respeite a dosagem recomendada
--cometer exageros é mais fácil do que se imagina.
Para
ultrapassar os 4.000 mg recomendados pela OMS, basta ingerir cerca de seis
comprimidos dos "extra fortes" num período de 24 horas, ou ingerir os
comprimidos associados a outros medicamentos que também contenham o princípio
ativo.
"O paracetamol é considerado seguro em doses terapêuticas. É preciso ficar
atento, pois este princípio ativo também faz parte da composição de uma série
de medicamentos, sendo fácil tomar o dobro da dose", aponta o
gastroenterologista Henrique Boruchowski, do Hospital Samaritano de São Paulo.
Segundo Silvana
Maria de Almeida, a superdosagem pode ser fatal. "O uso indiscriminado
pode levar a dano hepático, anafilaxia [reação alérgica grave] e outras reações
adversas como prurido [coceira], problemas gastrintestinais, náusea, vômito,
dor de cabeça, insônia, agitação, atelectasia [colapso pulmonar], Síndrome de
Steven-Johnson (com erupção nas mucosas, olhos, nariz, vagina etc), necrólise
epidérmica tóxica e penumonite", explica.
Fígado
A maior
preocupação ao se usar o medicamento em excesso está ligada aos danos que pode
causar ao fígado. Após ser ingerido e processado pelo organismo, uma das sobras
desse processo é o composto NAPQI, que é tóxico. Doses altas do medicamento
fazem com que o NAPQI fique acumulado no fígado, atacando as moléculas que
formam as membranas das células hepáticas e levando-as à morte. Se não for
interrompido, o processo pode levar à falência do fígado e à morte do
indivíduo.
Se para obter
uma superdosagem basta ir à farmácia mais próxima, detectar os sintomas não é
tão fácil assim. De acordo com estudo publicado pelos pesquisadores da
Universidade de Edimburgo, na Escócia, no periódico "British Journal of
Clinical Pharmacology" em 2011, a superdosagem da droga é difícil de ser
percebida, pois os sintomas podem ser confundidos com a doença a ser combatida
pelo medicamento: vômito, náusea e dor abdominal.
Em geral, os
sintomas se manifestam quatro horas depois da superdosagem. Após um período de
24 horas, há convulsões e a piora do quadro. Em 72 horas, com a destruição do
fígado, o organismo não metaboliza mais a amônia, que se acumula no corpo e
pode provocar morte cerebral. Para reverter uma intoxicação, é preciso receber
tratamento com N-acetilcisteína nas primeiras 24 horas.
"Nos casos
de intoxicação leve a moderada, após o primeiro dia da ingestão, os pacientes
podem permanecer assintomáticos ou apenas desenvolver náusea, vômito e dor
abdominal. Nos casos graves de intoxicação, pode haver falência hepática,
incluindo coagulopatia e encefalopatia hepática. Os pacientes devem procurar um
serviço de saúde rapidamente para que possa ter os cuidados necessários",
aponta Silvana Maria de Almeida, do Hospital Israelita Albert Einstein.
O paracetamol é
responsável por cerca de 1.500 mortes nos últimos dez anos, de acordo com
pesquisa realizada pela ONG de jornalistas Pro Publica. O medicamento é a
principal causa de insuficiência hepática e de indicação de transplante de
fígado nos Estados Unidos, com quase 800 casos nos últimos 15 anos. Por isso, a
FDA (Food and Drug Administration), agência norte-americana que regula
alimentos e medicamentos, vem tomando uma série de medidas para controlar o uso
do paracetamol.
Em janeiro
deste ano, a FDA publicou uma norma recomendando a médicos que não
prescrevessem medicamentos com dosagem superior a 325 mg de paracetamol
associados a outras substâncias.