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Educação
02/08/2022 10:00:00

Lição de casa não deve ter decoreba, tarefas repetitivas e estresse: saiba de que forma ela pode beneficiar crianças


Lição de casa não deve ter decoreba, tarefas repetitivas e estresse: saiba de que forma ela pode beneficiar crianças

“Por que me colocaram neste mundo? Quero ir embora”, diz o indiano Daivi Ksharma, de 3 anos, revoltado em ter de fazer a lição de casa. O vídeo da reação do menino (veja acima) fez sucesso nas redes sociais nesta semana e levantou uma discussão nos comentários dos posts: afinal de contas, essas tarefas enviadas pelas escolas são benéficas para as crianças?

Ao g1, a mãe de Daivi diz que seu filho estava apenas com vontade de voltar a brincar. Ela até defende que os colégios passem deveres para os alunos, mas em pequenas doses. “Não pode ser um fardo, ainda mais na infância”, afirma.

Nesta reportagem, pedagogos e pesquisadores explicam que atividades escolares feitas em casa podem estimular a aprendizagem e ajudar no ganho de autonomia, desde que:

  1. não sejam tarefas repetitivas ou de “decoreba”;
  2. não tomem tanto tempo;
  3. levem em conta a realidade social do estudante e da família;
  4. tenham relação com o que foi apresentado em sala de aula e estimulem a curiosidade.

Adam Maltese, professor de ciências da educação na Universidade de Indiana, nos EUA, é autor de uma pesquisa sobre os efeitos das lições de casa em alunos do ensino fundamental. Há 10 anos, desde que analisou o desempenho de 18 mil estudantes, ele defende que o importante é a qualidade das tarefas (não o tempo de dedicação a elas).

“A quantidade de lição não interferiu nas notas das turmas. Precisamos pensar, então, no que os alunos vão fazer em casa. Trabalhos repetitivos não importam. Temos de ensiná-los a serem bons pensadores”, diz Maltese ao g1.

Abaixo, veja os aspectos que devem ser considerados para que a criança se beneficie das lições de casa.

1- Lição não é punição!

“Quem não se comportar vai ter mais lição!”, “Se fizerem bagunça, vou passar mais atividade para casa!”. Frases assim, se ditas por professores, podem levar a criança a entender que as tarefas são punições.

“A lição de casa jamais pode ser associada a um castigo. Ela vai fortalecer saberes”, diz Roberta Panico, diretora da Comunidade Educativa Cedac, órgão que promove a melhoria de atividades pedagógicas na rede pública.

“Se as tarefas não seguirem um modelo desgastado, só com repetições exaustivas de um mesmo exercício, vão trazer uma contribuição muito grande para o processo de ensino-aprendizagem”, completa.

Luis Aguilar, doutor em Educação e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta mais um benefício de lições de casa bem elaboradas: o desenvolvimento da autonomia na infância.

“A criança deve aprender a se organizar. As tarefas escolares são uma atividade importante no dia dela, assim como comer, dormir e cuidar da higiene pessoal.”

2- Não adianta lotar a criança de dever de casa

As tarefas escolares são uma atividade importante no dia da criança — Foto: Divulgação

As tarefas escolares são uma atividade importante no dia da criança — Foto: Divulgação

Há pais que acham que, quanto mais lição a escola passar, melhor é a qualidade do ensino.

É uma noção ilusória que deve ser desmentida nas reuniões com os professores, explicam os especialistas ouvidos pelo g1.

“Bombardear a criança de conteúdo não favorece a aprendizagem, só traz estresse", diz Érica Catalani, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

“Precisamos considerar a faixa etária. No ensino fundamental I, a lição pode ser pesquisar sobre uma brincadeira, por exemplo. A ideia não é sobrecarregar o aluno.”

3- As atividades precisam ser criativas, sem decoreba ou repetição

Daniela Arai, coordenadora de Gestão Pedagógica do Instituto Unibanco, reforça que o tipo de lição que exige apenas repetições de exercícios não contribui com a aprendizagem dos alunos.

“A criança precisa ver sentido no que está fazendo. A tarefa de casa é bem-vinda se estimula, por exemplo, que o aluno investigue algo de sua comunidade ou entenda questões culturais e históricas”, afirma.

Maltese, dos EUA, concorda: “Não sou a favor de cancelar os deveres de casa, mas de adaptá-los para que estimulem a leitura ou a investigação científica.”

Desenho sem tirar o lápis do papel — Foto: tempojunto.com.br

Desenho sem tirar o lápis do papel — Foto: tempojunto.com.br

Veja sugestões de atividades:

  • Interação com a família: “Vou trabalhar conhecimentos de matemática como preço e parcelas? Posso sugerir que as crianças tragam panfletos de mercado ou perguntem para os familiares como eles organizam as compras. É uma conversa disparadora, que vai levantar uma discussão em sala de aula”, diz Érica, do Cenpec.
  • Elaboração de hipóteses: Roberta Panico sugere lições em que o aluno investigue o que não sabe e arrisque. “Como ele acha que é o sistema solar? Pode desenhar uma Terra gigante com outros planetas pequenos em volta, não tem problema. A exigência não é pelo certo.”
  • Brincadeiras: Para crianças pequenas, como Daivi Ksharma, do vídeo, as atividades podem ser brincadeiras ou interações com a família (como uma receita). A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece que, na educação infantil, o foco é o brincar.

4- A escola deve considerar a realidade dos alunos e das famílias

O colégio deve pensar na realidade de seus alunos: eles têm responsabilidades domésticas? Os pais costumam passar algum tempo em casa ou trabalham o dia inteiro fora? Há um espaço adequado para que a criança faça os exercícios?

“É preciso conhecer sua comunidade para saber o que é possível de ser pedido”, afirma Roberta Panico.

Érica, coordenadora no Cenpec, acrescenta que a escola deve se preocupar em não acirrar as desigualdades sociais.

“Se peço para a criança levar um jornal para a escola, ela precisará da ajuda de um adulto. Alguém tem como comprar para ela? Precisamos ter este cuidado.”

São essas diferenças sociais que fazem com que alguns pais, menos escolarizados, preocupem-se de não conseguir ajudar as crianças. Mas o importante, garantem os especialistas, é o apoio emocional. A expectativa dos professores não é de que todas as respostas estejam certas.

“Os adultos não precisam saber matemática ou português. O que realmente vale é a postura deles. A família deve dar valor à lição, cobrar que a criança se dedique e falar da importância da escola”, diz Daniela.

g1



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