El País - Faz um ano e dois
meses que Roberto Sá (Barra do Piraí, 1964) assumiu a Secretaria de
Segurança Pública do Rio de Janeiro. As Olimpíadas acabavam de terminar, o
Estado já tinha decretado calamidade financeira, e os índices de letalidade
violenta prenunciavam níveis de dez anos atrás. “Eu gosto de desafios, mas não
esperava que fosse dessa monta”, afirma.
O cenário, desde então, não melhorou,
a violência continua aumentando, e o horizonte não é nada esperançoso. O
orçamento da pasta em 2018 vai diminuir quase 5% e um corte de 500 milhões,
quase 10% do total, vai fazer tremer a Polícia Militar, que já tem mais da
metade das viaturas paradas por falta de manutenção. O ajuste vai deixar as
convalidas Unidades de Polícia Pacificadora com apenas 10.000 reais para
despesas, o equivalente a cerca de 50 pneus, contra os 5,4 milhões deste ano.
Sá, no entanto, diz que recuou do seu plano, anunciado em agosto, de enxugar o
programa e deslocar 3.000 homens das UPPs para patrulharem o asfalto. Os constantes conflitos na Rocinhalhe fizeram repensar a
estratégia.
Em encontro com um grupo de
correspondentes estrangeiros no dia 13 de dezembro, o secretário voltou a
cobrar um rigor maior da progressão de pena e das leis para punir criminosos e
abriu a porta a delações premiadas de narcotraficantes. O secretário, que já protagonizou embates com o Governo federal elogiou,
desta vez, a presença das Forças Armadas no Estado que vêm apoiando operações
contra o tráfico com resultados modestos. Na avaliação de aliados de
Michel Temer e do governador Luiz Fernado Pezão, do PMDB, a participação dos
militares no Estado coroou o "sequestro" do Governo do Rio pela
gestão federal, mas para Sá trata-se de o Governo federal ter entendido que tem
sua responsabilidade num contexto de violência urbana. O Rio, lamentou o
secretário, vive “um momento dramático”. Preocupado, segundo ele, com a
letalidade das ações policiais, afirmou não saber o que aconteceu na madrugada
do dia 11 de novembro quando uma operação da Polícia Civil com apoio do
Exército deixou sete mortos –um oitavo morreu um mês depois.
Pergunta. O senhor anunciou que pode recuar do pedido de transferência de
Rogério 157, pivô do conflito na Rocinha, a um presídio federal se ele fizer
delação. Se isso acontecer, poderia abrir a porta a novas delações premiadas e,
em consequência, uma nova maneira de combater o tráfico de drogas? Poderia se
esperar um impacto comparável ao que as delações estão tendo na Lava Jato?
Resposta. Em princípio ele vai para um presídio federal para prejudicar sua
articulação local. Se me apresentarem formalmente uma proposta de delação que
diz que ele está disposto a delatar o chefe dele, que ele vai dizer quem é o
cara do asfalto que banca, se é que tem, ou entregar o criminoso que está em
outros locais, a gente pode ver a permanência dele no Rio enquanto está depondo
e fazendo delação. Mas não como prêmio, se não porque seria uma maneira mais
fácil de tomar depoimentos. A delação tem suas regras também, não adianta me
apresentar para baixo. Ele tem que entregar pessoas mais importantes que ele. O
cumprimento da pena é algo para ser dialogado durante a delação num segundo
momento. É preciso considerar que o criminoso de colarinho branco é um cidadão
com RG, com empresa e com um status social que tende a falar para ver reduzida
sua pena. O criminoso do crime organizado não tem esse status e não está se
importando muito com isso, está se importando com a vida. Se ele fala muito,
ele morre. Há uma tendência, e eu espero que mude, a falarem muito pouco. Há um
desejo grande de que essas pessoas comecem a fazer delações e a gente comece a
prender cada vez mais pessoas da hierarquia.
P. O senhor fala
bastante do aprimoramento das ações policiais. O jornal O Globopublicou uma reportagem que revelava que, de
2010 a 2015, apenas 20 policiais militares são responsáveis por 10% das mortes por
suposta resistência à ação policial no Estado todo. A matéria
diz ainda que metade desses policiais respondem por crimes como tráfico de
drogas. A PM qualificou de injusta essa apresentação de dados. Gostaria de
saber qual é sua análise.
R. É uma dado
que revela o quanto foi perniciosa essa lógica da gratificação faroeste [que de
1995 até 1998 bonificou os policiais que mais matassem]. Aqueles policiais mais
corajosos, que buscavam maior remuneração, lembremos que a gratificação chegava
a 150% do salário, foram em busca de confronto. Esse dado é até 2015 e não pega
minha gestão, mas como estamos tendo um número de autos de resistência
relativamente elevado eu determinei imediatamente ao comandante da PM que
verificasse onde esses policiais estão agora, se passaram pelo programa de
aperfeiçoamento profissional, como está o comportamento deles de lá para cá e
como é que está a situação judicial e administrativa deles. Pedi também que
mapeassem quem está com os índices de disparo de arma elevado. Aquele dado me
acendeu um farol e pedi saber sobre a situação daqueles e de outros.
P. Do final do
ano passado para cá, vimos um incremento da violência entre facções criminosas,
com os massacres nas prisões, mas também nas ruas. Qual é a situação atual
dessa guerra?
R. Essa
realidade que nós temos no Rio de três facções criminosas disputando espaço
está se revelando no país inteiro. Aqui tem essa lógica expansionista que, na
minha opinião, só e possível em razão desse poder bélico que eles têm. O
enfrentamento mais violento que nós tivemos, embora com menos vítimas, foi o da
Rocinha, que foi uma dissidência dentro da mesma facção. E tivemos uma confusão
no Caju, perto da Avenida Brasil. Mas essa briga está como sempre foi. Não
aumentou.
P. A situação
não parece ser a mesma quando o PCC vem ganhando importância no Rio e com o
recrudescimento da violência na Rocinha pela disputa agora de duas facções
rivais.
R. É que o PCC
para nós é uma realidade no Brasil, é uma realidade no Paraguai, e no Rio de
Janeiro ainda é parceiro comercial. Então fisicamente não tem
algo significante. Há ainda muita lenda, o que não significa que amanhã resolva
se instalar para competir com outras facções. Por enquanto a participação do
PCC é essa e vamos torcer para que fique por aí, pois nós sabemos o grau de
organização deles. Na Rocinha, especificamente, temos pessoas que se sentem de
um grupo e outras de outro o que me faz manter 550 homens ali diariamente. Mas
as inteligências da PM, da Polícia Civil, da Secretaria de Administração
Penitenciaria e da Polícia Federal estão estudando a situação para me
apresentarem cenários e eu poder decidir a estratégia.
P. O que
aconteceu no complexo do Salgueiro no dia 11 de novembro, quando uma operação conjunta entre a Polícia Civil e o Exército deixou
sete mortes – após um mês, mais uma vítima não resistiu?
R. Essa operação
se dá após um contato direto entre uma força especial [Coordenadoria de
Recursos Especiais da Polícia Civil, Core] e outra força especial [Exército]
que resolvem ir até lá para fazer um reconhecimento. A história que os senhores
conhecem é a que nós conhecemos [nem Polícia Civil nem Exército reconheceram
ter atirado contra as vítimas]. Estamos dando todo o apoio ao Ministério
Público e à Delegacia de Homicídios para identificar os autores. No entanto,
nenhum dos policiais da Core afirma ter atirado. Não houve disparo por parte
das nossas forças especiais.
P. Com todo
respeito, não acredito que os senhores não saibam o que aconteceu. Sete mortos
podem se contabilizar todos os dias no Rio de Janeiro. Mas a questão do
Salgueiro é que, pelo que parece, foi o Exército quem matou, de um jeito nada
convencional. As testemunhas relatam a presença de helicópteros, homens de preto
descendo de rapel e o que parece ter sido uma armadilha para
matar. Se a gente não cobrar abre-se uma porta e um precedente perigoso, dado
que uma nova lei não permite mais investigar militares como antes eram
investigados.
R. É obvio que a
gente tem que respeitar a opinião de cada um, mas nós somos profissionais de
segurança e não devemos falar de investigações em curso sem conclusão. São
hipóteses que não estão comprovadas. O que eu sei é o que está nos autos da
Divisão de Homicídios. Tenho e cobro uma ação muito forte das policias civil e
militar, para além disso não tenho nem competência legal. Já há uma orientação
nossa para eles terem muito cuidado nessas operações pontuais. Mas a gente tem
que dar autonomia e cobrar. Neste caso está sendo cobrado e está sendo
investigado. Respeito sua percepção, mas não posso falar sobre hipóteses e onde
não há nada concreto.
P. Mas
secretário, como é possível que o senhor, máximo representante da Segurança
Pública do Estado, não saiba como morreram sete pessoas numa operação conjunta
da qual se diz que ninguém atirou?
R. A gente tem
cerca de 400 homicídios dolosos por mês, mais ou menos. Você acha que a gente
consegue saber a autoria de todos eles?
P. Têm o
Exército no meio, não são sete homicídios convencionais.
R. O máximo
representante da Segurança Pública tem suas estruturas para investigar, mas
minha função é estratégica, eu só posso saber aquilo que minha estrutura me
apresenta. Entendo sua curiosidade jornalística, só que você está numa posição
que pode falar de suas hipóteses, mas eu estou numa situação de
responsabilidade. Quem antecipa fatos de investigação tende a se atropelar e
cometer equívocos, então eu só posso falar o que está nos autos. Como diz o
mundo do direito o que não está nos autos, não está no mundo. A autoria vai ser
elucidada, mas não imediatamente.
P. O Estado não
tem uma estatística para acompanhar o número de vítimas de balas perdidas.
Neste ano, vimos uma explosão do número de casos. O senhor não acha que as
operações policiais são responsáveis por esses danos? Não seria importante ter
um diagnóstico preciso e constante dos prejuízos que uma operação policial
causa para avaliar se foi bem sucedida? Por exemplo, se a operação apreende
armas ou drogas, mas uma criança é baleada, não pode ser considerada bem sucedida.
R. Cada bala
perdida é investigada como homicídio ou lesão corporal. Mas, em termos
estatísticos, seria muito ruim o Estado dar uma informação que tem caráter
oficial e ser equivocada. A própria descrição do fato é complicada. Como vai se
saber se foi bala perdida? Só pelas circunstâncias, não há uma questão objetiva
e isso gera desconfiança do próprio número. Entendemos que é melhor tratar isso
como crime e investigar, ao invés de ter uma estatística oficial que não
podemos confirmar. Em relação às operações, você tem razão. A gente diminuiu
bastante, mas não zeramos. A prioridade não são as operações mas elas infelizmente
ainda são necessárias. Concordo que não vale a pena nenhuma perda de vida para
apreender uma pistola. A ação do Estado tem que ser qualificada para proteger a
sociedade e não aumentar o risco. A polícia tem que proteger a população.
P. Poderia fazer
um balanço da atuação do Exército nesses meses no Estado?
R. Eu vejo
vantagens. Nem sempre é o resultado da prisão ou apreensão, embora estejam
sendo números relevantes. A vinda das Forças Armadas é a ação do Governo
federal no sentido de entender que, num contexto de violência urbana, ele tem
seu papel, com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária, com a Agência
Nacional de Inteligência, com as Forças Armadas... Vejo muito positivo o Governo federal entender sua participação e trabalhar de forma conjunta e
coordenada, uma vez que eles têm muitas pessoas e recursos materiais que podem
nos auxiliar nos tempos que temos pela frente.
P. Qual é sua
avaliação da política de UPPs e o que vai acontecer com elas?
R. Elas tiveram
seu momento de muito impacto, elas se expandiram, mas a partir de 2013 começou
a haver episódios que ligaram um alerta. Começamos a ter policiais baleados.
Hoje há uma tendência natural a uma retração, a um cuidado maior no
patrulhamento de becos e vielas. Por sobrevivência, porque as armas continuam
chegando e as pessoas atirando. A polícia continua nesses lugares, mas de forma
mais cautelosa. Eu não penso em acabar com elas, mas em redirecionar essa ação.
As UPPs existem, não tem o grau que tinham no início da sua implementação de
patrulhamento total, mas elas continuam representando a presença do Estado. Há
muita cobrança para recuar, é uma das estratégias, mas no meu caso é a última,
porque a gente tem que enfrentar o crime. A UPP não pode ficar sozinha. Hoje
penso em implementar o que não consegui até hoje que é a Polícia Civil e a PM
trabalharem junto e quiçá, inclusive, com as Forças Armadas, para fazer
operação de grande porte que iniba troca de tiro.
P. O que vai
acontecer com os 3.000 agentes que o senhor anunciou que iriam se deslocar das favelas ao
asfalto?
R. Vamos rever
esse número para baixo em razão do que aconteceu na Rocinha. Aquilo chamou
minha atenção pelo fato de termos uma UPP lá e não ter podido evitar o que
aconteceu.