"Faltava
energia para realizar minhas atividades diárias e uma tristeza me acompanhava
ao longo do dia. Sentia raiva e ficava mais irritado em alguns momentos."
O gerente de
vendas, hoje com 39 anos, lembra que o mau humor e a irritação foram se
intensificando ao longo do tempo. "Principalmente nas primeiras horas do
dia. Sentia dificuldade em falar com meus pais, com meus amigos e com meus
clientes."
As mudanças
emocionais que Jorge viveu no próprio dia a dia o motivaram a procurar um
psiquiatra, que o diagnosticou com depressão.
Problema de
saúde que afeta 350 milhões de pessoas no mundo inteiro, segundo a OMS
(Organização Mundial da Saúde) - e que o Ministério da Saúde diz afetar 11
milhões de brasileiros, a depressão costuma ser associada a apatia, falta de
disposição, cansaço e tristeza. Geralmente, são estas as "pistas" que
levam uma pessoa a buscar ajuda profissional.
Mas a raiva e a
irritabilidade também podem indicar o problema, afirma o psicanalista Sérgio
Máscoli, que trabalha em clínica particular e no Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas de São Paulo.
"A
psicanalista Joyce McDougall, no livro Em Busca de uma Certa
Anormalidade, considera que muitos sujeitos que têm problemas
psicossomáticos podem apresentar raiva e inquietude como sintomas que afetam o
humor. Humor afetado implica em saúde biopsíquica afetada."
Ele enfatiza que
cada pessoa vivencia a depressão de forma distinta, com intensidades
particulares para cada um.
"Como a
depressão interfere de forma negativa na vida do sujeito, a raiva e a
irritabilidade podem ter variações de negatividade na vida dele. Desta forma,
seja uma intensidade 'leve', 'moderada' ou 'grave', é necessária uma
intervenção psicanalítica para evitar danos mais nocivos."
Máscoli afirma
que uma pessoa com raiva ou irritada por causa de uma depressão pode descontar
este desconforto em sua parceria sexual apresentando disfunções sexuais, por
exemplo.
Sinais de alerta menos óbvios, a raiva e a irritabilidade
costumam ser manifestadas com mais frequência por homens. Eles muitas vezes nem
sequer reconhecem a existência da depressão, seja por medo de serem julgados ou
por acreditar que suas emoções sejam apenas efeito do estresse e do cansaço.
"Desde tempos
imemoráveis, quando o homem e seu corpo eram um instrumento de guerra, não
expressar dor ou emoções afins podia ser considerado um valor: ele era forte,
corajoso e valente. Neste caso, raiva e irritação eram combustíveis úteis para
que o sujeito não temesse a dor e o sofrimento. Assim, estes sinais foram
assimilados pela cultura como qualidades masculinas. Os homens sensíveis eram
desprezados e estigmatizados, pois eram fracos e não podiam proteger o
outro", explica Máscoli.
Homem sofre, sim
Mesmo com o passar do tempo e
com a quebra de alguns preconceitos, prevalece o pensamento de que um homem não
pode sofrer. Muitos tendem a amenizar os sintomas, ou não admitem que estão
fragilizados, ou não querem incomodar. Pesquisas feitas por psicólogos nos
Estados Unidos mostraram que os homens relutam em falar sobre a depressão e têm
mais dificuldade em procurar ajuda profissional.
A trava que impede um homem de
se abrir e expor as emoções pode levar a consequências mais graves, como o
suicídio. Em alguns países, como o Reino Unido, tirar a própria já é a
principal ou uma das principais causas de morte de homens entre 20 e 49 anos.
A prevenção passa pela comunicação da ideia e pela busca
de ajuda, mas uma pesquisa da Associação Americana de Ansiedade e Depressão,
feita em 2015, mostrou que os homens são mais propensos a ficar em silêncio
quando pensam em se automutilar ou se matar.
Para Jorge, falar sobre seus
anseios e angústias é muito difícil.
"São poucas as pessoas
com quem consigo conversar abertamente. Geralmente apelo para os meus parentes
mais próximos e amigos mais íntimos. Talvez os homens tenham mais dificuldade
em admitir o problema e buscar ajuda."
De acordo com o psicanalista Máscoli, é preciso mudar o
paradigma sobre a condição do homem no século 21, onde as guerras são feitas
por drones guiados por um soldado do outro lado do mundo.
"Assim, o homem fica
livre do papel de forte, corajoso, para viver outras experiências: ser humano,
simplesmente. O homem que ainda é ensinado a ser forte e invencível pode trazer
muita angústia, e, consequentemente, muitos problemas psíquicos."
Atreladas culturalmente a uma
ideia de força, a raiva e a irritabilidade dificilmente levam alguém a
desconfiar que há algo errado. Mas é preciso estar atento a elas, pois
prejudicam outras pessoas e nem sempre o sujeito percebe o mal que está
produzindo, explica Máscoli.
"Elas são reações de
algum estímulo reprimido. Diria que, talvez, atletas, competidores e
investidores possam ser uma exceção."
O psicanalista reforça que,
durante a intervenção, é preciso descobrir a causa do sintoma, em vez de
simplesmente aliviá-lo. A ajuda profissional reconhece o sofrimento como
existente e não o nega.
"Conhecer o próprio sofrimento e poder significá-lo
é o princípio da superação do mesmo. Ele não pode ser só 'curtido'; deve ser
elaborado para que possa ser superado. Há um tempo para cada sofrimento."
Jorge preferiu não se
identificar porque teme a estigmatização que geralmente cerca os problemas de
saúde mental. "Acho que ainda existe muita desinformação e até um certo
preconceito."
Para ele, compreensão e apoio
por parte da família e dos amigos são fundamentais. "É importante fazer
com que a pessoa com depressão se sinta amada e acolhida." <>
Agência BBC Brasil //