O governo de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou para o fim a montagem da equipe que vai trabalhar junto ao Ministério da Defesa e as Forças Armadas. Está pendente, ainda, a definição do núcleo que vai lidar com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Lula enfrenta dificuldades de quadros com acesso às atuais cúpulas militares e com a direção dos dois ministérios no governo Jair Bolsonaro, numa relação considerada sensível pelos petistas. O impasse será arbitrado por Lula na volta de viagem ao exterior.
O vice-presidente eleito e coordenador-geral da transição, Geraldo Alckmin, um dos nomes em quem se confiava a aproximação com militares, afirmou a interlocutores que a equipe temática da Defesa será anunciada "assim que formada". Há um "silêncio total" sobre os nomes que estão sendo recrutados e integrantes da transição afirmam que será preciso "muito tato" na relação com a Defesa. Eles dizem que o setor militar foi preterido da pauta prioritária na formação da equipe, mas vem sendo tratado por um núcleo mais fechado no entorno de Lula.
"O grupo da Defesa, assim que o Lula chegar, devemos anunciar", disse nesta quinta-feira, 17, o ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador de grupos temáticos e um dos nomes citados por generais como bem avaliado na caserna para assumir a Defesa.
Interlocutores do governo eleito ouviram de generais que não agradaria às cúpulas militares repetir a fórmula de embaixadores no comando da pasta. Além disso, eles também não veem com bons olhos a nomeação de algum nome da cúpula do Judiciário - o Supremo Tribunal Federal (STF) é, atualmente, alvo de críticas veladas e recados de oficiais-generais.
O Estadão apurou que, nos bastidores da transição, há divergências sobre como o grupo deve funcionar e sua composição. O impasse já foi motivo de conversas entre Mercadante, Gleisi Hoffmann e Geraldo Alckmin, além dos ex-ministros Jaques Wagner e Celso Amorim.
Uma ala defende um grupo misto, composto por civis e militares da reserva. Há quem avalie que deveriam ser convidados apenas militares da reserva que foram colaboradores de gestões passadas do PT. Outros, porém, opinam que deveria haver apenas civis, ou somente militares.
Mercadante, por exemplo, disse que com certeza haverá militares no grupo da Defesa e que eles poderão colaborar pontualmente em outras áreas. Há também quem avalie que os grupos de Defesa e Inteligência Estratégica deveriam funcionar juntos.
Foi por isso que a nomeação da equipe ficou em compasso de espera antes mesmo de qualquer conversa direta com Lula, de acordo com um parlamentar a quem foram encomendadas sondagens reservadas com militares. Até ex-comandantes das Forças Armadas vêm sendo consultados. Segundo outro experiente deputado do PT, todo mundo está transmitindo informações diretamente a Lula e a interlocução com militares deve ser feita apenas por pessoas a quem o próprio presidente eleito delegar a tarefa.
O governo Jair Bolsonaro deu inédito protagonismo político aos militares e levou a uma ocupação de aproximadamente 6 mil cargos na Esplanada dos Ministérios. Lula já disse que pretende reverter essa situação. Além disso, indicou que nomeará um civil na Defesa.
O presidente eleito tem sido aconselhado a optar por alguém com perfil institucional e a não criar perturbações desnecessárias na relação com Exército, Marinha e Aeronáutica. A aposta é que Lula nomeará o mais antigo entre os oficiais-generais, quando for escolher os comandantes. Os currículos estão em avaliação.
Embora as cúpulas militares se digam legalistas, na semana passada os atuais comandantes-gerais das Forças Armadas emitiram nota conjunta sobre as manifestações na frente dos quartéis, que tinha como principal pauta a rejeição da vitória de Lula e um pedido de intervenção militar. Há militares envolvidos nas manifestações, assim como seus parentes. Reservadamente, admite-se na caserna que a orientação ideológica majoritária é conservadora e rejeita a trajetória de Lula.
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, se manifestou por nota e ofício levantando suspeitas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas, embora a fiscalização realizada por uma equipe técnica de especialistas militares não tenha apontado qualquer evidência de fraude. Ao contrário: o relatório indicou o funcionamento das urnas sem anomalias e a contagem de votos sem divergências.
Além de ter feito previsões negativas sobre o que seria um "governo da posição", o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas afirmou que o clamor de socorro às Forças Armadas deriva de "dúvidas" sobre o processo eleitoral e "atentados à democracia". Na carta divulgada na terça-feira, 15, o general se referiu de forma elogiosa aos atos que pediam intervenção. Em 2018, o então comandante-geral publicou uma mensagem interpretada como ameaça ao Judiciário, cobrando respostas à impunidade, pouco antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar um recurso da defesa de Lula. Derrotado na Corte, o petista foi preso dias depois, acusado pela Operação Lava Jato.
Durante a campanha, interlocutores de Lula buscaram aproximação com a cúpula das Forças Armadas, mas ouviram que as portas na caserna estavam fechadas. Alckmin foi um deles. O Estadão mostrou que, rompendo com prática inaugurada em 2018, o comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, não recebeu nenhum dos candidatos ao Palácio do Planalto para dialogar sobre assuntos de interesse da Força.
A interlocução perdeu prioridade e conselheiros do petista passaram a dizer que não era conveniente buscar contato com generais da ativa com assento no Alto Comando nem dar a eles protagonismo político. Generais da ativa ouvidos sob reserva não questionam o resultado da eleição e consideram que a transição ocorre dentro de normalidade. Para eles, seria natural a preparação da transição pelos generais mais antigos de cada Força, cotados para assumir o comando-geral.