Recentes episódios de intoxicação severa por metanol, um composto químico utilizado na indústria, têm causado grande preocupação e intensificado debates no Brasil ao longo da última semana.
Este composto, comum em solventes, combustíveis e outros itens, é altamente tóxico e impróprio para ingestão humana. De acordo com o levantamento do Ministério da Saúde divulgado neste sábado (4/10), foram confirmados 14 casos de consumo de metanol, incluindo duas fatalidades em São Paulo, além de 181 ocorrências que ainda estão sendo investigadas.
Este cenário levanta uma questão fundamental: por que o metanol apresenta um nível de periculosidade tão superior ao etanol, o álcool presente em bebidas alcoólicas tradicionais? Apesar de ambos serem classificados como álcoois quimicamente, eles apresentam semelhanças visuais, como transparência, viscosidade e até mesmo odor — tornando impossível diferenciá-los pelo olfato.
Entretanto, os efeitos no organismo humano variam drasticamente. Jessica Fernandes Ramos, especialista em infectologia, explica que essa disparidade explica a gravidade dos casos recentes. No fígado, tanto o metanol quanto o etanol são processados pela mesma enzima, mas eles produzem resultados muito diferentes.
O etanol resulta em substâncias menos tóxicas, enquanto o metanol é convertido em formaldeído — o mesmo usado em embalsamamento — e ácido fórmico, ambos extremamente prejudiciais. Este ácido atua de maneira corrosiva no nervo óptico e outras partes do sistema nervoso, além de alterar o pH sanguíneo.
Isso pode comprometer o metabolismo celular, afetar órgãos vitais e levar a complicações graves, incluindo falência múltipla de órgãos. O aumento da preocupação se deu porque, ao contrário de casos anteriores, em que o consumo de metanol ocorreu principalmente devido a uso intencional por populações de rua, desta vez as intoxicações ocorreram em bares, envolvendo bebidas adulteradas como gim, uísque, vodka e outros destilados.
Ainda não está claro se o metanol foi adicionado intencionalmente para baratear ou aumentar o volume dessas bebidas, ou se houve contaminação acidental. As declarações das autoridades sugerem que, por enquanto, a hipótese mais provável é a de adulteração proposital. Após ingestão, o metanol é rapidamente absorvido pelo trato digestivo.
Os primeiros sintomas podem aparecer entre duas e 48 horas, dependendo da quantidade consumida. Em intoxicações, a lavagem gástrica geralmente não é eficaz devido à rápida absorção do composto.
Ao passar pelo fígado, o metanol se transforma em formaldeído e ácido fórmico, que entram na circulação sanguínea e atingem rapidamente o sistema nervoso, especialmente os neurônios. Os sintomas iniciais incluem dores intensas de cabeça, alterações no nervo óptico, visão turva ou dupla, podendo evoluir para perda visual irreversível ou cegueira completa.
A intoxicação também provoca acidose metabólica, um estado em que o sangue se torna mais ácido, levando a respirações rápidas e superficiais na tentativa de eliminar essa acidez. Este desequilíbrio afeta o funcionamento de diversos órgãos, particularmente o coração, pulmões e rins.
O coração necessita de estabilidade para manter os batimentos normais, enquanto os pulmões e rins trabalham arduamente para compensar o acúmulo de substâncias tóxicas, podendo culminar em insuficiência de múltiplos sistemas. Jessica Ramos destaca que não há quantidade segura de metanol, pois até 10 ml ingeridos podem desencadear quadros graves, mesmo que em pequenas doses os sintomas não apareçam imediatamente. Desde que ingerido, o tratamento precoce é crucial para evitar complicações irreversíveis.
O procedimento mais eficaz é a administração de etanol, que compete com o metanol no fígado, retardando sua conversão em substâncias tóxicas. Em ambientes hospitalares, essa terapia é feita por via oral ou intravenosa, utilizando-se etanol farmacêutico de alta pureza. Além disso, a hemodiálise serve para remover o metanol e seus metabólitos do sangue, acelerando a recuperação.
O suporte inclui hidratação, uso de bicarbonato intravenoso para corrigir a acidose, e cuidados respiratórios conforme necessário. O etanol é utilizado como antídoto porque ambos os compostos competem pela mesma enzima hepática — a álcool desidrogenase.
Quando essa enzima está ocupada com o etanol, a formação de formaldeído e ácido fórmico a partir do metanol é retardada, protegendo o organismo. No Brasil, o atendimento de emergência em casos de intoxicação por metanol é realizado em parceria com os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox).
Atualmente, há 32 unidades distribuídas pelo país, incluindo nove em São Paulo, estado que concentra a maior quantidade de ocorrências recentes. Ainda aguarda aprovação o uso do fomepizol, droga considerada superior ao etanol no combate à intoxicação por metanol, pois bloqueia a enzima responsável por sua metabolização, impedindo a formação de toxinas — sem causar embriaguez.
Para reduzir riscos, a orientação é evitar completamente o consumo de qualquer bebida destilada. Apesar de não haver registros de contaminação em cervejas ou vinhos até o momento, bebidas como cachaça, gim, vodka e uísque já apresentaram casos de adulteração, dificultando a garantia de segurança, uma vez que o metanol é incolor e de odor semelhante ao etanol.
A recomendação das autoridades é que, até novas orientações, o consumo de destilados seja evitado completamente, especialmente porque há relatos de intoxicações em jovens saudáveis, inclusive em regiões com fiscalização aparentemente eficiente.
A especialista em saúde mental Olivia Pozzolo alerta que o público deve ficar atento a sintomas como náusea, tontura, alterações visuais e dificuldades respiratórias após o consumo de bebidas alcoólicas. Em caso de suspeita, procurar orientação médica o quanto antes é fundamental.