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Ao pedir um cartão de crédito na rede de supermercados Zaffari, a
consumidora gaúcha Carla de Deus saiu de mãos vazias. Para sua surpresa,
descobriu que um cadastro oculto chamado SPC Crediscore, fornecido pela Câmara
de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL), a classificava como possível má
pagadora – mesmo sem ter o nome negativado.
Sem
explicar o porquê da recusa do crédito, a CDL foi condenada pela Justiça do Rio
Grande do Sul a pagar R$ 10 mil à consumidora por danos morais – o primeiro
caso vitorioso ao consumidor sobre a questão.
Depois
de Carla, outras 36 mil pessoas entraram com ações semelhantes no Sul do País,
alegando que os cadastros que reúnem informações privadas para barrar ou
liberar crédito lesam o consumidor.
Com um
cálculo que considera cerca de 400 variáveis – caso do Crediscore –, esse
sistema cria uma pontuação de zero a mil (chamada score) para determinar a
possibilidade de o consumidor ser inadimplente. Quanto maior a nota, maior o
risco. Esse banco de dados é vendido por empresas de proteção ao crédito para
redes varejistas em todo o País.
Liderado
por Serasa Experian, Boa Vista Serviços e SPC Brasil, o grupo de empresas está
agora empenhado em impedir que o julgamento de um recurso especial no STJ
(Superior Tribunal de Justiça) decida que estes cadastros secretos geram danos
morais.
Se
isso acontecer, a decisão será válida para cerca de 100 mil pedidos de
indenização por negativas de crédito no País – já que o recurso foi considerado
repetitivo. O cálculo é do Banco Central (BC), que em abril pediu para
participar do recurso como defensor das empresas.
Devido
ao grande número de ações sobre o assunto, o ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, relator do processo no STJ, convocou uma audiência pública para
agosto, a primeira da História do tribunal, para discutir a questão
abertamente.
33% de
risco de ser mau pagador
O caso
que representará os outros milhares no STJ é o do gaúcho Anderson Guilherme
Prado Soares, que foi indenizado pela Boa Vista após seus pedidos de cartões em
bancos e lojas terem sido recusados, mesmo sem haver qualquer restrição de
crédito contra ele.
Soares
descobriu que possuía 553 pontos no sistema SCPC Score Crédito, motivo pelo
qual seu risco de inadimplência era de 33% no período dos próximos seis meses.
Mas as operadoras de cartão se recusaram a explicar o motivo, porque os dados
do sistema seriam sigilosos.
BC vê
sistema como controle da inadimplência
Procurado
pelo iG, o BC não estimou qual seria o impacto financeiro das
indenizações para a indústria de proteção ao crédito. Mas defendeu frente ao
STJ que os cadastros servem como um mecanismo de disciplina para controlar a
inadimplência e determinar “a calibragem precisa das taxas de juros cobradas
pelas instituições financeiras”.
A
Serasa Experian, outra parte interessada no processo, defendeu ao iG que
as informações no cadastro não têm intenção de prejudicar o consumidor.
“Não
há ranking e não é julgado o caráter ou as ações da pessoa, apenas a capacidade
de pagamento daquele perfil de tomador de crédito”, justifica o diretor
jurídico da empresa, Silvanio Covas.
Segundo
o executivo, a apuração do resultado do score considera dados cadastrais,
informações negativas já comunicadas ao consumidor, e dados coletivos com base
em pesquisas de mercado. Informações positivas só são usadas no cálculo se
previamente autorizadas.
“O
consumidor pode acessar gratuitamente as informações existentes no banco de
dados sobre ele e pode impugná-las e solicitar sua correção ou cancelamento”,
afirma Covas.
No
site da Serasa, só é possível consultar o CPF sem pagar pelo período de 15
dias. Depois, há uma cobrança mínima de R$ 10 por mês, que inclui outros
serviços de proteção ao consumidor.
Para
consultar gratuitamente sem esse limite de cobrança, é preciso ir pessoalmente
a uma das agências da empresa, informou a assessoria da Serasa.
O advogado
Deivti Dimitros Porto dos Santos, responsável por ações de consumidores contra
o cadastro, afirma que o sistema leva em conta dados subjetivos, como local de
moradia e escolaridade do consumidor.
“Os
critérios são discriminatórios e desconhecidos, e justamente por isso deveriam
ser previamente informados ao consumidor, como determina o Código do Consumidor
sobre a criação de bancos de dados”, diz.
Na opinião do advogado Lisandro Moraes, que
defendeu Carla de Deus na Justiça gaúcha, as vitórias de consumidores no Rio
Grande do Sul podem ajudar a balizar o STJ a declarar a irregularidade do
sistema.
“As
empresas estão muito preocupadas com o desfecho do julgamento porque, se essa
ferramenta for inviabilizada pela Justiça, pode gerar um enorme prejuízo para
esta indústria bilionária”, afirma Lisandro.
Procurado, o SPC Brasil afirmou que “tomou
como decisão não comentar por meio da imprensa a ação movida na Justiça”. O
Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), por sua vez, afirmou não haver
porta-voz disponível para comentar o assunto. Ambos atuam como parte
interessada no recurso.
A Boa Vista Serviços, ré no processo que será
tomado como base no recurso repetitivo, afirmou que não vai se pronunciar e que
prefere aguardar o debate no momento do julgamento.