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paula adamo idoeta
De um lado, adolescentes pouco estimulados pelos
estudos, muitas vezes cursando séries atrasadas. Do outro, um currículo escolar
extenso porém desconectado da realidade, em aulas excessivamente teóricas e
incapazes de suprir deficiências anteriores dos alunos.
Esses
são, segundo especialistas, alguns dos ingredientes que levam a altos índices
de evasão no ensino médio brasileiro, ciclo que é considerado hoje o principal
gargalo da educação no país.
O tema
voltou a entrar em evidência neste mês com um relatório do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) apontando que, entre os jovens mais pobres,
menos de um terço conclui o ensino médio no Brasil.
"É
no ensino médio que desembocam todos os problemas anteriores da formação",
explica à BBC Brasil Andrea Bergamaschi, gerente de projetos da ONG Todos Pela
Educação.
"A
criança começa a acumular dificuldades de aprendizado desde a alfabetização;
dificuldades em ler e em interpretar. O ensino médio acaba tendo que lidar com
tudo isso, além de seus próprios problemas: um currículo escolar desconectado
das expectativas do aluno para seu futuro."
Em
2012, apenas 51,8% dos jovens de até 19 anos haviam concluído os anos finais da
educação básica brasileira, segundo dados do IBGE compilados pela ONG Todos
Pela Educação.
Interesses
E é
nessa fase da vida em que os jovens passam a ter outros interesses, além de
começarem a se sentir tentados – sobretudo se forem de baixa renda - a largar
os estudos e focar esforços em entrar no mercado de trabalho.
"Se
o menino começa a perceber que o mercado ou a vida são mais atraentes, e ao
mesmo tempo não tem esperança de entrar no ensino superior, o que ele fará na
escola?", questiona Angelo Ricardo de Souza, doutor em políticas públicas
educacionais da Universidade Federal do Paraná.
Quando
os alunos ultrapassam o limite de 25% de falta, seu caso costuma ser
encaminhado pelas escolas aos Conselhos Tutelares das respectivas cidades ou
bairros.
No
Conselho Tutelar do Itaim Paulista, que abrange 430 mil pessoas nesse bairro
carente do extremo leste de São Paulo, os cinco conselheiros dizem receber
quase dez casos por dia de evasão escolar, de todas as séries.
Há,
segundo o conselheiro Edemir de Melo, desde alunos que abandonam a escola após
sofrer bullying e ameaças ou por "preguiça mesmo", até alunos sem
acompanhamento dos pais ou desmotivados com o que a escola tem a oferecer – o
que especialistas dizem ser o grande problema atual.
Em
pesquisa realizada em 2012 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap) e a Fundação Victor Civita, jovens do ensino médio se queixaram de
usar pouca tecnologia na escola e viam pouca utilidade prática em muitas das
disciplinas cursadas, de filosofia a sociologia.
Ensino integral
Mas já
há iniciativas em curso para implementar mudanças no ensino médio e, com isso,
conter o abandono de estudantes.
Desde
2004, está em curso em Pernambuco um plano de educação integral, hoje presente
em 320 escolas públicas do estado, explica Marcos Magalhães, presidente do
Instituto de Corresponsabilidade Pela Educação, que participa do projeto.
Alguns
dos pilares do projeto, diz Magalhães, são voltar mais a escola ao projeto de
vida do aluno e incluir habilidades socioemocionais (resiliência, resolução de
problemas, estímulo à curiosidade) nas disciplinas ensinadas.
"Além
do ensino regular das matérias, incluímos iniciação científica para descobrir
os alunos que podem se interessar ou não por ciências; implementamos uma cultura
de avaliação sistemática do desempenho dos estudantes, dando tratamento
individualizado a quem ficou para trás; e estimulando o jovem a escrever seu
projeto de vida e pensar como a escola pode ajudar a alcançá-lo", explica
Magalhães à BBC Brasil.
Hoje,
segundo ele, o projeto está sendo implementado em escolas de outros cinco
estados (Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Espírito Santo) e a taxa de
evasão fica em torno de 5% (contra cerca de 50% no sistema educacional geral).
Iniciativa
semelhante está em curso na escola estadual Chico Anysio desde 2012, no Rio,
que reformou seu currículo com a ajuda do Instituto Ayrton Senna.
Lá
também o ensino se tornou integral e passou a incluir habilidades
socioemocionais nas aulas, para "sair da decoreba e dar significado ao
conteúdo", diz Mozart Neves Ramos, diretor de articulação do instituto,
que ofereceu um curso de formação aos professores para o novo currículo.
Ramos
afirma que a evasão "praticamente inexiste nesse novo modelo, mas isso não
é o principal - e sim renovar o currículo escolar para aproximá-lo mais do
mundo juvenil".
O
modelo de educação integral custa mais caro: cerca de R$ 1,5 mil por ano por
aluno a mais que o ensino tradicional, que por sua vez requer investimento de
cerca de R$ 2,3 mil por ano por aluno no ensino médio. "Mas numa escola
assim o aluno aprende", argumenta Magalhães.
Pacto
Em
junho, a presidente Dilma Rousseff sancionou sem vetos o Plano Nacional da
Educação, que objetiva, entre outras metas, oferecer ensino em tempo integral
em no mínimo 50% das escolas públicas.
Em
audiência pública em abril, o ministro da Educação, Henrique Paim, afirmou que
o ensino médio é o setor com mais problemas e um dos principais desafios da
pasta.
Uma
das maiores dificuldades é que muitos alunos já chegam atrasados ao ensino
médio: um terço dos alunos desse ciclo está cursando uma série defasada em
relação a sua idade, segundo dados de 2012.
Em
resposta, o governo lançou em novembro passado o Pacto Nacional Pelo
Fortalecimento do Ensino Médio, que prevê, entre outros pontos, uma discussão
sobre o currículo escolar, a ampliação do ensino integral e o aperfeiçoamento
da formação dos professores.
Segundo
a professora Monica Ribeiro da Silva, que coordena as ações nacionais de
formação de professores no Pacto, 350 mil deles deverão passar por cursos de
formação continuada até 2015, para discutir os perfis dos jovens do ensino
médio, currículo e gestão escolar, avaliações e organização do trabalho
pedagógico. Em seguida, a serão discutidas as disciplinas ensinadas.
"A
preocupação é qualificar o professor para que ele consiga enfrentar o abandono
escolar", diz Ribeiro da Silva, que também é professora da Universidade
Federal do Paraná.
Para
Bergamaschi, da Todos Pela Educação, a formação de professores é um desafio em
todo o ciclo educacional brasileiro: "Muitos dão aulas de disciplinas nas
quais não têm formação. É imprescindível uma reforma na formação deles, que
lhes permita dar uma aula mais relevante e com uma nova metodologia."
Fora
isso, é preciso trabalhar para reduzir a defasagem entre idade dos alunos e a
série cursada por eles, bem como repensar a quantidade de disciplinas ensinadas
no ensino médio – que costumam ser entre 15 e 19 -, opina Tufi Machado Soares.
Ele é autor de estudo sobre evasão escolar para a Universidade Federal de Juiz
de Fora, em que entrevistou cerca de 800 jovens que evadiram a escola.
"A
maioria dos jovens reconhece a importância da escola. Mas ela está em
descompasso com suas necessidades, e muitos têm dificuldade em acompanhar o
conteúdo. Precisamos que os jovens concluam as etapas (prévias) de ensino na
idade correta."