Há certo tempo, o crack ganhou fama por ser uma droga de alta incidência nos centros urbanos, utilizada com frequência por moradores de rua, em período noturno. Entretanto, não há mais cenário que ilustre os seus rastros. No interior do Estado, qualquer pessoa pode ser alvo dos efeitos devastadores da droga que, por sinal, chega mais rápido que as informações sobre o seu combate e as condições de tratamento oferecidas.
De acordo com estatísticas do Comando de Policiamento do Interior (CPI) da Polícia Militar, dos 92 municípios do interior de abrangência do policiamento (nesse total não estão inseridos a capital Maceió e os municípios da região metropolitana), 73 já foram invadidos pelo crack.
Se o número parece alto, ele pode ser ainda maior. O comandante do CPI, coronel Valdeir Barbosa de Araújo, afirma que o balanço pode estar defasado, e o crack pode ter chegado já a quase 100% dos municípios alagoanos, apesar de as estatísticas ainda não comprovarem o fato.
De janeiro até junho de 2011, o Comando de Policiamento do Interior registrou 1.474 apreensões de pedras de crack no Estado, um número três vezes maior do que o registrado em 2008, quando houve 457 apreensões.
De acordo com os dados da Polícia Militar, os municípios de Delmiro Gouveia, Arapiraca e Penedo registram as maiores apreensões. Mesmo assim, o consumo pode estar em lugares que nem sempre são compatíveis com as estatísticas, segundo o comandante do CPI, coronel Valdeir.
“Uma das cidades de maior incidência do crack e de criminalidade é Delmiro Gouveia, pelo fato de fazer fronteira com mais dois Estados, Bahia e Pernambuco, e ter uma quantidade populacional elevada. Piranhas também pode se enquadrar nessa relação, por fazer fronteira com Sergipe.
São Miguel dos Campos também pode se enquadrar nessa lista. Pelo conhecimento empírico que tenho, mesmo sem me debruçar sobre as estatísticas eu vejo que os maiores índices de consumo de droga e criminalidade são desses municípios”, informou.
Livres da epidemia
Segundo os dados da PM, contestáveis, os municípios que ainda estariam livres da ‘epidemia’ do crack são aqueles de abrangência do 7º Batalhão, os de abrangência da 1ª Companhia Independente, e os do 6º Batalhão.
Entre as cidades comprovadamente invadidas pela droga está União dos Palmares, que foi visitada pela Tribuna Independente.
Vulnerabilidade das famílias após enchente de 2010 incentiva consumo
Em um dos municípios onde o crack está presente, segundo dados da Polícia Militar, a situação foi agravada pela enchente de junho de 2010.
Segundo a coordenadora do Caps de União dos Palmares, Márcia Neves, as condições precárias de habitação oferecidas após as enchentes, onde centenas de pessoas ficaram desabrigadas nas proximidades do bairro da Vaquejada, facilitou a inserção de jovens no mundo das drogas.
“A vida ficou toda desordenada. Quem usa crack dentro da família não é o pai nem a mãe. O filho que já usava é que continua e a sua saída das drogas com o ambiente vulnerável se torna mais complicada”.
Em União, maioria das prisões está relacionada ao tráfico
A Tribuna Independente foi a campo para detectar a relação do consumo do crack com o aumento da criminalidade, analisando o município de União dos Palmares, localizado na Zona da Mata de Alagoas, a 73 quilômetros de Maceió.
O delegado Antonio Nunes, responsável pela Delegacia de União, reconheceu a alta incidência da droga no município, mesmo trabalhando há apenas cinco meses na Delegacia.
Hoje, as áreas emergenciais para o trabalho da polícia, mapeadas pela Delegacia, abrangem os bairros da Vaquejada, Morro das Cobras, Conjunto Padre Donald e Mutirão.
Mas o delegado diz que o consumo se alastra numa frequência tão devastadora que tende a descentralizar as regiões de consumo. “Não existe localidade específica somente para o consumo de droga. Infelizmente, o crack está inserido em qualquer cidade. Aqui na Delegacia, quase a totalidade dos que são presos, e cometem homicídio, tem ligações com o tráfico”.
“Diariamente, são realizadas pequenas apreensões de pedras de crack, movimentadas pelos chamados ‘aviões’, que fazem a distribuição. Mas estamos articulando ações conjuntas com palestras em escolas. Acredito que, com a participação da sociedade, essa situação pode ser minimizada. Infelizmente, aqui já existem lugares onde há o toque de recolhida dos traficantes, mas não existe lugar onde a polícia não possa entrar. Estamos trabalhando para que isso acabe”, disse.
De acordo com Antonio Nunes, a infiltração de traficantes de outras regiões no Estado é um fator que alavanca a venda da droga de forma avassaladora no interior e na capital de Alagoas.
“Há 15 dias, foram presas pessoas dos estados de São Paulo, de Minas Gerais, e outras que já tinham mandado de prisão decretado no Espírito Santo. Isso tudo leva a crer que o tráfico do crack está migrando do Sul para ao Nordeste”.
A informação que ele obteve é de que a droga fabricada na Região Sul chega ao município de União custando em média R$ 5 por pedra. “Especialistas dizem que o crack vicia no primeiro uso. Isso demonstra que há mais casos de crack do que de maconha”.
Caps do interior encaminha para a capital
O Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) do município alega que não tem como realizar trabalhos voltados à reinserção social dos reeducandos dependentes químicos, portanto eles são encaminhados aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) de Maceió, já que o CAPs de União oferta atendimento apenas para dependentes do álcool.
A conselheira tutelar de União dos Palmares, Maria Elisabeth, chama a atenção para essa relação envolvendo jovens com faixa etária de 12 a 17 anos. “No Centro da cidade é subindo a ladeira e sendo assaltado. Os alunos chegaram ao ponto de assaltar seus próprios professores”.
Elisabeth acredita que os jovens são atraídos pelas drogas por falta de base familiar. “Virou até moda essa expressão de ‘falta de estrutura familiar’, e realmente eu ainda não atendi nenhum caso onde a falta de estrutura não está na família. Eu vejo como uma instituição praticamente que falida”, afirma.
A conselheira critica a ausência de trabalhos com características punitivas pelas instituições. “Eles não são tratados como se estivessem sofrendo uma pena. Eu acho que eles tinham que sofrer uma penalidade e ter a consciência de que o trabalho que está sendo realizado seria por conta do que ele fez. Eu sigo um princípio bíblico: se não vai pelo amor tem que ir pela dor”.
Em União, há apenas uma fazenda que trata dependentes voluntariamente. A Fazenda Rosa Mística aposta na força da fé para tratar pacientes dos mais variados tipos.
Durante a visita da Tribuna Independente à fazenda, o ex-eletricista industrial da Petrobras, Hailton Berto de Oliveira, contou que há menos de um mês tenta largar um vício de quatro anos.
Segundo ele, o uso do álcool e maconha com colegas de trabalho o levaram ao vício do crack em União dos Palmares. “Eu era desinformado e não temia o vício”, justifica. Sobre a facilidade de conseguir a droga no município ele ressalta. “Eu conheço lugares aqui em União onde não tem educação, informação, nem água e luz, mas o crack chegou. Quando voltei a morar em União, em 2007, meus amigos já estavam no crack, e eu não queria ficar por fora”, lamenta.
Secretário da Paz diz que haverá investimento
O secretário de Estado de Promoção da Paz, Jardel Aderico, diz que ao todo existem 30 espaços para tratamento de dependentes químicos em Alagoas, que receberão apoio financeiro de R$ 4 milhões do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza do governo do Estado (Fecoep), até dezembro de 2011. “As comunidades terapêuticas vêm se unindo ao trabalho do Caps no sentido de afastar de forma prolongada quem é dependente das zonas de risco”, disse.
Segundo o secretário, desde junho de 2010 foram cerca de cinco mil pedidos de atendimento protocolados na Sepaz, para tratamento de dependentes de substâncias psicoativas do Estado inteiro. Segundo ele, metade dessa quantidade conseguiu atendimento.
Entretanto, ele aponta Alagoas como um Estado que vem gerando políticas de tratamento aos dependentes. “Com o programa Acolhe Alagoas recebemos a ligação dos governadores de Rondônia, de Sergipe e Pernambuco para nos visitar. Eles se interessam em adotar medidas que aplicamos aqui”.
Para Jardel Aderico, o entorpecente tem que ser visto como um problema social e a principal causa da criminalidade na atualidade. “Não é um surto, é algo mais que isso. As cenas que presenciamos em nosso dia-a-dia revelam a construção de uma ampla rede de criminalidade”, frisou.
“Os casos de homicídio, porte ilegal de armas, são resultado do consumo de drogas. Nacionalmente, esses dados têm direcionado muito mais investimentos para a segurança pública enquanto vai se fazendo menos prevenção. Gastamos mensalmente R$ 545 com cada menor infrator, que poderia ser revertido em projetos preventivos. Em nível nacional, o nosso relatório não está servindo para definir políticas públicas; não é como um boletim de ocorrência. Foi pensando nisso que o governo criou a Secretaria da Paz”. (D.M.)
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daniel maia