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andrezza tavares
Como beneficiários do programa Bolsa Família, destinado a famílias de baixa renda, podem ser doadores de campanha eleitoral? É que nove pessoas inscritas no programa federal doaram dinheiro em espécie para a campanha do prefeito de Atalaia, Manoel da Silva Oliveira, o “Professor Mano” (PTB).
Aline da Silva Amorim, Ana Paula do Nascimento, Fabiano Expedito da Silva, Gilvania dos Santos, Ivaneide Gomes da Silva, Ivete Maria Lourenço da Silva, Maria Severina Eugenio dos Santos, Rosiane dos Santos Silva, e Rosy Morgana Costa de Moura foram os doadores da campanha do Professor Mano.
As doações foram feitas entre os dias 13 de setembro e 5 de novembro do ano passado e variam de R$ 1.600 a R$2.100.
A Tribuna Independente entrou em contato com alguns dos doadores e eles confirmaram que são beneficiários do programa, mas titubearam em relação ao valor doado. Num primeiro instante, alguns disseram não lembrar da doação, como se R$ 1.600 fosse um valor irrisório.
Fabiano Expedito da Silva contou que a doação de R$ 2.100 feita para campanha do Professor Mano, na verdade foi um empréstimo. “Ele pediu dinheiro emprestado e eu emprestei, para receber depois que ele assumisse”, afirmou o gari, concursado da prefeitura, negando ter feito doação.
Outra beneficiária doadora da campanha foi a empregada doméstica da casa do próprio professor Mano. Ivete Maria Lourenço da Silva disse que tinha uma reserva e resolveu doar, a pedido do patrão. Questionada sobre o benefício recebido em 2012 (R$ 1.038) ter sido menor do que o valor doado (R$ 1.950), a doméstica disse que o dinheiro do Bolsa Família é do filho. “E eu não posso ter juntado um dinheiro não?”, indagou, informando que recebe cerca de R$ 700/mês.
‘Doação não aconteceu’, diz beneficiária
Pelo menos uma doação dos beneficiários do Bolsa Família, declarada na prestação de contas do prefeito de Atalaia, Professor Mano, não aconteceu. Ana Paula do Nascimento aparece como doadora de R$ 1.855, da campanha de 2012, mas negou doação.
“Eu sou pobre, moça, como posso doar dinheiro? Dependo do Bolsa Família para ajudar em casa”, respondeu Ana Paula, ao ser questionada se tinha realizado a doação.
A princípio, Ana Paula disse que talvez o marido dela, que trabalha para Mano desde que ele era vereador, poderia ter feito a doação, mas depois voltou atrás e afirmou não ter condições de doar dinheiro.
A beneficiária tem dois filhos cadastrados no programa social do governo federal, no qual está inscrita há oito anos.
Quanto ao recibo assinado por ela, datado de 11 de outubro de 2012, Ana Paula do Nascimento disse que não se lembra de ter assinado o documento. “Trabalhei na campanha e assinei muito documento sem saber”, revelou a mulher.
Ao que tudo indica, os doadores de campanha, que estão inscritos no Programa Bolsa Família, têm uma certa ligação com o atual prefeito de Atalaia ou com a prefeitura municipal.
Além de Ana Paula do Nascimento ter trabalhdo durante a campanha de Mano, e de seu marido ser funcionário dele há anos, Ivete Maria Lourenço da Silva é empregada doméstica na casa do prefeito, enquanto Fabiano Expedito da Silva é funcionário da prefeitura.
Os outros beneficiários não foram localizados para falar sobre o assunto. Apenas Rosy Morgana Costa de Moura afirmou que recebe o benefício, mas desligou o telefone quando foi questionada sobre a doação.
Pessoa física só pode doar 10% da renda anual
As doações para campanhas eleitorais, realizadas por pessoas físicas, só podem ser feitas no máximo de 10% da renda tributada no ano anterior à doação (2011). O doador que não cumprir a determinação poderá pagar multa.
Fabiano Expedito da Silva, um dos doadores da campanha do prefeito Professor Mano, recebe um salário mínimo da prefeitura, onde exerce a função de gari. Ele só poderia ter doado cerca de R$ 750 para a campanha, mas ele doou, R$ 2.100.
Embora o gari afirme que fez um empréstimo, o documento assinado por ele, indica a doação. Fabiano Expedito também é beneficiário do Bolsa Família, que no ano de 2012 recebeu do programa o total de R$ 2.100, o mesmo valor doado para a campanha.
A contadora Roseane Andrade explicou que os doadores que ultrapassaram o limite exigido para as doações estão sujeitos a penalidades. “Eles podem pagar uma multa de cinco a dez vezes o valor excedido da doação”, esclareceu.
No caso de Fabiano, a multa pode chegar a R$ 13.500. No caso de pessoa jurídica, a doação deve ser de até 2% do faturamento anual da empresa.
ENGANADOS
“Muitas pessoas nem sabem que são doadores”, ressaltou a contadora, informando que em eleições anteriores alguns candidatos apresentaram nas prestações de contas, documentos de falsos doadores.
“Os recursos não são declarados integralmente e os candidatos não têm como justificar a sobra e com isso usam desses artifícios”, relatou Roseane Andrade, afirmando que isso é lavagem de dinheiro.
PRAZOS
As doações para campanhas políticas dos candidatos podem ser feitas até o dia da prestação de contas, que na campanha de 2012 foi no dia 6 de novembro. Para o partido, as doações podem ser feitas ao longo do ano.
De acordo com a contadora, os candidatos podem arrecadar recursos para suprir algum déficit de campanha que não tenha quitado, mesmo após as eleições.
Doadores serão obrigados a devolver tudo
Os nove beneficiários do programa Bolsa Família, que no ano passado doaram dinheiro para a campanha do prefeito de Atalaia, Professor Mano, devem perder o benefício e serem obrigados a devolver o valor total recebido do governo federal.
Consultada pela Tribuna Independente, a coordenadora estadual do programa Bolsa Família em Alagoas, Maria José Cardoso, informou que o benefício social são para famílias pobres e extremamente pobres, e que estes doadores não estão no perfil do programa.
“Como os beneficiários que contam com o recurso do programa têm condições de doar para campanha eleitoral?”, indagou a coordenadora. “Isso é ilegal”, acrescentou.
Segundo Maria José, essas famílias deverão ser fiscalizadas e se comprovada a doação, além de perderem o benefício, serão obrigadas a devolver todo o recurso recebido do programa, ao longo dos anos de cadastro.
A prefeitura também será responsabilizada pela ilegalidade. “Cabe ao município realizar o cadastro das famílias e fazer a fiscalização delas”, explicou a coordenadora.
Por se tratar de recurso federal, Maria José Cardoso lembrou que a averiguação das denúncias será realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.
REQUISITOS
Para se cadastrarem no programa, a renda per capita das famílias não pode ultrapassar R$ 140 por cada membro, além de manter os filhos na escola.
Maria José explicou que uma família composta por três pessoas, com um salário mínimo (R$ 678) de renda não pode ter o benefício, porque ultrapassa o mínimo exigido pelo programa. “Muitas famílias não declaram a renda, embora hajam cruzamentos anuais”, esclareceu Maria José.