Embora os grêmios estudantis sejam garantidos por lei, sua presença ainda é limitada nas escolas públicas do país. De acordo com o Mapeamento de Grêmios Estudantis no Brasil, realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, apenas 14% das escolas públicas contam com essa forma de organização estudantil. O levantamento, baseado no Censo Escolar da Educação Básica 2023, aponta que a maior concentração desses grêmios está na Região Sudeste e em instituições localizadas em áreas de maior nível socioeconômico.
Apesar do aumento tímido de 1,4 ponto percentual desde 2019, quando os dados começaram a ser coletados, a desigualdade na distribuição dos grêmios pelo país é evidente. Enquanto 24% das escolas públicas do Sudeste possuem grêmios, esse percentual cai para apenas 5% na Região Norte. O mesmo ocorre quando se compara a presença desses grupos em áreas urbanas (20%) e rurais (5%).
A relação entre nível socioeconômico e existência de grêmios também é marcante. 64% das escolas onde os estudantes têm maior poder aquisitivo possuem grêmios, enquanto nas instituições com alunos de menor renda esse percentual não chega a 20%. O cenário se agrava em escolas com maioria de estudantes negros (10% possuem grêmios) e em comunidades indígenas e quilombolas, onde apenas 3% das escolas contam com essa estrutura.
Para Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os grêmios são essenciais para a gestão democrática e para garantir um espaço de escuta dos alunos. “Sempre se fala que a educação deve ser centrada no estudante, mas pouco se ouve sobre o que ele tem a dizer”, ressalta. Além disso, essas organizações estimulam o aprendizado sobre democracia, inclusão e convivência.
A baixa adesão dos grêmios nas escolas públicas reflete o impacto da falta de investimento em infraestrutura e financiamento. Segundo Pellanda, além de comprometer as condições materiais de ensino, essa carência afeta a participação dos estudantes na vida escolar e na formação cidadã.
Os grêmios estudantis são assegurados pela Lei 7.398/1985, conhecida como Lei do Grêmio Livre, que garante a organização autônoma dos alunos para fins educacionais, culturais e sociais. Além disso, o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) previa que, até 2016, o Brasil deveria consolidar a gestão democrática nas escolas, incluindo a promoção e fortalecimento dos grêmios.
No entanto, a falta de conhecimento sobre a importância dessas organizações ainda é um desafio. Pellanda destaca que a responsabilidade pela implementação dos grêmios não deve recair apenas sobre os alunos, mas também sobre secretarias de Educação, direções escolares e professores, que precisam estar preparados para apoiar essas iniciativas.
No Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Ceará, em Inhaúma, no Rio de Janeiro, o grêmio estudantil busca alternativas para reduzir o uso de celulares pelos alunos, seguindo a lei nacional que restringe esses aparelhos nas escolas. Kaio Rodrigues Assis, presidente do grêmio, conta que a ideia é substituir o tempo de tela por atividades recreativas, como pingue-pongue e totó.
Outra iniciativa do grêmio é a reativação da rádio escolar, oferecendo programação para os intervalos. Segundo Isabella de Menezes, vice-presidente do grupo, os próprios alunos decidirão quais atividades desejam para substituir o uso excessivo do celular.
Além dessas ações, o grêmio do GET Ceará auxilia na organização de eventos como festa junina, feira de ciências e atividades voltadas à Consciência Negra. Para o diretor da escola, Gabriel Cacau, a experiência no grêmio desenvolve o protagonismo estudantil e incentiva a participação ativa dos alunos na escola.
A experiência no grêmio pode trazer benefícios duradouros, como relata Aline Pamphylio, ex-presidente do grêmio da Escola Estadual Sebastiana Lenir de Almeida, em Macapá. Segundo ela, atuar no grêmio foi uma forma de capacitação pessoal e social, ajudando-a a desenvolver habilidades de diálogo e liderança.
O grêmio da escola também apoiou projetos como o Afrocientista, que promove discussões raciais nas escolas em parceria com a Universidade Federal do Amapá. “O grêmio integra estudantes e comunidade, fortalecendo a relação entre escola e sociedade”, afirma Aline.
Enquanto o estado do Amapá tem apenas 3% das escolas com grêmios estudantis, o Rio de Janeiro apresenta uma taxa de 32%, ficando atrás apenas de São Paulo (36%). Diante desse cenário, a Secretaria de Educação do Amapá pretende iniciar, ainda este ano, uma ampla capacitação para gestores e professores de quatro municípios, visando fortalecer os grêmios estudantis.
O estudo faz parte do Projeto Euetu – Grêmios e Coletivos Estudantis, lançado em 2011, que busca mapear e fortalecer a organização estudantil, especialmente entre juventudes negras, quilombolas, indígenas e periféricas.
A ampliação dos grêmios nas escolas públicas pode ser um passo fundamental para a construção de um ambiente escolar mais democrático, participativo e inclusivo.