O relatório faz uma
análise da situaçao de direitos humanos ao longo de 2016 em mais de 90 países.
De acordo com o
documento, em 2005, 9% dos presos no Brasil haviam sido detidos por crimes
relacionados às drogas. Em 2014, eram 28%. Para a ONG, a falta de clareza da
legislação acabou levando muitos usuários a serem condenados como traficantes.
"Embora a lei tenha
substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas,
como o serviço comunitário - o que deveria ter reduzido a população carcerária
-, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam condenados como
traficantes", diz o texto.
Pela legislação,
aprovada em agosto de 2006, para definir se o preso é usuário de drogas ou
traficante, o juiz deve analisar quesitos como quantidade apreendida, histórico
do detido, condições da ação, antecedentes, etc. Mas para críticos, essa
orientação abriu espaço para que decisões fossem tomadas por fatores
subjetivos.
Para a diretora no
Brasil da HRW, Maria Laura Canineu, "a lei deixou uma subjetividade grande
na determinação de quem é traficante ou usuário. Pela nossa experiência e nas
visitas que fazemos aos presídios, percebemos que há um número grande de
pessoas cumprindo penas por porte de quantidade pequena de drogas. Em um caso
em Pernambuco, conhecemos um réu primário de 19 anos que cumpre pena de 4 anos
de prisão por portar 15 gramas de maconha".
Além de apontar para a
legislação - e suas distorções - como uma das principais razões para o aumento
no número de detentos no Brasil, a ONG cita as rebeliões ocorridas em algumas
cidades do país desde o início do ano e alerta para a situação precária dos
presídios do país e os casos de violação dos direitos humanos nesses locais.
Segundo dados citados
pelo documento, mais de 622 mil adultos estão atrás das grades, 67% a mais do
que as prisões comportariam.
"As condições
desumanas nas prisões e cadeias brasileiras são um problema urgente.
Superlotação e falta de agentes penitenciários e técnicos tornam impossível às
autoridades prisionais manter o controle nos estabelecimentos prisionais,
deixando detentos vulneráveis à violência e às atividades de facções
criminosas".
O documento ressalta
ainda que as mesmas práticas, consideradas desumanas, são aplicadas em centros
socioeducativos que abrigam menores infratores.
"Em vez de promover
a educação e a reabilitação de crianças e adolescentes, os centros serviam como
locais de punição e isolamento", afirma o relatório, que se baseia nas
visitas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura a nove
instalações desse tipo em três Estados do Brasil.
O documento alerta que
algumas crianças e adolescentes relataram agressões de funcionários em unidades
infestadas de ratos e baratas e sem condições sanitárias ou ventilação
adequadas.
O documento da HRW
também cita avanços nos últimos anos, como as audiências de custódia, que
ajudam os juízes a decidir quem ficaria em prisão preventiva e quais acusados
aguardariam o julgamento em liberdade.
Para a
HRW, essas audiências podem ajudar a diminuir a superlotação, já que reduziriam
o número de presos provisórios.
"Com relação ao
relatório do ano passado, não podemos dizer que houve alguma melhoria no
sistema carcerário. Mas se houve avanços, eles são as audiências de custódia e
a consolidação do trabalho do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura, que já mostrava, em seus relatórios, que a situação carcerária em
Manaus, por exemplo, era uma bomba relógio", disse a diretora do Human Rights
Watch no Brasil, Maria Laura Canineu.
O relatório da Human
Rights Watch também alerta para o aumento do ciclo da violência no Brasil
provocado por abusos policiais - como execuções extrajudiciais e tortura -
cometidos dentro e fora das prisões.
Segundo dados do Fórum
Nacional de Segurança Pública, mais de 3 mil pessoas foram mortas por policias
em 2015. No mesmo período, foram mortos 393 policiais.
De acordo com a ONG,
embora uma parcela das mortes por policiais sejam resultados de confrontos,
algumas são decorrentes de execuções extrajudiciais, que alimentam a violência
prejudicando a segurança pública e colocando em risco a vida de policiais por
causa de ações de retaliação.
Nesse sentido, a ONG
critica a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a anulação do
julgamento dos 74 policiais envolvidos na morte de 111 detentos na prisão do
Carandiru, e afirma que "apesar das provas contundentes de que a polícia
teria executado os presos", um dos juízes afirmou que o ato teria sido em
legítima defesa.
"Enquanto não
houver responsabilização por estes crimes e abusos - dos presos e dos policiais
- eles vão ter uma espécie de carta branca para continuarem agindo dessa
forma", disse Maria Laura Canideu. Agência BBC Brasil //