As autoridades brasileiras estão preocupadas com a possibilidade de um crescimento nos casos de intoxicação por metanol, causado pelo consumo de bebidas alcoólicas contaminadas com esta substância, que pode levar a mortes e sequelas permanentes, incluindo cegueira.
Recentemente, mais de 40 possíveis casos relacionados ao problema foram registrados em São Paulo e Pernambuco. Uma dessas ocorrências resultou na morte confirmada de um paciente em São Paulo, enquanto outras sete mortes — cinco em São Paulo e duas em Pernambuco — ainda estão sendo analisadas. O temor é que esses números possam subir, uma vez que ainda não há uma compreensão clara sobre a origem do surto ou o número de pessoas que também ingeriram metanol.
A suspeita é de que algumas bebidas alcoólicas tenham sido adulteradas com a substância, especialmente porque muitas vítimas consumiram bebidas em bares. Além disso, as autoridades consideram a hipótese de algum problema de contaminação durante o envase das garrafas. Para lidar com essa emergência, o Ministério da Saúde recomenda que qualquer indivíduo que apresente sintomas como embriaguez persistente, desconforto estomacal e dificuldades visuais entre 12 e 24 horas após o consumo de bebidas procure imediatamente uma unidade de saúde. Especialistas ressaltam que a recuperação da intoxicação por metanol é possível, principalmente se o tratamento for iniciado rapidamente, preferencialmente horas após os primeiros sinais, para evitar danos irreparáveis ao organismo.
O sistema de saúde brasileiro conta atualmente com 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox), especialmente distribuídos pelo Estado de São Paulo, onde a maior parte dos casos foi registrada, sendo nove centros na região. O tratamento padrão envolve a administração controlada de etanol farmacêutico por via intravenosa ou oral, sob supervisão médica rigorosa. O procedimento visa impedir que o metanol seja convertido em ácido fórmico, cuja toxicidade pode afetar o sistema nervoso central e os nervos ópticos, levando a cegueira, sequelas cerebrais ou até à morte.
A intoxicação se torna ainda mais perigosa porque, ao ser metabolizado pelo fígado, o metanol vira ácido fórmico, o verdadeiro agente nocivo ao corpo. Para evitar essa transformação, o paciente recebe doses constantes de etanol, além de passar por hemodiálise para eliminar o tóxico do sangue. Em casos mais avançados, o ácido fórmico pode causar graves danos neurológicos, cegueira ou morte.
Assim, a rapidez no início do tratamento é fundamental para evitar esses desfechos. Questiona-se por que o Brasil ainda não utiliza o antídoto mais eficaz para esse tipo de intoxicação: o fomepizol. Apesar de ser mais eficiente, essa medicação não provoca sintomas como a embriaguez durante o tratamento e sua produção é cara, dificultando sua aquisição por muitos países, incluindo o Brasil.
O custo de uma dose de fomepizol pode chegar a até 1 mil euros (aproximadamente R$ 6,3 mil). Mesmo após a expiração da patente mundial, a produção em larga escala ainda enfrenta obstáculos devido ao alto preço, dificultando sua disponibilização generalizada. Na última terça-feira (30/9), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que o governo brasileiro estuda criar uma reserva estratégica de fomepizol, que ainda não possui registro oficial no país. A nota técnica divulgada na quarta-feira pelo ministério não faz menção ao uso do fomepizol, focando apenas no etanol como antídoto. A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) solicitou que o fomepizol fosse incluído na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde, facilitando sua importação por países sem registro, embora os custos elevados continuem sendo uma barreira significativa.
Estudos de 2017 indicaram que os custos hospitalares de pacientes tratados com fomepizol foram 3,3 vezes superiores aos de quem recebeu etanol em um surto de intoxicação na República Checa, entre 2012 e 2014. Além do tratamento, especialistas destacam a importância de informar a população sobre os riscos da intoxicação por metanol.
Como os sintomas podem parecer inespecíficos, muitas pessoas não identificam a gravidade da situação imediatamente, o que reforça a necessidade de conscientização. Outra estratégia é alertar a comunidade sobre casos semelhantes na região, incentivando a busca por atendimento imediato ao notar sintomas relacionados. Para ampliar essa conscientização, o Ministério da Saúde exige que profissionais de saúde notifiquem imediatamente qualquer suspeita de intoxicação por metanol.
A orientação é que todas as ocorrências suspeitas sejam comunicadas ao Centro de Informações em Vigilância Epidemiológica (CIEVS) do estado, que monitora os riscos de saúde pública. O ministro Alexandre Padilha reforçou que a notificação deve ocorrer mesmo na ausência do diagnóstico definitivo, buscando agilizar a resposta às emergências.