época //
“Só na morte ele será livre”. Mohhamad Johar tinha dois
anos quando morreu. Confinada em um campo de refugiados no oeste de Myanmar,
sua família fugiu de casa dias depois de ele nascer, deixando corpos pelo
caminho. A família de Johar faz parte dos Rohingya, uma minoria muçulmana que,
vivendo em Myanmar, sofre violenta perseguição. Há cerca de 1,4 milhão de
Rohigya vivendo no país há gerações. O governo lhes nega cidadania e acesso a
direitos básicos. Afirma que são, na verdade, imigrantes ilegais vindos de
Bangladesh. Desde meados de 2012, o acirramento da violência contra os Rohingya
tem forçado famílias inteiras a deixar para trás casa e familiares para
procurar abrigo nos cerca de nove campos de refugiados criados na costa
ocidental do país e em outras instalações em Bangladesh. As condições de vida
sub-humanas em que vivem em Myanmar fez a ONU definir essas instalações como um
“crime contra a humanidade”.
A
revista Time acompanhou o
funeral de Mohhamad Johar e o cotidiano de outras famílias moradoras do campo
de Dar Paing, na cidade litorânea de Sittwe . Lá, sem acesso a serviços básicos
de saúde, Mohhamad morreu de diarreia. “Só na morte ele será livre”, afirmou o
irmão de 18 anos, durante a cerimônia.
Os Rohighya compõem 4% de uma população de maioria budista em um país
que se esforça para se democratizar. Ao longo dos anos, muitos tiveram de
buscar abrigo em campos de refugiados em Bangladesh. Entre 1991 e 1992, cerca
de 250 mil pessoas fugiram para o país. Segundo o Departamento de Estados dos
Estados Unidos, há cerca de 150 mil refugiados morando nos nove campos em
Myanmar. Teoricamente, os campos foram criados pelo governo para proteger uma
população que sofre perseguição.
Sua situação piorou em 2012, quando entraram em conflito com
budistas extremistas. As tensões são inflamadas pelas palavras de ordem do
monge Wirathu. Líder da facção budista 969, ele chama a si mesmo de “Osama Bin
Laden budista”. Defende que os budistas devem deter a população muçulmana
minoritária do país para que seu número não cresça. Desde 2012, comanda um
boicote a estabelecimentos mantidos por muçulmanos e defende a aprovação
de uma lei que torne ilegal seu casamento com mulheres budistas. Sua pregação é
apontada como o gatilho para os atos de violência contra os muçulmanos, que
deixaram 250 pessoas feridas e fizeram algumas centenas de milhares migrar em
2013.
No começo de 2014, novos ataques de budistas fizeram as organizações de
ajuda humanitária, que prestavam assistência aos refugiados Rohigya, deixar o
país. Desde então, o governo proíbe seu retorno. Segundo reportagem da Al Jazeera, a saída dos grupos humanitários aumentou os riscos existentes sobre a
população de 150 mil pessoas que vivem nos campos de refugiados e sobre outras
700 mil vivendo em vilas isoladas pela região. O Wolrd Food Program continua a
fornecer rações de arroz, sal e óleo. Mas a quantidade de mantimentos não é
suficiente para evitar casos de desnutrição. Não há médicos ou remédios
suficientes para todos. Segundo refugiados disseram a Time, autoridades
policiais de Myanmar os impedem, à pauladas, de pescar para complementar sua
dieta.
Em desespero, muito se arriscam numa
travessia de barco para a Tailândia. A viagem é feita com a ajuda de
traficantes de pessoas, a quem os refugiados devem pagar US$ 2 mil, uma vez
completada a travessia. Muitos deles vendem os próprios mantimentos, sucata e
as próprias roupas na esperança de conseguir dinheiro para fazer a viagem.
Segundo o relatório do enviado da ONU Tomás Ojea Quintana, divulgado em
abril, a carência de alimentos e remédios faz parte de mais uma etapa da
perseguição étnica que essa população sofre historicamente. Para ele, é
possível classificar as condições em que vivem como “um crime contra a
humanidade”.