De acordo com uma análise publicada nesta sexta-feira (3) pela organização internacional EAT, em parceria com a renomada revista científica The Lancet, uma mudança global nos padrões alimentares – especialmente a redução significativa no consumo de carne vermelha e açúcares, entre outros produtos – tem potencial para evitar aproximadamente 15 milhões de mortes antecipadas anualmente. Além disso, essa transformação poderia diminuir em mais da metade as emissões de gases de efeito estufa relacionadas à produção de alimentos.
No cenário brasileiro, os obstáculos são particularmente desafiadores. Uma investigação conduzida pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) revelou que a dieta do país, marcada pelo alto consumo de carne bovina e alimentos ultraprocessados, reduz em média 5,89 minutos de vida saudável por produto ingerido.
A equipe, composta por quase uma centena de especialistas em nutrição, saúde pública e sustentabilidade, propõe a adoção da chamada “Dieta da Saúde do Planeta”. Essa estratégia prevê uma alimentação baseada em frutas, hortaliças, cereais integrais, oleaginosas e leguminosas, com uma redução drástica no consumo de carnes vermelhas, açúcar e produtos industrializados.
A meta é promover uma nutrição equilibrada globalmente, ao mesmo tempo que se preservam os recursos naturais essenciais.
O estudo evidencia que, atualmente, os hábitos alimentares apresentam desequilíbrios graves. Em diversas regiões, há escassez de alimentos frescos e integrais, enquanto o consumo excessivo de produtos de origem animal, derivados lácteos, açúcar e alimentos processados virou padrão.
Esse quadro representa uma crise tanto na saúde quanto no meio ambiente, reforçada por uma injustiça social significativa: cerca de 30% das pessoas mais abastadas são responsáveis por mais de 70% dos impactos ambientais provocados pela alimentação, enquanto mais de um bilhão de indivíduos ainda sofre com a desnutrição.
Contudo, ao integrar as mais recentes descobertas científicas, os pesquisadores demonstram que é possível alimentar 9,6 bilhões de pessoas até 2050, assegurando o equilíbrio nutricional, justiça social e respeito ao meio ambiente.
O estudo ressalta que, mesmo com o abandono completo do petróleo e de combustíveis fósseis, os sistemas alimentares continuam sendo uma ameaça ao clima, já que representam cerca de 30% das emissões globais de gases do efeito estufa. A produção de carne bovina, em particular, é apontada como uma das principais fontes dessas emissões, devido às emissões de gases por animais e à fabricação de ração para o gado.
Embora essa relação entre alimentação e alterações climáticas seja pouco discutida na mídia, uma análise feita pela organização Sentient Media revelou que, em 940 reportagens de grandes veículos nos EUA e no Reino Unido, menos de 4% abordaram o impacto da pecuária sobre o clima. Em contrapartida, mais de 60% trataram das emissões de carbono, aproximadamente metade falou sobre combustíveis fósseis, e um terço discutiu o setor de transportes.
Essa insuficiência na cobertura jornalística favorece a desinformação. Uma pesquisa conduzida pelo Washington Post e pela Universidade de Maryland mostrou que 74% dos americanos acreditam que o consumo de carne tem pouco efeito na mudança climática.
Apesar do impacto ambiental, reduzir o consumo de carne e privilegiar alimentos vegetais, leguminosas e oleaginosas continua sendo uma das estratégias mais eficazes para combater o aquecimento global, especialmente nos países ocidentais, onde o consumo de proteína animal é elevado.
Os cientistas alertam que a transformação dos sistemas alimentares é uma necessidade urgente, envolvendo uma mudança nos hábitos de consumo e a promoção de práticas alimentares justas e sustentáveis.
No contexto brasileiro, os desafios permanecem grandes. Um estudo da USP e da UERJ publicado em maio de 2025 no International Journal of Environmental Research and Public Health indica que a dieta do país, marcada pelo consumo elevado de carne bovina e alimentos ultraprocessados, reduz, em média, 5,89 minutos de vida saudável por item consumido.
A pesquisa utilizou o índice HENI, uma métrica que mede o impacto dos alimentos na longevidade e no meio ambiente, aplicando-se pela primeira vez no Brasil.
Alimentos como biscoitos recheados e refrigerantes aparecem entre os piores colocados na avaliação, enquanto peixes de água doce, bananas e feijão têm os melhores resultados em termos de benefícios à saúde.
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Além dos efeitos na saúde, o peso ambiental da alimentação brasileira é alarmante. A produção de alimentos responde por 74% das emissões de gases de efeito estufa no país, e a cadeia produtiva da carne bovina sozinha emite 1,4 bilhão de toneladas de CO? equivalente, mais do que o Japão inteiro.
Se fosse um país, o “bife brasileiro” seria o sétimo maior emissor do planeta, segundo dados do Observatório do Clima.
Ademais, o Relatório sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial, divulgado em 2024 pela FAO, revela que, embora o custo de uma dieta saudável tenha aumentado de US$ 3,22 para US$ 4,25 entre 2017 e 2022, a quantidade de brasileiros incapazes de pagar por uma alimentação adequada caiu de 57,2 milhões para 54,4 milhões, mas ainda assim, 25% da população não consegue manter uma dieta nutritiva.