correiobraziliense //
No armário do quarto, há roupas de pessoas que ele não
conheceu. São doações sem rostos, de quem não lhe deu conversa, abraço ou
aperto de mão. A solidão da vida está estampada no vazio do porta-retratos. A
foto, ele diz ter jogado fora por um motivo que preferiu esquecer. Há três
anos, seu Joaquim* vive em um lar de idosos no Núcleo Bandeirante e, há meses,
não recebe qualquer visita. Mineiro da cidade de Monte Carmelo, ele é um entre
tantos donos de histórias de abandono no Distrito Federal. Elas extrapolam
paredes de asilos e casas das repouso. Estão em sinais de trânsito, residências
decrépitas e leitos de hospitais.
Em algumas unidades públicas de saúde, como a da Asa Norte, a
média mensal de esquecidos em idade avançada gira em torno de quatro por mês
(veja ilustração). Alguns, mesmo tendo alta clínica, permanecem meses, quando
não anos hospedados em um quarto destinado a doentes. Desabrigados no mundo,
ocupam leitos que também não são seus por direito. Hoje, não passam de
estatísticas negativas para o sistema, mas um dia já foram pais, filhos e
irmãos de alguém. “Os idosos, principalmente, dão entrada e acabam ficando.
Temos dificuldade de encaminhá-los para casa, pois, geralmente, não há
domicílio registrado”, conta o coordenador-geral da regional norte, Renato
Alves Lima.
Um dos casos recentes no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) é de seu
Ribamar*, internado há seis meses em estado grave. Não fala, não anda: sequelas
de um acidente vascular cerebral. O quadro requer atenção. O senhor de 67 anos
e cabelos grisalhos padece também de pneumonia. Dizem que ele perdeu a família
em um acidente automobilístico, mas certeza ninguém tem. O destino fica nas
mãos de estranhos. Se apresentar alguma melhora, assistentes sociais devem
encaminhá-lo para uma instituição especializada, já que os parentes ninguém
achou. “Não é fácil encontrar uma entidade que os receba. Poucas têm vagas.
Mais difícil ainda é encontrar um lugar que mantenha os cuidados médicos”,
revela Lima.