Pare, por favor. Uma criança foi baleada”. Foi só a partir do pedido desesperado de uma moradora que o atirador cessou os disparos contra um suposto traficante de Riacho Doce. No momento do tiroteio, na tarde do último sábado, havia pelo menos dez crianças na linha de fogo. Uma delas, de apenas oito anos, foi atingida nas nádegas. O projétil percorreu a uretra do menor, que perdeu parte do pênis e um testículo.
A criança estava sentada numa cadeira de balanço, na varanda da casa da avó, quando foi alvejada. Dona Sebastiana dos Santos contou que fazia um bolo quando ouviu o barulho dos disparos. “Estava na cozinha e corri para a varanda porque três netos estavam lá brincando e ele [o menor baleado] estava fazendo um lanche. Quando cheguei, ele já estava todo encolhido e gritando de dor”, lembrou Sebastiana.
Ela conta ainda que uma vizinha chegou a ser atingida de raspão e uma outra foi quem gritou para que o atirador parasse. “Ela começou a gritar porque já tinha visto meu neto machucado. Não cheguei a ver o rosto da pessoa que atirou, mas muita gente aqui viu”.
Testemunhas do tiroteio foram unânimes ao afirmar que a pessoa com arma em punho naquela tarde não era o que eles pudiam chamar de bandido, era um policial. “Mas o que eu penso é que esse policial é tão bandido quanto aquele que ele disse que estava perseguindo”, disse uma testemunha.
Pelos relatos, um suposto policial estaria correndo atrás de um bandido conhecido da área e, quando o viu, começou a disparar sem se preocupar com a possibilidade de atingir inocentes. O alvo do suposto policial não teria sido atingido.
Na parede da casa de Dona Sebastiana, ainda estão duas marcas de projéteis, as duas, próximas às escadas que dão acesso à varanda de sua casa. “Não sei nem dizer qual foi dessas aqui que pegou no meu neto. Foi tudo muito rápido e a gente só via a dor do meu menino”, lamentou a avó.
HGE
O menor, de oito anos, atingido nas nádegas por uma bala perdida, foi socorrido e encaminhado para o Hospital Geral do Estado (HGE) onde passou por uma cirurgia de reconstituição de parte do pênis e de um dos testículos. Este último procedimento não chegou ao resultado esperado e não foi possível recuperar o órgão.
Durante a entrevista, uma menor de seis anos resumiu o que vivenciou na tarde daquele sábado enquanto brincava ao lado do amigo que foi baleado. “Foi assim: pá, pá, pá”.
Segundo o pai da criança, o segundo-tenente Fidélis, reformado da Polícia Militar, nesse momento considerado por ele um dos mais difíceis de sua vida, o maior alento é saber que o filho está sendo assistido da melhor forma no HGE. “Falam muita coisa de lá, mas com o meu filho eles foram excelentes. Já fizeram a cirurgia e tudo o que estava ao alcance deles”. O estado de saúde da criança é estável e a alta médica deve sair em breve. “Porque tudo o que eles tinham que fazer lá eles já fizeram. Agora é com a gente aqui”, reiterou o policial.
O pai
O segundo-tenente Fidélis, que está na reserva da Polícia Militar, é pai do menor de oito anos, mais uma vítima da violência que, segundo ele, está assolando a região de Guaxuma ao Mirante da Sereia.
Ainda muito nervoso com a situação do filho, o policial se disse inconformado com o que ocorreu e que vai buscar a Justiça. “Bandido, minha filha, não respeita ninguém. Se a Polícia Militar tem medo, eu não tenho. Não sou um herói, mas não me curvo à bandidagem”, desabafou.
Fidélis está há 30 anos na polícia e disse que durante todo esse tempo nunca teve qualquer tipo de problema, principalmente envolvendo sua família. “Porque às vezes a pessoa pode pensar: será que não foi uma coisa porque o menino é filho de policial? Mas pode ir lá e conversar com quem quiser. Poderia ter morrido qualquer uma daquelas crianças que estavam lá. O bandido atirava pra frente e só atrás de outro bandido, que ainda não sei quem é”, ressaltou.
A bala que atingiu o menor está em poder do pai. “Provavelmente é de um revólver 38. Está aqui para eu não esquecer o que fizeram com o meu filho”, disse emocionado.
Mães de família que foram entrevistadas pela Tribuna Independente disseram temer pelo futuro de seus filhos já que eles estão vulneráveis à violência. “Virou coisa comum esse pessoal tá aí nas praças fumando drogas, vendendo e nossos filhos assistindo e às vezes aliciados”, desabafou uma delas.
Líder comunitário
No último sábado à noite, Williams Ferreira da Silva, 20, filho do líder comunitário de Guaxuma, Ubiraci Ferreira da Silva, foi assassinado a tiros a poucos metros de uma base da polícia, às margens da rodovia, no conjunto Elias Pontes, onde morava.
Sem esperar a chegada do Instituto de Criminalística (IC), familiares do jovem retiraram o corpo do local do crime e levaram para dentro de casa. Apesar do pai dizer que não via explicações para o crime, populares disseram que o rapaz tinha envolvimento com ilícitos na área. O jovem foi morto quando chegava de uma partida de futebol.
A reportagem entrevistou moradores de Guaxuma e região sobre a situação de criminalidade e o que pode ser constatado é que o caso do menino baleado é apenas mais um em uma região onde os homicídios impunes são rotina.
No local, o domínio está nas mãos de alguns bandidos bastante conhecidos por ali.
Pelo menos três deles seriam conhecidos da polícia e transitam livremente pelas ruas e praças da região. Eles teriam domínio do tráfico e seriam responsáveis pelos homicídios no local. “Um deles é responsável por pelo menos quinze assassinatos. E não para por aí. Eles comercializam drogas e aliciam menores para o tráfico em plena luz do dia e fazem isso às vistas de todos”, disse uma moradora que pediu para não ser identificada.
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