Maceió, junho de 2009. Era uma noite de quarta-feira quando três amigas conversavam em um bar no bairro do Farol, próximo a uma faculdade particular. Duas delas trocavam carinhos quando a terceira percebeu que na mesa ao lado, onde outros universitários estavam, insinuações e ofensas em relação à orientação sexual do casal eram compartilhadas. Após o constrangimento e um breve bate-boca, as amigas decidiram sair do bar. No momento em que deixavam o local, um dos rapazes levantou-se de sua mesa e atirou uma garrafa de cerveja contra o carro em que as três estavam.
Assustadas com a agressão, as jovens foram atrás da polícia. Abordaram uma viatura que abastecia em um posto na Avenida Fernandes Lima, e lá uma constatação angustiante: nada poderia ser feito. Os militares informaram que as ofensas não poderiam ser enquadradas, já que não havia uma lei específica contra a discriminação pela orientação sexual.
Vitória (ES), 17 de fevereiro de 2012. Rolliver de Jesus, 12, se enforcou com cinto da mãe por não suportar mais o bullying que sofria na escola. “Eles [os alunos] o chamavam de gay, bicha, gordinho. Às vezes, ele ia embora chorando”. Relatou uma colega de classe do estudante.
Os casos de homofobia, que pode ser entendida como a aversão, ódio irracional e medo de pessoas que têm atração afetiva e sexual para pessoas do mesmo sexo, crescem a cada ano no mundo. No Brasil, os crimes de intolerância poderiam ser combatidos, principalmente com a aprovação do Projeto de Lei da Câmara n.º 122/06, que foi barrado pela bancada conservadora do Congresso. Desde então, entidades do movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais (LGBT) tentam retomar o debate em Brasília.
Essa semana, seminários sobre o PLC 122 e sobre o Programa Escola Sem Homofobia foram realizados. No dia 15, a senadora pelo PT, Marta Suplicy promoveu o “Diferentes, mas iguais”, que teve a participação de políticos, membros da sociedade civil e entidades ligadas ao movimento, que discutiram a importância do Projeto para o combate aos crimes contra homossexuais, que no Brasil, só em 2012, já registra 179 assassinatos e em Alagoas, já vitimaram nove pessoas, segundo informações do Grupo Gay de Alagoas (GGAL).
O PLC 122 englobaria a homofobia às outras discriminações como o racismo e a intolerância religiosa. Com a aprovação do projeto, os exemplos como os citados no início desta reportagem poderão ser julgados com base na Lei. “O Projeto tramita desde 2006. A Frente Parlamentar conseguiu tirá-lo da gaveta, e a luta do movimento é que ele volte a ser pauta no Congresso”, informou o presidente do GGAL, Nildo Correia.
No Estado, que em 2011 houve 21 assassinatos com características homofóbicas, o movimento gay segue a passos lentos. Além da recente criação do Grupo de Trabalho (GT) junto a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, as entidades aguardam respostas do Governo para implantação de políticas públicas para os LGBT. “O movimento está aguardando a portaria do Governo de Alagoas que irá estabelecer o Conselho Estadual LGBT, que já existe em outros estados. O Conselho terá poder deliberativo e autonomia para cobrar ações de combate à homofobia”, declarou Correia.
Também na quarta-feira (16), foi realizada em Brasília a III Marcha Nacional Contra a Homofobia, em frente ao Palácio do Planalto. Organizado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), o ato teve a presença de representantes de 18 estados do país, apoio de sindicatos, entidades estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE), Movimento de Mulheres, e sociedade civil.
Escola Sem Homofobia
Grande parte dos estigmas e dos preconceitos que ainda hoje persistem na sociedade, pode ser combatidos com a educação nas escolas. Preconceito que às vezes, existe muito mais entre os professores do que nos alunos. Sobre esse tema, a Frente Parlamentar LGBT da Câmara dos Deputados realizou do dia 16, o seminário “Respeito à Diversidade se aprende na infância”, que destacou a importância da desmistificação dos preconceitos dentro da sala de aula. Depois de ter o Kit Anti-homofobia proposto pelo Ministério da Educação (MEC) duramente bombardeado pela bancada conservadora tanto da Câmara e do Senado, o projeto foi vetado pela presidente Dilma Rousseff.
“A política foi suspensa devido à pressão de forças políticas aqui dentro do Congresso.
Infelizmente, a presidente Dilma cedeu. A mídia também abraçou os argumentos fundamentalistas. Primeiro, criticaram a estética do material, depois questionaram a necessidade de algo específico sobre a homofobia. Ora, porque essa prática é mais comum nas escolas do que outras formas de discriminação, como mostram as pesquisas”, declarou o deputado Jean Wyllys (PSOL) que junto com outros parlamentares, fazem a resistência pela aprovação do PL 122 dentro da Câmara.
“Assim que o Programa foi noticiado, veio a reação da camada conservadora, que atribuiu ao Escola Sem Homofobia o nome de “kit-gay”, dizendo que o mesmo faria apologia, que criaria novos gays. Isso não existe. O Programa é de fundamental importância, e tem o papel de capacitar os educadores como tratar a homofobia e o bullying dentro da sala de aula. Com material educativo, mostrar aos alunos que a diferença não deve ser tratada com desigualdade, ódio ou falta de respeito ao próximo”, explicou o presidente do GGAL.
“A homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”
No dia 17 de maio de 1990, durante assembleia realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), foi aprovada a resolução que retirava a homossexualidade da lista de Classificação Internacional de Doenças. De 1948 até a data citada, a medicina tratava a livre orientação sexual como um transtorno mental.
Depois de anos tratado como pecado, como crime e como doença, a homossexualidade passou a ser reconhecida como uma manifestação da diversidade sexual e o dia 17 de maio como o Dia Mundial de Combate à Homofobia.
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fran ribeiro