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Saúde
02/01/2023 18:00:00

Transplante de medula óssea possibilita recomeços

Procedimento evoluiu nos últimos 35 anos, trazendo esperança para pacientes com doenças até então consideradas incuráveis, como leucemia e linfoma


Transplante de medula óssea possibilita recomeços

Há pouco mais de três décadas, descobrir alguns tipos de doenças hematológicas ou imunológicas era sinônimo de um tratamento complicado com transplante de medula óssea, que poderia exigir a ingestão, pelo paciente, de mais de cem comprimidos de medicação por dia, e, que, em muitos casos, tinha poucas chances de sucesso. Tudo mudou com o desenvolvimento da técnica, que permitiu realizar transplantes de forma cada vez mais segura, com soluções que trouxeram maior chance de cura para doenças como leucemia e linfoma e que continuam evoluindo a cada dia.

No Brasil, o primeiro transplante do tipo foi realizado em 1979, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 1987, o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, foi a primeira organização privada do país a fazer um transplante de medula óssea e, nos últimos 35 anos, além de realizar quase 2.000 procedimentos, trouxe para o Brasil avanços como a tecnologia do congelamento da medula, o transplante autólogo – com células-tronco do próprio paciente – e o transplante de células de cordão umbilical de doadores não aparentados.

“A medicina vem avançando a uma velocidade enorme. Quando começamos, era preciso ter um irmão HLA [sigla para antígeno leucocitário humano, que indica a compatibilidade entre células, tecidos e órgãos] idêntico. Depois, passamos para os registros de doadores. Hoje, o Brasil tem um dos maiores bancos do mundo”, afirma Nelson Hamerschlak, coordenador do Programa de Hematologia, Transplantes de Medula Óssea e Terapia Celular do Einstein.

O transplante consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária por células normais de medula óssea, com o objetivo de promover a reconstituição saudável das células-tronco. De acordo com o Ministério da Saúde, o procedimento pode beneficiar o tratamento de mais de 80 enfermidades, como doenças hematológicas, imunológicas, onco-hematológicas, genéticas hereditárias e autoimunes.

A quimioterapia e a radioterapia, que também pode ser necessária, atuam no sentido de eliminar doenças dentro do tutano do osso – forma como a medula óssea é chamada. Esse tratamento inicial também abre espaço dentro dos ossos para receber, através do próprio cateter, células capazes de se multiplicarem para formar uma nova medula óssea.

Nos últimos anos, o transplante de medula evoluiu. Novos medicamentos e modalidades terapêuticas foram inseridos no escopo do tratamento. “O principal remédio que se usava na época era um medicamento oral que o indivíduo tinha que tomar de 30 a 40 comprimidos a cada seis horas. Depois, se transformou em uma medicação endovenosa aplicada uma vez por dia. Nesse cenário, os antibióticos e antifúngicos também melhoraram muito”, conta Hamerschlak.

Avanços no tratamento

No Brasil, o Einstein foi pioneiro em realizar o transplante autólogo, onde as células-tronco do próprio paciente são coletadas, congeladas e utilizadas posteriormente. A inovação propiciou o tratamento de pacientes com mieloma múltiplo, linfomas e alguns tipos de cânceres pediátricos no país.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a probabilidade de haver doador idêntico na mesma família é, em média, de 25% a 30%. Quando não há parentescos, a probabilidade diminui ainda mais: a chance de encontrar alguém 100% compatível fora
da família pode chegar a um em 100.000 mil. Nesses casos, se faz necessária a busca por doadores no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), responsável por reunir informações de voluntários.

Com mais de 6 milhões de doadores cadastrados, o Redome é o terceiro maior registro do mundo. Para se tornar um doador de medula óssea, é necessário ter entre 18 e 35 anos de idade, estar em bom estado geral de saúde e não ter doença infecciosa ou incapacitante. Também não pode apresentar doenças neoplásicas, hematológicas ou do sistema imunológico. Segundo o Ministério da Saúde, em 2019, existiam 107 hemocentros e cem centros para transplantes de medula óssea distribuídos por todo o Brasil.

Outra evolução importante foi o desenvolvimento da tecnologia do congelamento da medula, a fim de possibilitar a utilização posterior para novas fases do tratamento. O Einstein foi responsável não só por implementar a técnica no Brasil, mas também por difundi-la. “Aprendemos no exterior e, depois, trouxemos equipamentos, iniciamos o procedimento e treinamos outros centros no país”, conta Hamerschlak. Em parceria com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, o Einstein também foi pioneiro, no país, em transplantes em pacientes com doenças autoimunes, como esclerose múltipla, esclerose sistêmica e casos selecionados de Lúpus Eritematoso Sistêmico.

Em 1997, o hospital fez o primeiro transplante de células de cordão umbilical não aparentado – de doadores não familiares – no Brasil, com o apoio da entidade norte-americana New York Blood Center (NYBC). “Posteriormente surgiu a possibilidade de utilização de doadores familiares chamados haploidênticos, isto é, que carregam 50% de carga genética compatível com o paciente. Mais uma vez o Einstein foi pioneiro nesta modalidade” relembra o médico. “Estas duas novas formas de transplantar trouxeram a possibilidade de romper a barreira da compatibilidade”, completa.

O sangue do cordão umbilical é considerado uma fonte promissora de células-tronco, e o Einstein implementou no início dos anos 2000 um banco de cordão umbilical, contribuindo para a execução de transplantes não aparentados. O Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Einstein foi, em 2012, o primeiro fora da América Latina a receber o certificado da Foundation for the Accreditation of Cellular Therapy (FACT), dos Estados Unidos, que atesta padrões de qualidade e excelência no procedimento de terapias celulares.

Os avanços obtidos nos últimos 35 anos beneficiaram pacientes do serviço público e do privado. “O transplante nasceu no serviço público e hoje nós, por exemplo, no Einstein, também atendemos a área pública por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), onde recebemos pacientes regulados através do Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde”, conta Hamerschlak.
Paciente como protagonista.

 

Para o sucesso do tratamento, no entanto, garantir um tratamento humanizado por toda uma equipe médica e multidisciplinar, que torne o paciente protagonista durante todo o processo, é tão importante quanto a evolução da técnica do transplante. “Os pacientes que apresentam doenças onco-hematológicas, hematológicas e genéticas graves, ou que possuem imunodeficiências e doenças autoimunes complexas são essencialmente fragilizados. Por isso, é extremamente importante dar o suporte necessário para que eles possam superar a agressividade de um procedimento desse tipo, ganhando qualidade de vida”, aponta Hamerschlak.

O advogado G.R*, conhece na prática a importância desse cuidado. Aos 75 anos, ele sofreu um pequeno desmaio em sua fazenda. Quando se consultou, foi diagnosticado com uma mielodisplasia, distúrbio que acomete a produção e o amadurecimento das células da medula. Graças ao transplante e ao apoio recebido, alcançou a cura.

“Comecei com uma quimioterapia que não surtiu os resultados esperados. Então, apareceu a oportunidade de fazer um transplante de medula óssea. Depois dos exames e de termos encontrado um doador, fizemos o procedimento. Foi muito trabalhoso e cauteloso, por conta da minha idade”, relembra.

Segundo ele, receber o apoio de familiares e amigos, assim como dos profissionais de saúde, permitiu que sua esperança se mantivesse sempre firme, apesar dos momentos difíceis – especialmente no período de isolamento, com grande consumo de medicação e de fisioterapia.

O paciente J.L* também faz parte dos pacientes que venceram o câncer. Diagnosticado com Síndrome de Sézary, um linfoma cutâneo de células T, ele recorda que o primeiro sintoma da enfermidade foram as intensas coceiras pelo corpo.

“Tiraram a medula do meu filho e, no mesmo dia, fizeram uma transfusão. A partir disso, eu tive que esperar um tempo, até acontecer o que os médicos chamam de pega da medula”, diz. A “pega” marca o momento em que a medula já consegue produzir sozinha as células do sangue em quantidades suficientes", comenta. “Foram 15 dias de suspense e em que eu senti muita dor, o que é uma coisa normal após o transplante de medula, mas depois, finalmente, recebi a notícia de que o procedimento havia funcionado", destaca.

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