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Brasil
17/02/2013 18:08:25

Remédio ganha fama contra o bafômetro; veja opinião de especialistas

Nas redes sociais, internautas divulgam o medicamento ‘Metadoxil’, que teria o poder de driblar as regras da Lei Seca

Remédio ganha fama contra o bafômetro; veja opinião de especialistas
Comentário na rede social

tribujahoje //

alana berto

 

Após as mudanças que instituiram a tol­erância zero da ‘Lei Seca’ e o aumento do valor da multa para quem for pego dirigindo embriagado, os motoristas redescobriram um jeito de burlar o teste do bafômetro com a utilização de um medicamento con­hecido como Metadoxil. O método foi descoberto em 2008, voltou à tona agora, e está sendo difundido nas redes sociais. A substância tem sido muito procura­da nas farmácias do País.

 

Na rede social Facebook, ao pesquisar a palavra ‘me­tadoxil’, surgem centenas de comentários relacionados ao tema, com uma média de 10 a 15 por hora. Algumas pessoas criticam o método, enquanto outras divulgam e incentivam o uso do me­dicamento. Na rede, é pos­sível encontrar comentários como: “Metadoxil, santo re­médio” ou “melhor comprar um estoque bom, pois já já vão vetar”. Ainda, posta­gens do tipo: “Depois da As­pirina e do Viagra, a droga do momento contra bafôme­tro: Metadoxil”, são posta­dos nas redes sociais.

 

Um vídeo divulgado no You Tube mostra três jo­vens ingerindo álcool, poste­riormente fazendo o uso do medicamento e, em seguida, o teste do bafometro com intuito de comprovar que a substância pode mascarar os vestígios do álcool no re­sultado do bafômetro.

 

Outros vídeos mostram que quem quer comprar o medicamento, que é tar­ja vermelha, não encontra nenhum obstáculo nas far­mácias, onde não é exigida receita. O Metadoxil custa cerca de R$ 40 e é usado para tratar doenças relacio­nadas ao fígado.

 

Medicamento acelera o metabolismo

 

De acordo com a bula do Metadoxil, ele é um compri­mido revestido de pidolato de piridoxina, que atravessa a barreira hematoencefálica e exerce alguns efeitos sobre o sistema nervoso central, por isso atua favoravelmen­te sobre as funções cogniti­vas e da memória, particu­larmente a alcoólica.

 

A bula diz que o consumo do medicamento pode tra­zer reações adversas como transtorno gástrico e erup­ção cutânea.

 

O presidente do Sindica­to dos Farmacêuticos de Ala­goas, Hugo Alexandre Leite, explicou que o Metadoxil é um medicamento utilizado para desintoxicação alcoóli­ca. “Ele acelera a metaboli­zação do álcool e isso faz com que o álcool seja degradado mais rápido”, colocou.

Ele acrescenta ainda que o bafômetro tem sensibilida­de para detectar determina­das quantidades de álcool.

 

“Pode ter uma zona que não seja capaz de detectar. Podemos comparar com o teste de gravidez feito em farmácia e o teste realizado em laboratório, que é mais preciso”, exemplificou.

 

O farmacêutico coloca que não existe evidência de que o uso do medicamen­to deixe o motorista sóbrio, pois o metabolismo é ace­lerado, mas o álcool ainda continua no sistema nervoso central.

 

“Se fosse assim, o medi­camento seria utilizado em postos de saúde quando o paciente chega embriagado, mas não é tão inofensivo as­sim”, relatou.

 

Além disso, Hugo afirma que o medicamento é con­traindicado para pacientes que usam remédios contra doença de Parkinson. Ele ainda disse que não pode afirmar que o Metadoxil possa mascarar o resulta­do do teste do bafômetro de imediato. “Até porque o me­dicamento demora a agir no organismo”, declarou.

 

A farmacêutica Fabíola Ferro afirmou que soube que o medicamento estava sendo usado com a finalidade de burlar a Lei Seca através da imprensa e que o Metadoxil é um produto pouco vendido por isso estava em falta no estoque da farmácia.

 

Hepatologista afirma que efeitos são apenas reduzidos

 

A hepatologista Eleuza Fa­rias afirma que não existe ne­nhuma comprovação cientifica de que o Metadoxil possa ze­rar o teor de álcool expelido no ar pelo condutor embriagado.

 

Ela explicou que o medica­mento é um composto formado por vitamina B6 e ácido carbo­xílico, para o qual deveria ser exigida receita. Ela também acrescenta que como o medica­mento acelera o metabolismo os efeitos do álcool diminuem um pouco, mas não totalmen­te.

 

A Tribuna Independen­te entrou em contato com algu­mas farmácias sem informar se tratar de uma reportagem, mas na maioria dos estabele­cimentos o medicamento esta­va em falta. Em uma delas, o vendedor afirmou que teria o medicamento e que não pre­cisava de prescrição médica para adquiri-lo.

 

A equipe também foi pesso­almente a algumas farmácias, se identificou e perguntou aos farmacêuticos a respeito do medicamento. Em um dos es­tabelecimentos, a farmacêuti­ca explicou que teoricamente o medicamento de tarja verme­lha deve ser vendido com re­ceita, mas isso não é cobrado.

 

O inspetor da Vigilância Sanitária Municipal, Renê Gondin, disse que desconhe­cia a nova finalidade do Me­tadoxil. “Se alguma farmácia estiver vendendo sem receita é preciso fazer uma denúncia para que a vigilância seja acio­nada”.

 

Laboratório desmente os resultados

 

Em entrevista ao portal iG Saúde, o gerente médi­co do laboratório Baldacci, fabricante do Metadoxil, falou sobre a polêmica em torno da droga – que só pode ser vendida median­te apresentação de receita médica. Questionado se de fato sua ingestão coloca em xeque as informações do bafômetro: “Não”, res­ponde o cardiologista Pau­lo Roberto Chizzola, há um ano à frente da farmacêu­tica.

 

Ele rebate veemente­mente o mau uso da me­dicação, decidiu alertar sobre a utilização inade­quada da medicação nas redes sociais e já começou uma campanha contra a fama conquistada pelo re­médio. Na entrevista, ele diz que “não existe medi­camento para burlar a Lei Seca e que não há remédio para álcool e direção”. Se­gundo ele, o resultado da mistura é a morte. “É o que eu vejo, infelizmente, todos os dias”, lamenta.

 

A fama de que o Me­tadoxil pode burlar a lei seca é prejudicial?

 

Sim. Nossas evidências científicas mostram que é um excelente medicamen­to, com ação farmacológi­ca, utilizado como parte do tratamento do alcoolismo, uma doença séria. O mau uso da droga é muito ruim para o laboratório e tam­bém para quem precisa usar a medicação. Parece que a única finalidade dos comprimidos é essa (burlar a lei seca), quando sabe­mos que o objetivo é outro.

 

Todas as drogas exis­tentes são mau utilizadas. Só para citar um exemplo, temos o Viagra, voltado para homens que têm um problema sério de disfun­ção erétil mas também é usada por jovens sem queixa que só querem po­tência sexual a qualquer custo. A população acaba com acesso indevido aos medicamentos, o que é muito ruim. O Metadoxil não está isento de efeitos adversos se for usado ina­dequadamente (taquicar­dia e comprometimento do fígado são alguns). Ele age no sistema nervoso central e tem ação no fígado.

 

O propósito é acelerar a função hepática no proces­so de metabolizar o álcool e outras substâncias tóxi­cas, indicado para quem já tem lesões no órgão ou está profundamente into­xicado pela bebida alcóoli­ca. Por ter este fim, surgiu esta associação de que ele seria capaz de burlar a Lei Seca.

 

‘Motorista não deixa de ser infrator

O laboratório, além do público consumidor, tam­bém prepara uma carta de esclarecimento para os mé­dicos. Por que decidiram alertar também os profissio­nais?

 

Paulo Roberto Chizzola: Se o médico não tem uma boa orientação em relação aos me­dicamentos, após a primeira notícia da imprensa leiga, ele passa a desconsiderar a droga para o tratamento do alcoolis­mo. O profissional pode acre­ditar que é uma ‘medicação do bafômetro’, como tem sido cha­mada, e isso não existe, não há medicamento capaz de burlar a Lei Seca. O uso pode até ace­lerar a metabolização do álcool mas não faz da pessoa um não infrator da legislação. A reco­mendação dos policiais, inclusi­ve, é que o motorista espere 12 horas para dirigir, caso tenha bebido. Não há mágica.

 

E vocês conseguiram identificar como foi a ori­gem desta divulgação de que é um remédio para a Lei Seca? Em alguns relatos, os usuários dizem que a indi­cação, não oficial, partiu de médicos e farmacêuticos.

 

Não sabemos de onde sur­giu esta fama. Não posso negar que a utilização acelera a me­tabolização do álcool, mas isso não indica que a pessoa pode continuar bebendo. A absti­nência é uma condição para os efeitos positivos do medica­mento. Estou no laboratório há um ano, não fiz parte do lança­mento, mas quando cheguei ao laboratório fiz reuniões para que relançássemos o produto para afastar essa associação de enganação da Lei Seca. As evi­dências científicas mais sólidas que temos mostram que a dro­ga melhora doenças hepáticas já instaladas. Já temos dados também de que ela pode ser uma ferramenta para diminuir a vontade de beber, pois atua no cérebro junto aos receptores cerebrais. Mas tudo isso dentro de um tratamento médico, com orientações especializadas.

 

O tratamento do alco­olismo é complexo, multi­fatorial, e os especialistas reclamam que ainda são restritas as opções terapêu­ticas e quase sempre são exigidas ações diversas. O medicamento de vocês trata o alcoolismo?

 

O Metadoxil é uma exce­lente ferramenta indicada, por médicos, para situações em que é constatado um consumo ele­vado de álcool, em uma fase em que os danos sociais, como de­sestrutura familiar, ainda não apareceram, mas já há sinais de comprometimentos físicos na função hepática.